O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou nesta terça-feira, 18, a forma como o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, tem conduzido as políticas da instituição. Em entrevista à Rádio CBN, ele disse que a aproximação do presidente do banco com a oposição levanta suspeitas, chegando a admitir que, provavelmente, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, exerça influência maior no BC do que o próprio governo.
“Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil neste instante. É o comportamento do Banco Central. Temos um presidente do BC que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia e que tem um claro lado político. Na minha opinião, ele trabalha muito mais para prejudicar do que para ajudar o país”, afirmou o presidente.
Lula afirmou que é um dos chefes de Estado com mais experiência em toda a história do país. E citou sua escolha pelo economista Henrique Meirelles, que esteve à frente do BC de 2003 a 2011. “Eu duvido que esse Roberto Campos tenha mais autonomia do que tinha o Meirelles”, afirmou o presidente, ao criticar a aproximação de Campos com o governador de São Paulo.
“Sinceramente, acho que o Tarcísio de Freitas tem mais influência [com o Roberto Campos] do que eu”, disse Lula ao se referir ao pedido do presidente do BC para integrar a equipe econômica do governador de São Paulo durante evento na capital paulista.
“Não é que ele se encontrou com Tarcísio numa festa. A festa foi do Tarcísio para ele [Roberto Campos]. Foi uma homenagem que o governo de São Paulo fez para ele. Certamente porque o governador está achando maravilhosa a taxa de juro em 10,5%”, completou.
Segundo ele, não há nenhuma explicação que justifique a taxa de juro atual, e isso é percebido até mesmo por autoridades estrangeiras, inclusive financeiras. “Tenho viajado o mundo e tenho conversado com muitos presidentes. Recebi presidentes do FMI [Fundo Monetário Internacional]; de bancos asiáticos; do Citibank; do Santander. Todos os bancos demonstram que não há país com mais otimismo do que o Brasil. Prova disso é que fomos o segundo país a receber mais investimento externo”.
“Portanto, temos uma situação que não necessita desta taxa de juros. O Brasil não pode continuar com essa taxa proibitiva de investimento no setor produtivo. Precisamos baixá-la para um nível compatível com a inflação, que está totalmente controlada. Só que agora ficam inventando o discurso de inflação do futuro. Vamos trabalhar em cima do que é real”.
Para o presidente, juros altos não condizem com o contexto de baixa inflação, promovidos por um Banco Central que deveria ser autônomo, mas sofre interferências políticas da oposição.
Taxações e desonerações
Lula também apontou o que chamou de contradições que retratam o cenário atual do país. Ele disse que os que hoje criticam gastos do governo são os mesmos que defenderam desonerações de setores com altos lucros.Na entrevista, Lula afirmou que legisladores se mobilizam para taxar pequenas importações, geralmente feitas por pobres, sem cogitar fazer o mesmo com os ricos. Sua fala foi uma referência à proposta de taxação, aprovada recentemente no Congresso, de compras de até US$ 50 feitas pela internet, e a não taxação de compras de até US$ 2 mil de quem viaja para o exterior.
“O que está acontecendo hoje é que as mesmas pessoas que falam que é preciso parar de gastar são as que têm R$ 546 bilhões de isenções e de exoneração de folha de pagamento. Ou seja, são os ricos que se apoderam de uma parte do orçamento do país e se queixam daquilo que você está gastando com o povo pobre”, observou.
O presidente se disse disposto a discutir “de forma séria” o orçamento com parlamentares, empresários, banqueiros e com a imprensa, mas garantiu que a solução não será “em cima das pessoas mais humildes deste país”.
“Acabamos de aprovar uma desoneração para 17 setores da indústria brasileira, e qual foi a contrapartida deles para o trabalhador? Qual é a estabilidade no emprego que eles garantiram? Qual foi o aumento do salário que asseguraram? Nenhum. Tudo foi apenas para isentar da carga fiscal. Não teve nenhum compromisso com o povo trabalhador. O compromisso que se teve foi apenas o de aumentar o lucro”, argumentou o presidente.
