Nas eleições de 2006, como tudo no Tocantins rotulado de siqueirista ou marcelista, um dos maiores descontentamentos dos aliados do então governador Marcelo Miranda (MDB) era com o Tribunal de Contas do Estado (TCE), que proferia sequentes decisões contrárias ao Palácio Araguaia. Para frear os conselheiros, que os marcelistas diziam estar a serviço do ex-governador Siqueira Campos, a Assembleia teve a ideia de apresentar emenda à Constituição Estadual que modificou a competência do órgão tido como detrator do marcelismo.
Na prática, a emenda retirou o poder do TCE para sustar simples licitações irregulares e eventuais dispensas ou inexigibilidades de licitação ilegal. Essas decisões teriam que ser submetidas aos deputados. Mas não foi só isso. No Tribunal de Justiça, o Palácio conseguiu uma liminar que amordaçou o TCE, impedindo-o de divulgar suas decisões à imprensa e no próprio site do órgão.
[bs-quote quote=”No entanto, do ponto de vista político, pode submeter a avaliação técnica da Corte a jugos político-partidários, uma queda de braço em que o perdedor pode ser sempre o contribuinte” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Foi uma época de muito fanatismo político-partidário, de uma eleição raivosa, em que o estava em jogo era a hegemonia do grupo que instalou o Estado após sua criação em 1988, a finada União do Tocantins, e o medo de seus adversários do siqueirismo voltar forte como nunca e se vingar dos que o “traiu”.
A normalidade constitucional só veio em meados de 2007, quando a ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu uma chacoalhada na Assembleia e até no Ministério Público Estadual, cuja assessora especial da procuradora-geral tinha emitido parecer favorável à mordaça, e colocou as coisas nos devidos lugares. A corte maior do Judiciário brasileiro, então, tirou a censura ao TCE e anulou esses dispositivos claramente absurdos. A decisão da ministra foi confirmada pelo plenário do STF em 2014.
Superada essa crise institucional e eleitoral histórica, apareceu agora essa nova ação da Assembleia claramente de enquadramento do TCE. O deputado estadual José Roberto (PT) apresentou outra emenda constitucional para que a Assembleia julgue as contas do órgão auxiliar do Legislativo. Segundo ele, o TCE “não submete suas contas a controle externo” e isso é “caso único da administração, destoante do preconizado no parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal”.
O argumento é muito bom. Afinal, se é verdade, nenhum órgão da administração pública deve ficar sem controle externo. Quando o CT postou a matéria na noite dessa terça-feira, 4, a reação dos políticos foi imediata. Aplausos geral à medida por parte, sobretudo, de prefeitos e ex-prefeitos, que sempre têm o TCE como a mosca de sua sopa.
Administrativamente, a ideia é que, anualmente, a Corte submeta suas contas ao Legislativo, e os deputados podem aprová-las ou rejeitá-las, o que, no último caso, levará constrangimento imenso aos conselheiros e também a consequências legais. Sob o aspecto do controle de contas, numa época de profunda crise e num momento em que o TCE está desenquadrado em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal (seu teto de gasto com pessoal é 1,23% e está em 1,31%), a emenda parece ser uma boa ideia.
No entanto, do ponto de vista político, pode submeter a avaliação técnica da Corte a jugos político-partidários, uma queda de braço em que o perdedor pode ser sempre o contribuinte. A principal relação dos deputados é com sua base de sustentação nos municípios, representada pelos prefeitos. O que ocorrerá quando um chefe de Executivo municipal receber um auditor e for constatada grave irregularidade em suas contas? O aliado correrá rapidamente ao parlamentar, que, no forte espírito de corpo que marca as relações na AL, poderá mirar um míssel para o TCE. Ou alivia ou reprovamos suas contas no final do ano, dirão ainda que por eufemismos e diversas vias indiretas.
Muitos prefeitos reclamam de supostos abusos que seriam cometidos pela Corte e auditores. Se isso realmente ocorre e se a proposta da AL é criar um instrumento para combater essa prática, o caminho tomado com esta emenda constitucional não é o mais adequado. Precisariam estudar outro remédio que inibisse abusos, mas que não colocasse o TCE sob o crivo do julgamento meramente político toda vez que um prefeito aliado se visse às turras com uma fiscalização.
A busca por equilíbrio nesse relacionamento é importante e saudável. Só não é possível afetar a avaliação técnica das gestões municipais, o que vai gerar maior rombo fiscal e prejuízos de milhões de reais aos pobres contribuintes.
CT, Palmas, 5 de dezembro de 2018.