Na manhã do dia 6 de setembro de 2023, em Palmas, por iniciativa da Secretaria da Pesca e Aquicultura (Sepea) e da União Federal, o auditório do Palácio Araguaia ecoava com sotaques de várias bacias hidrográficas e regiões do país. Ali, durante o 1º Encontro Nacional da Pegada de Carbono na Aquicultura, técnicos, produtores e gestores traçavam um novo rumo para o pescado brasileiro. Ao fim dos debates, nasceu a 1ª Carta de Palmas — síntese de um pacto entre ciência, sustentabilidade e ação pública. Foi nesse documento que o Tocantins ancorou sua ambição: construir uma aquicultura de baixo carbono, rastreável, socialmente justa e ambientalmente comprometida com os 18 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Nos dias 7 e 8 de novembro de 2024, o Palácio Araguaia viveu outro marco pela proatividade da Sepea. Representantes das 42 colônias de pescadores, entre elas a combativa Z-10 de Palmas, reuniram-se na 1ª Conferência Estadual da Pesca. Da escuta coletiva emergiu a 2ª Carta de Palmas, que consolidou as pautas históricas dos povos das águas: regularização produtiva, estrutura de beneficiamento, assistência técnica, acesso a mercados institucionais e valorização dos saberes tradicionais. O que era ausência transformou-se em proposta política.
Paralelamente, emergiu a Trilha da Pesca e Aquicultura — programa estruturante da Sepea que consolidou uma governança descentralizada, pactuada com as vocações e demandas locais municipalistas. A partir dela, formou-se uma rede cooperativa robusta, já formalizada com 14 municípios e instituições estratégicas como Embrapa, Ruraltins, Adapec, Senar, Seagro, Sics, Conab, SPU, Marinha do Brasil, IFTO, UFT, ONU/Pnud e outros parceiros do sistema público e comunitário. Essa articulação interinstitucional e municipalista tornou-se o alicerce de uma política efetiva, territorializada e responsiva. E os resultados já são mensuráveis: conforme dados do IBGE de 2025, a produção de pescado no Tocantins cresceu mais de 31% entre 2023 e 2024.
Dessas duas cartas e do Programa Trilha da Piscicultura, portanto, metodologicamente de baixo para cima, nasceu o Projeto de Lei Complementar da Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca e da Aquicultura, que já se encontra sob análise da Casa Civil, com anuência do Governador Wanderlei Barbosa. A proposta estrutura os princípios e instrumentos de ordenamento, fomento, inovação, rastreabilidade e justiça climática para o setor. Reconhece a pesca e a aquicultura como atividades de interesse social, econômico e ambiental, com foco em bioeconomia, inclusão produtiva e valorização cultural. É arrematado pelo necessário incentivo, estruturação e fomento da pesca amadora e do ecoturismo, a partir da criação do nosso circuito estadual de pesca esportiva e de acordos de pesca com a comunidade local pesqueira, que pode se tornar guias turísticos e empreendedores com renda durante todo o ano.
É com base nesse novo marco legal e nesses avanços mensuráveis que se propõe, agora, a instituição do Polo Metropolitano do Pescado Sustentável (POMPS), programa-piloto da Região Metropolitana de Palmas, agora com 31 cidades, após as mudanças legislativas, para aplicar, de forma integrada, os fundamentos da nova política, já tendo sido formulados os dois primeiros projetos.
O Projeto 1 do POMPS prevê a implantação de um frigorífico modular na Vila Agrotins, com capacidade de processar até 10 toneladas por dia, cuja gestão será realizada por meio de arranjos produtivos locais, com participação de diversos segmentos do setor e apoio técnico de instituições públicas e acadêmicas, promovendo inovação contínua e compromisso com a sustentabilidade. A planta utilizará energia solar, biodigestor e tecnologia de reaproveitamento de resíduos, garantindo certificação sanitária, regularização de mercado e acesso direto ao PAA e PNAE — com o objetivo central de colocar o peixe, a proteína mais consumida no mundo, na merenda escolar dos tocantinenses.
Já o Projeto 2 propõe reestruturar três parques aquícolas no Lago de Lajeado — Sucupira, Miracema-Lajeado e Brejinho II — com tanques-rede, equipamentos, plano de manejo escalonado, capacitação e estímulo ao cooperativismo. O objetivo é fomentar a produção contínua e técnica por piscicultores familiares, assegurando renda estável, qualidade sanitária e inserção mercadológica sustentável.
A união entre os dois projetos está justamente na complementaridade operacional: a produção dos parques aquícolas será transportada por terra, rios e lagos até a unidade de beneficiamento na Vila Agrotins. Ali, o pescado será processado com qualidade, agregando valor e garantindo regularidade na oferta — do produtor à mesa do consumidor.
Ambos os projetos se assentam sobre as condições excepcionais da Região Metropolitana de Palmas: abundância hídrica, solos férteis, logística intermodal, rede elétrica estável e mais de 500 mil habitantes. O Tocantins reúne todos os elementos para liderar uma política pública robusta, inclusiva e competitiva no setor aquícola nacional. O que antes era vocação agora se transforma em proposta e ação política por meio da rede de parceiros.
É hora, portanto, de a pesca e a aquicultura, que alcançam cerca de 80 mil pessoas no Estado, saírem dos bastidores e assumirem o palco central do desenvolvimento do Tocantins, que tem o potencial de produção de cerca de 600 mil toneladas de pescado, tornando-se polo nacional, oxalá internacional, da aquicultura continental de água doce.
RODRIGO AYRES
É advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), cursou MBA em gestão estratégica de negócios no Centro Universitário Campo Real, Paraná; possui pós-graduação em Processo Civil também pelo Centro Universitário Campo Real, Paraná, em Direito Penal e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Foi chefe da assessoria jurídica da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Regional e Urbano, secretário executivo da Secretaria Estadual da Administração, secretário executivo da Secretaria da Pesca e Aquicultura. É o atual secretário da Pesca e Aquicultura do Estado do Tocantins.