O que seria mais poderoso? Aquele que executa e aplica as regras ou o que as cria? Em tese, não há duvidas que em uma democracia consolidada, o poder legislativo é o mais forte, seja pela legitimidade de representar a vontade popular, seja pelo contingente, ou ainda pelo perfil de sua formação diversificada que lhe permite refletir com maior exatidão a face da sociedade.
No Brasil, como sempre, o desvirtuamento dos conceitos básicos na sua formação democrática é uma constante, o jeitinho brasileiro de ser, forja a cada dia um modelo de democracia próprio, distanciando do propósito em que foi concebida. Para melhor compreender a democracia deve-se considerar o processo histórico e evolutivo, pode-se partir no primeiro momento do seu sentido etimológico, a sua terminologia originada do grego demos kratos (poder do povo).
Assim sendo, leva-se a entender que o poder de decidir as relações, o sistema jurídico a ser adotado, a condução política, enfim, a vida de uma sociedade, reside no povo, o povo será a fonte do poder. Nas expressões de Fabre, “O povo é o motor principal do modo de governo”.
Segundo Stuart Mill: “torna-se evidente que o único governo que pode satisfazer, plenamente todas as exigências do Estado social é aquele no qual todo povo participa; que toda a participação, mesmo na menor das funções publicas, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, tão ampla quanto o permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade: e que não se pode, em última instância, aspirar por nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. Mas como, nas comunidades que excedem as proporções de um pequeno vilarejo, é impossível a participação pessoal de todos, a não ser numa parcela muito pequena dos negócios públicos, o tipo de um governo perfeito só pode ser o representativo”
A representação não está reduzida à mera atuação de instituições ou pessoas em nome de outras. Em verdade, incide sobre a representação fatores que instalam características próprias, que elevam este instituto a um grau de complexidade que requer melhor abordagem. Nos dizeres de Pascal: “A pluralidade que não se reduz à unidade é confusão. A unidade que não é resultado da pluralidade é tirania”. Assim, a combinação das vontades sob a direção de regras comuns, em que cada indivíduo reconhece a justiça e a razão, não sendo admitida a imposição violenta.
O poder legislativo, reside na vontade popular materializada por meio das regras de convivência social, por John Locke “ Uma vez que o grande objetivo do ingresso dos homens em sociedade é a fruição da propriedade em paz e segurança, e que o grande instrumento e meio disto são as leis estabelecidas nessa sociedade, a primeira lei positiva e fundamental de todas as comunidades consiste em estabelecer o poder legislativo enquanto primeira lei natural fundamental, que deve reger até mesmo o poder legislativo.” O poder legislativo é por si só, o poder supremo da comunidade, sagrado e inalterável, delegado a um grupo de pessoas (parlamento) que tem por missão precípua exerce-lo com a nobreza que lhe é cabido; assim ninguém tem o poder de fazer leis senão pelo próprio consentimento daquela e pela autoridade dela recebida.
Mas não confundamos o poder legislativo (titular o povo), com a Instituição que o exerce tal poder (Parlamento), enquanto este é o órgão instituído pra criar as regras de uma sociedade, aquele é a autonomia de um povo em cria-las. O que faz do representante legislativo o detentor do maior poder já concebido em uma sociedade.
Retomando a análise do Brasil, a representação Legislativa se dá por meio das Câmaras Municipais (Vereadores) nos municípios, nas Assembleias Legislativas (Deputados Estaduais) nas Unidades da Federação e Congresso Nacional bicameral ( Deputados Federais e Senadores) na União. Retrata-se numa composição mista de pessoas de diversos gêneros, raças, camadas sociais, formação intelectual, religiões e idades, perfazendo um perfil plural, típico e diretamente identificado ao perfil brasileiro.
Por sua vez, o numero de membros (513 Deputados e 81 Senadores) tende a atender certa proporcionalidade visando proporcionar o debate produtivo, conforme o proposto em “O Federalista”, de Hamilton, Madison e Jay, “concordamos que se faz necessário construir um sistema de representação mais adequado à realidade do Estado que a adota, os autores sugerem o número adequado de representantes, proporcional ao de habitantes, pois afirmam que se esse número for demais pequeno poderá ocorrer a “cabala”, nem tão superior que gere “confusão das multidões”, que deve-se “ aperfeiçoar e alargar os pontos de vista da população filtrados através de um selecionado grupo de cidadãos, cujo o saber poderá discernir os verdadeiros interesses de seu país”.
