Nas dilatadas solidões das Serras Gerais, entre dois grandes rios, no sertão geodésico do país, emerge com a Constituição de 1988, o Estado do Tocantins, no território do norte goiano. Com indicadores sociais subsaarianos, o novo estado seria, segundo a avaliação da tecnocracia federal, uma experiência fadada ao fracasso.
Três décadas e meia depois, do último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, o Tocantins apresenta-se na honrosa 13ª posição entre os estados federados, tendo reduzido o analfabetismo de 24% para 7% da população acima de 15 anos. A capital Palmas já recebia, em 2014, o título de cidade livre do analfabetismo, ostentando o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB bem superior a Goiânia, capital do estado de Goiás.
Tocantins, então norte do Goiás, foi desmembrado pelo “mito da necessidade”, atraiu gente de todo o país por intermédio da liderança carismática e pragmática do cearense José Wilson Siqueira Campos. Empreendedor e visionário, Siqueira incorporou uma forma de poder transcendental, um messianismo para produção do território tocantinense.
Construiu a última cidade planejada do milênio, antecipou-se às políticas nacionais de distribuição de renda e de ampliação das oportunidades educacionais com o programa pioneiro mirins; implementou uma robusta infraestrutura de estradas, hospitais e serviços públicos numa região marcada pela fome e pelo subdesenvolvimento.
Com visão estratégica, habilidade política e senso de oportunidade levou a utopia tocantinense a consolidar uma capital moderna, inclusiva e aberta aos grandes desafios da região norte, como fronteira de desenvolvimento e integração dos sertões brasileiros.
Siqueira Campos era um gestor de inteligência rara, leitor das boas literaturas, tinha uma compreensão abrangente da geopolítica brasileira, o que lhe ajudou a enfrentar na medida do possível, a tradição patrimonialista da região, e sustentar a consolidação do Tocantins, num momento de grave crise social e econômica no plano nacional.
Detalhista, dono de um capital cultural abrangente, que dispensa as formas institucionalizadas dos diplomas e cartórios, o intelectual tradicional e contraditoriamente orgânico Siqueira Campos, tinha apurado senso estético e caligrafia impecável.
Apesar do vasto currículo que inclui as suas lutas coletivas como soldado da borracha, vereador de Colinas, deputado federal, fundador e construtor de Palmas, Governador por 4 mandatos e Senador da República, Siqueira dizia que o seu mais destacado cargo teria sido o de “Office-boy” de Luís Carlos Prestes.
Com a visão generosa e messiânica de grandes líderes do porte de Antônio Conselheiro, Cândido Rondon, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, o menino de Crato escreveu uma história de sucesso e de vitórias à semelhança das grandes marchas desenvolvimentistas da humanidade.
Não suportava ver as crianças em situação de risco, dizia que “um país que não alimenta suas crianças não é uma pátria, é uma horda”. Sua visão realista e ao mesmo tempo esperançosa, sobre a sua pátria tocantinense sempre requisitava uma contínua leitura do paraibano Augusto dos Anjos (seu poeta preferido), como no soneto A Esperança:
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença,
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
(Augusto dos Anjos)
Gostava dos repentistas e dos cordelistas, que considerava primazes da literatura brasileira. Cuidou de estabelecer os objetos simbólicos do estado: a bandeira, o brasão e o hino. O Girassol foi instituída como flor do Tocantins, a Granada, pedra símbolo, a Arara Canindé, ave; e a Fava de Bolota, a árvore do estado onde o capim é dourado e o amor é perfeito.
Siqueira produziu território e identidade nos sertões profundos do Brasil, edificou a sua mesopotâmia com energia e motivação dos moços, sem descanso. Perdoou desafetos, prestigiou gente de todo lugar e de todo segmento social, político e econômico. Deixa imensa saudade e uma grande avenida de sonhos e possibilidades. Se pudesse falar conosco neste momento, talvez dissesse na voz do aedo:
“Quando, à noite, o infinito se levanta
A luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos! ”
(Augusto dos Anjos)
E concluiria:
“Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude. ”
(Augusto dos Anjos)
José Wilson Siqueira Campos, construtor do Tocantins e de Palmas,
– Presente!
SEVERIANO COSTANDRADE
É conselheiro do Tribunal de Contas do Tocantins
DANILO DE MELO SOUZA
Foi secretário da Educação do Tocantins, de Palmas e do governo da Bahia. Atualmente é consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
CHRISTINA ROSA DE AGUIAR
É artista plástica