Caro deputado Ricardo Ayres,
Mais uma vez escrevo a você, mas desta vez não para concordar, mas para discordar de parte do que disse no material distribuído à imprensa nessa quarta-feira. Especificamente no ponto em que afirmou que “emendas parlamentares são instrumentos legítimos do Congresso Nacional para descentralizar recursos e atender demandas locais”. A descentralização desses recursos deveria ser feita, sim, mas por mecanismo republicano, e as emendas parlamentares não têm nada de republicanas.
Muito menos são instrumentos legítimos do Congresso. Parlamentos têm legitimidade para fazer leis e fiscalizar o Executivo. Qualquer coisa que extrapole a essas duas prerrogativas é invasão de competência alheia. As emendas parlamentares foram artificialmente criadas nos anos 1970 pela ditadura para cooptar parlamentares. Após a redemocratização manteve o mesmo objetivo e nos anos mais recentes se tornaram um monstro que enfraqueceu o Executivo, que passou a viver de joelhos diante do Legislativo, num jogo de chantagem explícita, do tipo “ou dá, ou desce”.
Claro que os municípios precisariam manter os investimentos que hoje têm recebido via emendas, mas de uma forma que não tornassem os prefeitos reféns de uma causa meramente eleitoreira, fim último desse expediente antirrepublicano. Nos últimos anos vimos gestores municipais sendo obrigados a se filiar a partido de parlamentar para assegurar recursos de emenda e serem coagidos a atuar como cabos eleitorais nas campanhas dos congressistas para não perderem obras. O que tem de republicano ou democrático nisso? Absolutamente nada.
É um absurdo ver recursos do contribuinte sendo utilizados casuisticamente, personalisticamente, quando o princípio basilar aí deveria ser o da impessoalidade.
Além disso, deputado, as obras que chegam aos municípios tinham que ser resultado de estudos profundos, de um planejamento estratégico nacional, um investimento altamente planificado para não haver desperdício de recursos. Com as emendas, nada disso ocorre, e as obras chegam ao sabor dos interesses eleitoreiros e outros piores, a despeito da verdadeira demanda, primeiro, do país e, depois, da localidade.
Claro, Ricardo, que não tenho nenhuma expectativa de ver o Congresso extinguir esse expediente, insisto, antirrepublicano e anti-democrático — até porque sufoca a oxigenação política, o que impede a tão necessária renovação da nossa liderança. Afinal, essas emendas se tornaram um fim em si mesmo da atividade parlamentar.
Na sua mais absoluta maioria, os congressistas não estão preocupados em discutir grandes projetos nacionais, apresentar propostas que mudem a vida dos brasileiros. Nas grandes matérias, todo ato parlamentar, praticamente, só ocorre se houver liberação de dinheiro de emenda. Estamos assistindo isso neste exato momento com o pacote de cortes de gastos do governo federal.
Deputado, o país deve agradecer ao STF por colocar freio na utilização das emendas parlamentares. Ainda mais porque tem o agravante das emendas PIX, enviadas sem qualquer projeto, autor ou obra específica.
Por fim, Ricardo, o que coloca em risco o equilíbrio entre Poderes não é essa interferência benéfica do STF, mas o inescrupuloso avanço do Congresso sobre prerrogativas do Executivo e para tentar minar a capacidade do Judiciário de reagir aos abusos do Parlamento.
Saudações democráticas,
CT