Caro vereador Ygor Cortez,
Soube que novamente você está sendo denunciado por falas consideradas agressivas à comunidade LGBTQIA+. Respeitosamente, vereador, estamos num mundo de muito ódio, injustiças e desigualdades. Enfim, nossa sociedade não tem sido um bom lugar para se viver, o que me leva a replicar a célebre frase do saudoso José Saramago: “Não sou pessimista, o mundo que é péssimo”. Justamente por isso, a grande missão de líderes comunitários como você — uma vez que o vereador é o mandatário mais próximo do povo — é contribuir de maneira decisiva para o distensionamento social, para que possamos construir um espaço público menos tóxico, de convivência harmoniosa entre todos os setores, de forma que os mais diversos grupos possam ter seus direitos respeitados, assegurados e até ampliados.
Esse tipo de postura que busca alijar parte da sociedade — sim, os LGBTQIA+ são parte dela –, estimular o preconceito, retirar seus poucos direitos e impedir conquistas mínimas não é algo exclusivo seu. Infelizmente, temos visto esse comportamento em muitas câmaras pelo Estado e por Parlamentos diversos Brasil afora, inclusive, no Congresso Nacional. Caro Ygor, ao invés de buscar o apoio popular jogando a maioria dominante contra minorias totalmente desassistidas e tradicionalmente marginalizadas, por que não conquistar o respeito de toda a sociedade — inclusive dessa comunidade alvo de tantas agressões — por discursos e ações de inclusão, amor e tolerância?
Existe um homem, vereador, que agiu justamente ao contrário de você no tempo dele. Naquela época havia um publicano, coletor de impostos nas províncias do Império Romano e, por isso, odiado pelos judeus. O bom homem o convocou para segui-lo, servi-lo e continuar seus ensinos quando não estivesse mais em peregrinação por aqui. Aquele povo de coração endurecido, como a nossa sociedade ainda hoje, era misógino. Certa feita, cercaram uma mulher acusada de adultério e quiseram apedrejá-la. Calmamente, o bom homem pediu para quem não tivesse nenhum pecado atirar a primeira pedra, acocorou-se e passou a riscar o chão. Todos foram embora porque se deram de cara com a própria hipocrisia.
Em mais uma ocasião, esse homem contou a parábola do bom samaritano, uma minoria odiada pelos judeus, ao ser questionado sobre quem era o próximo que se deveria amar. Alguém foi alvo de assaltantes e ficou no chão todo machucado. Passaram dois religiosos e o ignoraram, então, veio o samaritano odiado por todos, acolheu a vítima, tratou-a e hospedou-a, pagando todas as despesas. Aí o bom homem encerrou a parábola e questionou: “Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” Foi respondido: “Aquele que teve misericórdia dele”. O bom mestre, assim, concluiu o ensino: “Vá e faça o mesmo”. Ele colocou o representante de uma minoria como exemplo a ser seguido. Não interessa se o próximo é branco, preto, mulher, homem, homo ou hereto, trans ou cis. “Vá e faça o mesmo”. Inclua-o na sociedade, garanta-lhe políticas públicas, respeite-o mesmo sendo diferente de você, isso é o que o significa o “vá e faça o mesmo” de mais de 2 mil anos atrás.
Esse homem, vereador, que prega amor ao próximo e contra o preconceito, é Jesus, a quem vocês dizem seguir. Me perdoe Ygor, mas a sua postura e a de outros é a mesma de Saulo antes de ser Paulo: pregam o ódio em nome de Deus, e um Deus que é amor. Pense, amigo, que, como Saulo, vocês podem uma hora encontrá-Lo num “caminho de Damasco” e, quando incrédulos perguntarem a ele: “Quem és, Senhor?”, vão ouvir a resposta que os envergonhará: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues”.
Lembrando também do que disse o Cristo sobre minorias diversas: “Então dirá aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos; porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes. Então eles também lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te servimos? Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim” (Mt 25:41-44).
Essa, vereador, é a essência do Evangelho que vocês dizem na tribuna seguir. O resto é o mesmo comportamento dos fariseus que levaram Jesus à cruz. Como ocorreu com Saulo, espero que, ao encontrar o Senhor no seu “caminho de Damasco”, aqueles que disseminam o ódio às minorias possam ter o coração verdadeiramente convertido.
Saudações democráticas,
CT