A impenhorabilidade é regra que protege o patrimônio indispensável a subsistência e a dignidade do sujeito de direito, e só se dá de forma expressa no texto legal.
Tal impenhorabilidade não encontra claustro no rol do Código de Processo Civil, e embora só seja admitida mediante expressa previsão legal, tal previsão se dá também de modo esparso na legislação especial.
Com relação a impenhorabilidade dos Proventos de Aposentadoria, frente ao direito ao recebimento de Honorários Sucumbenciais, trataremos de modo extensivo nesse artigo, delimitando seu objeto, e visando lhe traçar um panorama humanitário, condizente com a evolução de nosso direito.
Primeiramente convém que façamos uma breve digressão jurídica, em forma de raciocínio dedutivo.
A Constituição Federal esculpe em seu rol máximo como um dos fundamentos de nossa Democracia a “Dignidade da Pessoa Humana” (Art. 1°, III da CRFB).
Tal dispositivo por sua vez encontra reflexo também no Pacto de San José da Costa Rica, que foi recepcionado por nosso ordenamento jurídico nos termos do Art. 5°, §2° e §3° da CRFB, promulgado pelo Dec. 678/1992, para na Condição de Tratado Internacional sobre Direitos Humanos, passar a integrar nosso ordenamento com valoração supralegal.
Ocorre que a preservação da dignidade da pessoa humana é conceito intimamente ligada a preservação da vida em condições dignas, ou seja, à valorização da vida humana.
Vida essa que é extremamente frágil, quando analisada do ponto de vista de pessoa idosa, que fisicamente e psicologicamente já foi fustigada de todas as formas por anos a fio na luta por sobrevivência e progresso social, e que nesses anos, contribui incansavelmente, assim como todos nós, com a manutenção do Estado.
Nesse sentido, é que dentre as obrigações constitucionalmente impostas se encontra o dever, que a família, a sociedade e o Estado tem de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida (Art. 230 da CRFB).
Elemento indispensável à manutenção da dignidade do idoso, enquanto pessoa humana, revestida de vulnerabilidade, é a aposentadoria.
Entendemos por aposentadoria o ato na qual uma pessoa deixa de trabalhar ativamente para passar a última etapa de sua vida de maneira descansada e livre. A aposentadoria é entendida hoje em dia como um direito de todo trabalhador, uma vez que implica a prevenção social de investir dinheiro para o futuro, ação em que o Estado é responsável (KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. Salvador Bahia: JusPodivm, 2019).
Nessa última etapa de sua vida, referida pela doutrina, o idoso, para sobreviver, tem direito a perceber um valor pecuniário, correspondente proporcionalmente a sua contribuição, com os ditos fundos de aposentadoria específicos.
Tal valor pecuniário é indispensável a sobrevivência do idoso enquanto aposentado, já que o mesmo, ao se aposentar, não apresenta mais, qualquer condição de dedicar-se a alguma atividade laboral.
Dessa forma preenchidos os requisitos legais impostos, o idoso possui o direito constitucionalmente previsto a se aposentar.
Tal aposentadoria se constitui em uma garantia fundamental à manutenção da subsistência do idoso, com qualidade de vida digna, e possui ainda, natureza alimentar indispensável a manutenção da subsistência.
Desta feita, é que para assegurar a sobrevivência do idoso, em conceito latu sensu ampliando a proteção constitucionalmente prevista, se considera que o mesmo tem direito ainda a uma vida digna dotada do mesmo conforto que possuía, quando ainda laborava regularmente, mantendo por obvio a mesma dignidade.
Visando resguardar o direito fundamental à vida digna do idoso, é que o Código de Processo Civil, dispõe muito claramente, e de modo imperativo acerca da impenhorabilidade de seus proventos de aposentadoria (Art. 833, §2° do CPC).
Essa regra encontra uma única exceção, que permite a penhora de tais valores, única e exclusivamente para o pagamento de prestação alimentícia.
Esse tipo de prestação é a devida pelos Pais e na falta ou incapacidade desses pelos Avos aos netos e filhos, ou a devida pelo ex-cônjuge em caso de divórcio a seu companheiro que se colocou fora do mercado de trabalho, ou incapacitado para o mesmo.
Ou ainda em caso de dano material que incapacite para o trabalho terceiro, também serão devidos alimentos nessa forma, pelo autor do dano à vítima.
Todos os exemplos citados acima versam sobre pagamento de alimentos a sujeitos de direito que são absolutamente privados de condições de prouver o próprio sustento, e em condições de extrema vulnerabilidade. Tal que podemos reconhecer que sua condição de fragilidade em tese se igualaria a do idoso.
E mesmo assim, nos casos onde se aplica essa exceção, tal penhora estaria restrita a um limite extremamente restritivo, tal que em suma não trouxesse ameaça as condições de vida digna e sobrevivência do aposentado.
Com base nisso vamos esclarecer uma confusão que vem se manifestando em nosso ordenamento jurídico com relação à regra prevista no 22 da Lei 8.906/1994, onde consta claramente que os honorários advocatícios possuem natureza alimentar.
Pois bem, destaque-se que natureza alimentar, não se confunde com natureza de prestação alimentícia.
A diferença é simples, a natureza alimentar comprova que os valores honorários são destinados ao sustento e progresso social do Advogado, porém ao contrário da prestação alimentícia, não se destinam manutenção da vida de sujeito de direito que seja incapaz de prouver o próprio sustento, tampouco que se encontra em estado de extrema vulnerabilidade, quiçá quando se trata de honorários sucumbenciais.
A excepcionalidade prevista no Art. 833, §2° do Código de Processo Civil, não se aplica aos honorários Advocatícios, nem convencionais, tampouco sucumbenciais, já que esse tipo de interpretação distorcida, contrariaria o próprio texto constitucional e é inadequada a nosso ordenamento jurídico.
Nas altas cortes do Superior Tribunal de Justiça, o tema também merece destaque, e é alvo de debates nos autos do REsp 1.815.055.
A própria Ministra Nancy Andrighi, acredita que há “uma imprecisão na definição das expressões ‘verba de natureza alimentar’ e ‘prestações alimentícias’”. De acordo com a ministra, os honorários advocatícios são verba de natureza alimentar, mas não prestação alimentícia, e por isso não há possibilidade de penhora (REsp 1.815.055).
A pacificação de tal questão, esperamos, se orientará pelos princípios máximos da interpretação social do direito, e preservará, ao final o direito fundamental e inquestionável a dignidade da pessoa humana, com reflexo na impenhorabilidade dos proventos de aposentadoria do idoso, como forma que lhe assegura o direito à vida digna.
Pois permitir-se a violação das regras que resguarda os proventos de aposentadoria, é condenar uma sentença de morte, àqueles que a própria Constituição Federal, nos deu o dever zelar e cuidar.
____________________________________
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; Advogado com escritório especializado em Direito Eleitoral e Recursos nos Tribunais Superiores; Membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio-ABA; Membro Consultor da Comissão de Relações Agrárias-OAB/TO
Especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF;
Contato Acadêmico: costaneto.jus.adv@gmail.com