Mas no jeito Brasil de ser, observa-se o Parlamento acuado por decisões da Suprema Corte, não que esta não tenha autoridade constitucional pra revisar e desfazer o efeitos de leis destoadas da Constituição, entretanto, àquele que faz as regras, podendo simplesmente clareá-las, delimitando a margem de interpretação, aquele que autoriza os recursos financeiros dos demais Poderes da Republica tem a oportunidade real de conter os gastos públicos inúteis e exagerados, enfim, aquele que legisla reserva pra si a autoridade e o privilégio de dá o tom das decisões gerais.
Dentre os diversos episódios nos últimos quatro anos, que inauguraram o embate direto da Suprema Corte e o Congresso Nacional, o mais recente diz respeito sobre as Emendas Parlamentares, que por decisão do Ministro Flávio Dino (STF) impediu em certos momentos a efetivação por falta de transparência. Vejo acertada a decisão do ponto de vista da publicidade dos gastos públicos, mas nada além disso, pois no sistema representativo brasileiro, os parlamentares integram Partidos Políticos, que por sua vez, também integram o Poder Executivo, logo, compartilhar a decisão sobre a aplicação do orçamento da União se torna por consequência uma pratica natural, cabe aos que o povo escolheu pra governar, distribuir os recursos para os diversos municípios do Brasil promovendo a democratização do orçamento publico, que não deve ser passível de questionamento, nem mesmo pela Corte Suprema, pois a essa carece de legitimidade e autenticidade para decidir tal questão.
O orçamento público de acordo com a Constituição é atribuição do Poder Executivo com autorização do Congresso Nacional, na verdade é a razão que fundamenta a existência do Poder Executivo, visto assim, admitir que 1 única pessoa (Magistrado) ou até mesmo um grupo de 11 pessoas possam desfazer por completo a decisão de 594 parlamentares ( Deputados e Senadores) é no mínimo ilógico, assim como no dito popular “duas cabeças pensam melhor que uma” em sua medida deveria fazer algum sentido na aplicação ao tema.
Mesmo que provavelmente este texto caminhe na contramão da opinião pública, proponho avaliar que é um grande erro da sociedade depreciar os membros do parlamento, incoerente se torna, escolher algo pra não se utilizar. Inegavelmente é o poder mais sensível e acessível , que devem ser usados como condutores da vontade popular. Falta a população entender o sentido do trabalho legislativo, não reduzi-los a meros patrocinadores de causas individuais. Boas decisões são frutos de bons debates, que só acontecem com a aproximação entre povo e parlamento. Como conhecedor da dinâmica do Parlamento Nacional e, em especial dos representantes do Tocantins, pode-se afirmar a boa qualidade representativa da bancada Tocantinense, não é por acaso que recentemente foi eleito como Vice Presidente do Senado Federal o Senador Eduardo Gomes, que aqui devemos render homenagens.
Não trataremos o tema aqui com hipocrisia, sugerindo que não há falhas e que tudo são flores, mas propõe-se uma reflexão sobre os pontos positivos que, se olhados com a devida atenção , revelam muitas produções a bem da população, pois as ambulâncias e os equipamentos que chegam ao hospitais, as praças, as creches, o asfalto, as casas, as maquinas, os veículos, obras de infraestrutura, iluminação publica em fim, há ações positivas que chegam em redutos quase esquecidos, e que fazem muita diferença na vida das pessoas, é real e tangível.
Por fim, o representantes são o reflexo direto e imediato dos representados, são membros da sociedade escolhidos pra tomar decisões, dessa forma, qualidade dependerá essencialmente dos critérios que a sociedade adota no momento do voto e a sua capacidade de avaliação posterior, não é prudente a critica por critica. A medida acertada é aproximar, acompanhar, sugerir e cobrar, exercendo a efetiva participação popular nas decisões. Fortalecer o parlamento é garantir a evolução positiva da democracia, pois ele é o único poder que pode escutar os anseios populares e caso não o faça, poderá ser revisado e reavaliado a cada 4 anos. Ao povo cabe resistir às ações de força e violência contrário aos seus haveres, buscando evoluir no senso de percepção política, como bem nos alerta Rousseau, “As boas leis contribuem para que se façam outras melhores, e as más, levam a leis piores. Quando alguém disser dos negócios do Estado: Que me importa? – pode-se está certo de que o Estado está perdido”. Interessar-se politicamente é contribuir com a grandeza da nobre função representativa, avaliar o trabalho parlamentar com responsabilidade e respeito é promover a evolução democrática, povo aprimorado é igual a parlamento capacitado.
RAUCIL APARECIDO
É professor universitário e mestre em Direito Constitucional
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