A reclamação do presidente Jair Bolsonaro de que a Câmara trabalha para torná-lo a “rainha da Inglaterra” — a que reina mas não governa — tem sentido. A base da insatisfação do presidente é a aprovação do projeto de lei que torna a indicação de integrantes de agências reguladoras privativa do Parlamento. Essa deturpação dos papéis dos congressistas é muito perigosa para a democracia e fruto da total inaptidão de Bolsonaro para governar.
[bs-quote quote=”Os congressistas sentiram que Bolsonaro não consegue unificar nem o próprio partido, quanto mais sua base de sustentação, se é que existe. A tendência agora é colocar cada vez mais o Executivo de joelhos, nas mãos do Parlamento, aproveitando-se dessa fragilidade” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
O presidente vem de uma sequência de derrotas no Congresso que mostra que sua articulação junto ao Parlamento deixa muito a desejar. Os bolsonaristas apaixonados da rede “antissocial” atribuem o fracasso legislativo do Palácio do Planalto ao fato de Bolsonaro rejeitar a política do “é dando que se recebe” que sempre prevaleceu com o Executivo.
O Congresso não é um templo sagrado, nem os parlamentares são anjos. No entanto, a grande verdade é que falta habilidade ao presidente para se relacionar com Câmara e Senado. Seja por falta de unidade de sua base, e até do próprio partido, seja pelas declarações e atos inconsequentes do presidente e de seus filhos, adeptos de tudo quanto é teoria da conspiração.
O próprio governo admite indiretamente que falha na articulação ao tirar poderes para isso de quem era responsável por ela até agora, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e passar para o futuro ministro da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos.
Assim, um presidente fraco diante do Congresso é o que gerou as medidas da Câmara para inflar a própria musculatura. Além desse projeto que cheira indecência — Bolsonaro tem razão ao sugerir que negociatas serão realizadas de todas as formas com parlamentares indicando integrantes de órgãos reguladores —, existe também o que torna impositivas as emendas de bancada.
Como os congressistas sentiram que Bolsonaro não consegue unificar nem o próprio partido, quanto mais sua base de sustentação, se é que existe, a tendência agora é colocarem cada vez mais o Executivo de joelhos, nas mãos do Parlamento, aproveitando-se dessa fragilidade.
Isso é muito grave. Desrespeita os milhões de brasileiros que votaram em Bolsonaro e fragiliza ainda mais nossa combalida democracia. Agora, o maior responsável por isso é o próprio presidente da República, que tem se mostrado um líder fraco, refém dos caprichos dos filhos, os maiores opositores de seu governo, gerando crise após crise.
Bolsonaro precisa assumir de fato o comando de sua gestão, calar os filhos e repensar a articulação com o Congresso, inovando — como prometeu em campanha — com uma política republicana que substitua a do “é dando que se recebe” — admito uma aguçada curiosidade para saber como ele conseguirá isso —, ou corre sério risco de realmente ser a própria rainha Elizabeth.
Com a diferença: ao invés de reinar por décadas, sequer terminará os quatro anos deste mandato.
CT, Palmas, 24 de junho de 2019.