O sistema tributário brasileiro é notório por sua complexidade labiríntica, muitas vezes descrito por especialistas como um “manicômio tributário” ou um “carnaval tributário”, expressões cunhadas por Alfredo Augusto Becker. Essa estrutura caótica, com sua miríade de impostos, taxas, alíquotas e regimes, cria enorme insegurança jurídica e custos elevados para empresas e cidadãos.
Para o brasileiro, a tributação é uma realidade quase incompreensível, um labirinto de siglas e cobranças que obscurecem o real peso dos tributos no dia a dia, como IPTU, IPVA, ICMS e IRPF. Nesse cenário, a aprovação da nova legislação e a transição para um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual representam um passo histórico e crucial. Esta proposta, com a substituição de impostos complexos por um IVA, é uma das alterações mais significativas na economia brasileira em décadas, embora seu impacto total só seja sentido com a implementação gradual e a adaptação de todos os agentes econômicos ao longo dos anos.
A reforma muda radicalmente a relação fiscal entre os entes federativos. O fim da “guerra fiscal” é um dos pilares, já que o novo sistema de arrecadação se baseará no princípio do destino, ou seja, o imposto será pago no local onde o bem ou serviço é consumido. Isso tende a favorecer municípios e estados com grande consumo, enquanto aqueles que dependiam da produção e de incentivos fiscais para atrair empresas precisarão se adaptar. Para suavizar essa transição, o novo arcabouço fiscal prevê a criação de fundos de compensação e de desenvolvimento regional. A expectativa é que esses mecanismos ajudem a equilibrar as contas públicas e a garantir que nenhuma região seja penalizada de forma abrupta. O sucesso dessa adaptação, no entanto, dependerá da eficácia e da gestão desses novos fundos.
A promessa de simplificação é a principal atração para o setor empresarial. O emaranhado de cinco impostos diferentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) será substituído por um sistema mais transparente e previsível. Com a não cumulatividade plena, as empresas poderão se creditar de impostos pagos em todas as etapas da cadeia produtiva, o que deve reduzir custos e tornar a produção mais competitiva.
Contudo, nem todos os setores se beneficiarão da mesma forma. Aqueles que hoje gozam de regimes fiscais especiais, como o de serviços, podem enfrentar uma alíquota mais alta, o que exige um planejamento cuidadoso. A transição, que pode durar até 2033, também representa um desafio, pois as empresas terão que operar sob dois sistemas fiscais ao mesmo tempo, aumentando a complexidade em um primeiro momento.
Para o cidadão, a proposta busca tornar a tributação sobre o consumo mais justa e transparente. A inclusão do imposto no preço final do produto ou serviço será clara, permitindo que o consumidor saiba exatamente o quanto paga em tributos. A cesta básica nacional, com alíquota zero, é uma medida direta para aliviar o bolso da população de baixa renda.
Outra novidade é o “imposto do pecado” ou imposto seletivo, que será cobrado sobre produtos que fazem mal à saúde e ao meio ambiente, como cigarros e bebidas alcoólicas. Embora a medida possa encarecer esses itens, o objetivo é desestimular o consumo e gerar uma receita que poderá ser usada em outras áreas.
A implementação da reforma tributária no Brasil é um processo gradual e plurianual. A jornada começou em 2023 com a aprovação da PEC 45/2019. O ano de 2024 foi crucial para a regulamentação, com a elaboração de leis complementares que detalharão as alíquotas e as regras do novo sistema. A partir de 2025, inicia-se o período de testes, com a cobrança de impostos em alíquotas baixas para adaptar empresas e o sistema fiscal. Em 2027, PIS, Cofins e IPI serão extintos, dando início à transição plena. De 2029 a 2032, as alíquotas de ICMS e ISS serão reduzidas progressivamente, enquanto a cobrança do novo imposto sobre valor agregado (IVA) aumenta. A conclusão da mudança está prevista para 2033, quando o ICMS e o ISS serão extintos e a tributação sobre o consumo no Brasil estará completamente unificada.
A reforma é um passo ambicioso para modernizar a economia brasileira, alinhando-a a padrões internacionais. A jornada, no entanto, será longa e complexa, com um período de transição que exigirá adaptação e diálogo contínuo entre governo, empresas e sociedade. O sucesso da transformação dependerá não apenas da letra da lei, mas de sua aplicação e da capacidade de mitigar os desafios que surgirem. A promessa é de um futuro com menos burocracia e mais previsibilidade, mas a construção desse novo cenário ainda está em andamento.
JÚLIO EDSTRON S. SANTOS
Controlador-Geral do Município de Palmas. Advogado, graduado em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2008), Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília (2014). Doutor em Direito pelo UniCEUB, Membro da comissão de ensino jurídico da OAB/MG. Pesquisador do Centro Universitário de Brasília. Ex-assessor Especial no Tribunal de Contas do Estado do Tocantins. Professor do Curso de Direito da Fbr. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: Terceiro Setor, direitos fundamentais, educação em direitos humanos, cidadania e direito e Seguridade Social. Membro dos grupos de pesquisa Núcleo de Estudos e Pesquisas Avançadas do Terceiro Setor (NEPATS) da UCB/DF, Políticas Públicas e Juspositivismo, Jusmoralismo e Justiça Política do UNICEUB. Editor Executivo da REPATS.
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