Um tema que raramente entra na pauta das discussões sociais, talvez por ainda ser um tabu, é a masculinidade tóxica. Trata-se de um problema presente em muitos homens, ainda que dificilmente reconhecido por eles próprios.
Uma boa introdução ao debate pode ser vista na série Super Mâles, disponível na Netflix. No entanto, o objetivo deste breve ensaio não é comentar a série, que considero uma produção relevante, mas compartilhar com nosso grupo alguns sintomas desse padrão nocivo de masculinidade.
Desde o nascimento, somos acolhidos no mundo como “machos” e, desde então, tudo parece conspirar para que desempenhemos esse papel. O estereótipo é conhecido: macho não chora, macho coça o saco e cospe no chão. O arquétipo do homem “de verdade” é o de um sujeito rude, bruto, conquistador de muitas mulheres, forte, musculoso e sempre superior à mulher, que deve ser, por contraste, frágil, delicada, submissa.
O “varão”, como se dizia, deveria ter a “vara” grande. Muitos ainda se gabam disso. Criou-se, assim, um fetiche: o homem com “H maiúsculo” seria aquele cuja genitália impõe respeito. A psicanálise certamente teria muito a dizer sobre esse simbolismo fálico, mas, como não sou psicanalista, não me alongarei nesse ponto.
O problema que quero destacar aqui é outro: a masculinidade tóxica. Ela se manifesta, sobretudo, na recusa em reconhecer a diferença entre os gêneros — não apenas a biológica, mas a simbólica, cultural e afetiva. O homem tóxico não vê na mulher uma alteridade, mas uma ameaça à sua autoridade, ao seu narcisismo de macho dominante.
Essa masculinidade também se revela na violência não apenas física, mas também verbal, emocional e simbólica. Expressa-se no silenciamento dos afetos, na repressão da sensibilidade, no culto à força como sinônimo de poder e na recusa à escuta. Tudo o que destoa da imagem do homem invulnerável e dominador é visto como fraqueza e, portanto, como algo a ser combatido.
Persistem, ainda hoje, práticas associadas à masculinidade tóxica que são ocultadas em nome da manutenção de relações conjugais. Uma delas, de extrema gravidade, é o que podemos chamar de “estupro consentido”, ou seja, a relação sexual imposta sob o pretexto de um direito marital: “Hoje vou lhe usar!”. Uma prática desumanizante, que transforma a mulher em mero objeto de uso e que desumaniza também o próprio homem que se vê reduzido à lógica da dominação.
Precisamos, urgentemente, de novas figuras de masculinidade. Figuras capazes de acolher a fragilidade, o cuidado, o afeto e a escuta. Figuras que compreendam que ser homem não é impor, dominar ou competir, mas sim coexistir, colaborar e transformar. Romper com a masculinidade tóxica é, antes de tudo, um gesto de emancipação para os homens e para toda a sociedade.
JAIRO BARBOSA MOREIRA
É filósofo e doutor em Educação pela Universidade Federal de Goiás. Atua como padre na paróquia São Pedro – Novo Planalto, da diocese de Cristalândia.