Na tarde de 3 de setembro de 2025, às 16h22, o vereador Carlos Enrique Franco Amastha protocolou pedido de impeachment contra o governador Wanderlei Barbosa, com base na decisão do Ministro do STJ Mauro Campbell que afastou o Governador do Tocantins por corrupção. Se Wanderlei Barbosa renunciar agora, estará inelegível até o fim do mandato atual e por mais 8 anos depois, por força direta do artigo 1º, alínea k da Lei Complementar 64/90.
Dispositivo jurídico
O art. 1º, caput, da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei das Inelegibilidades) começa com “São inelegíveis:” e, no inciso I “para qualquer cargo”: em seguida, elenca hipóteses. A que interessa aqui é a alínea k:
“k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura.”
Nesse sentido, se já foi protocolada representação/petição capaz de autorizar a abertura do impeachment, renunciar depois disso gera inelegibilidade automática, não depende de condenação, julgamento final ou ato declaratório prévio. Então significa que não precisa de mais nada para “ativar” essa inelegibilidade, o próprio ato de renunciar, após o protocolo, basta.
Mesmo caso de Mauro Carlesse que é inelegível desde que renunciou
Em 2021, o então governador Mauro Carlesse também foi afastado por decisão do STJ. Houve protocolo de pedido de impeachment. Antes da abertura do processo, mas depois do protocolo, Carlesse renunciou ao cargo e está inelegível desde então. Tendo em vista que a inelegibilidade nesses casos é pelo restante do mandato e mais 8 anos, Carlesse está inelegível até 31 de dezembro de 2030.
Em 2022, Carlesse registrou candidatura ao Senado. A Procuradoria Regional Eleitoral do Tocantins (Ministério Público Eleitoral) impugnou o registro justamente com base na renúncia após o protocolo do impeachment. Não houve decisão sobre o registro porque ele renunciou à candidatura antes do julgamento. Ou seja: não existe “papel” declarando a inelegibilidade, mas a inelegibilidade existe por força automática da lei.
Em síntese, a alínea k produz um estado de inelegibilidade que é verificado no julgamento do registro de candidatura. Até lá, o político pode até constar “quite” eleitoralmente (certidão de quitação eleitoral). Mas, se registrar candidatura, será impugnado com base na renúncia após o protocolo, e o registro tende a ser indeferido.
Aplicação ao caso Wanderlei Barbosa
O pedido de impeachment foi protocolado às 16h22 de 03/09/2025. Se houver renúncia a partir desse protocolo, incide a alínea k do art. 1º, I, da LC 64/1990: inelegibilidade automática pelo remanescente do mandato e por mais 8 anos após o término da legislatura. Ou seja, inelegível até 31 de dezembro de 2034.
Não é necessária decisão judicial prévia para “declarar” essa inelegibilidade. Ela decorre do próprio ato de renunciar depois do protocolo. A verificação prática dessa inelegibilidade ocorre no registro de candidatura: o Ministério Público Eleitoral ou adversários impugnam, e a Justiça Eleitoral indefere o registro se reconhecer presentes os requisitos legais.
Afinal, precisa de abertura ou aceitação do Presidente da ALETO?
Não. A inelegibilidade da alínea k incide a partir do simples oferecimento de “representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo”, não exige despacho de recebimento, nem decisão de Mesa, nem início formal do rito. O próprio texto legal é explícito ao usar “desde o oferecimento”, justamente para impedir a velha manobra de renunciar depois do protocolo e antes da abertura, mantendo direitos políticos. Essa trava foi consolidada pela Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), que alterou a LC 64/1990 para fechar essa brecha. Pois muitos políticos renunciavam e eram eleitos em seguida, sem serem responsabilizados por crimes cometidos durante o mandato.
Em termos práticos, Wanderlei Barbosa só fica inelegível se renunciar após o protocolo. Se não renunciar, não nasce essa inelegibilidade específica. Poderá, contudo, incidir outras hipóteses da LC 64/1990 (por exemplo, decisão de órgão colegiado), a depender dos fatos e decisões futuras do STJ. Ou então, caso haja confirmação do impedimento pela ALETO.
MÁRLON REIS e PAULO MELLO
São advogados eleitoralistas.