Ele lembrou que a Previdência Social é destino de quase R$ 1 trilhão, valor que ficará ainda maior com as novas aposentadorias. “Mas o que, de fato, é muito é você ter quase R$ 600 bilhões em isenções e desonerações”, acrescentou.
Lula afirmou que, nas conversas que vem tendo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou-se à conclusão de que caberá aos empresários beneficiados e ao Senado a busca por uma solução. “Já há uma decisão da suprema corte, de que, daqui a uns dias, a desoneração vai cair e vai morrer. Aí não vai existir mais e a única possibilidade será a de se chegar a um acordo. Portanto, se não tiver a proposta, cai a desoneração. Espero que eles sejam maduros o suficiente e cheguem a um acordo”, completou.
Reeleição
Perguntado sobre uma possível candidatura à reeleição, Lula disse que, por enquanto, não quer discutir o assunto, uma vez que cumpriu menos da metade do mandato e que há “muita gente boa” para se candidatar ao cargo.
Ele, no entanto, acenou com a possibilidade, caso seja a única alternativa “para evitar que os trogloditas que governaram esse país voltem governar”, mas que esta não é a primeira hipótese.
“Vamos ter que pensar muito porque tenho responsabilidade para com o Brasil. O fato é que não vou permitir que esse país volte a ser governado por um fascista negacionista”.
Decide nesta quarta
Com a possibilidade de divisão entre os membros, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decide nesta quarta-feira, 19, se corta ou mantém a taxa básica de juros, a Selic. A recente alta do dólar e da inflação e os juros altos nos Estados Unidos trouxeram a indefinição se o colegiado encerrará o ciclo de cortes, que começou em agosto do ano passado, ou se fará uma última redução de 0,25 ponto percentual.
Nos comunicados da última reunião, em maio, o Copom deixou de informar o que faria nos encontros seguintes. Segundo a edição mais recente do boletim Focus, pesquisa semanal com analistas de mercado, a taxa básica deve continuar em 10,5% ao ano até o fim de 2024. Há um mês, a estimativa era de que a Selic encerrasse o ano em 10%.
Nesta quarta-feira, ao fim do dia, o Copom anunciará a decisão. Nas últimas sete reuniões, a autoridade monetária reduziu a Taxa Selic, com seis cortes de 0,5 ponto e um corte de 0,25 ponto, na última reunião, em maio.
Inflação
Na ata da reunião mais recente, o Copom informou que via alta nas expectativas de inflação. O documento informou que a divisão entre os diretores do Banco Central não se deveu a motivações políticas, mas sobre o comprometimento com as indicações das reuniões anteriores. Até março, o BC indicava que pretendia cortar a Selic em 0,5 ponto percentual em maio.
Na última reunião, os diretores Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Otávio Ribeiro Damaso e Renato Dias de Brito Gomes, indicados pelo governo anterior, votaram por uma redução de 0,25 ponto percentual. Votaram por uma redução de 0,50 ponto percentual os seguintes membros: Ailton de Aquino Santos, Gabriel Muricca Galípolo, Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira, indicados pelo atual governo. Coube ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, também indicado pelo governo anterior, desempatar a votação e decidir pelo corte de 0,25 ponto.
Segundo o último boletim Focus, pesquisa semanal com instituições financeiras feita pelo BC, a estimativa de inflação para 2024 subiu bastante, de 3,8% há quatro semanas para 3,96%. Isso representa inflação cada vez mais próxima do teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 3% para este ano, podendo chegar a 4,5% por causa do intervalo de tolerância de 1,5 ponto.
Em maio, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial, subiu para 0,46%. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os alimentos puxaram o indicador após as enchentes no Rio Grande do Sul. Com o resultado, o indicador acumula alta de 3,93% em 12 meses, dentro da meta para 2024.