O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou nessa quarta-feira, 5, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 270/16, do Senado, que permite aos municípios receberem transferências voluntárias, obterem garantia direta ou indireta de outro ente e contratarem operações de crédito mesmo se não reduzirem despesas com pessoal que estejam acima do limite. A matéria, aprovada por 300 votos a 46, será enviada à sanção presidencial. “Um golpe traiçoeiro na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)”, diz o jornalista Helio Gurovitz, especializado em economia.
Essa exceção será possível para os municípios cuja receita real tenha queda maior que 10%, em comparação com o mesmo quadrimestre do ano anterior, devido à diminuição das transferências recebidas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) decorrente de concessão de isenções tributárias pela União e devido à diminuição das receitas recebidas de royalties e participações especiais.
Outra condição imposta pelo projeto é que a despesa total com pessoal do quadrimestre em que o município precisar usar essa regra não ultrapasse o limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – Lei Complementar 101/00) para esse ente federado: 60% da receita corrente líquida.
Entretanto, a receita corrente líquida a ser utilizada para este cálculo é a do quadrimestre correspondente do ano anterior, atualizada monetariamente. Por isso, a necessidade da lei.
Por exemplo, se um município precisar recorrer à regra no mês de abril de um ano para continuar a receber as transferências, ele usará a receita corrente líquida apurada de janeiro a abril do ano anterior, atualizada monetariamente, para aplicar os 60% do limite de despesas com pessoal.
Com redução drástica de receita do FPM ou de royalties de um quadrimestre para outro correspondente do ano seguinte, a receita do ano anterior é comparativamente maior que a do ano em que ocorreria a redução dos repasses pelas regras atuais.
Reduções legais
A regra de proibição de transferências voluntárias (aquelas sem determinação legal ou constitucional específica), de realizar operações de crédito ou de contar com garantia está na LRF.
Essa regra deve ser aplicada quando o ente federado não conseguir reduzir as despesas com pessoal que ultrapassaram o limite de 60% da receita corrente líquida. Para essa redução, o governante tem os dois quadrimestres seguintes àquele em que foi apurada a superação do limite para tomar providências que reduzam essas despesas, tais como corte de cargos em comissão e funções de confiança e exoneração dos servidores não estáveis.
Vigência
Se for sancionado o projeto, a lei entrará em vigor com efeitos apenas para o exercício financeiro subsequente.
Golpe traiçoeiro
O jornalista Helio Gurovitz, especialista em economia e que escreve para G1, Estadão e revista Época, classificou em artigo a medida como “um golpe traiçoeiro na Lei de Responsabilidade Fiscal”. Isso porque, segundo ele, o texto, aprovado “numa manobra sorrateira”, livra de punição os prefeitos que gastarem mais de 60% das receitas com funcionários e aposentadorias, caso a arrecadação caia mais de 10% em virtude de redução nos repasses do FPM, royalties e outras receitas especiais. “À primeira vista, o argumento dos legisladores parece sensato, pois em tese os prefeitos não têm responsabilidade alguma por tais receitas, portanto não haveria justificativa moral para a punição. Tal argumento, contudo, é falacioso”, diz o jornalista.
Ele defende que, para preservar a saúde fiscal, “o correto não é permitir a gastança”, mas fornecer às prefeituras meios mais eficazes para o corte de despesas, como autorizar demissão de funcionários, reduções no pagamento de aposentadorias e pensões, nas mordomias, entre outros. “Derrubar o limite para despesas é exatamente o contrário do que deve ser feito caso caiam as receitas. Amplia o déficit público e incentiva as prefeituras a ter menos cuidado para não aumentar gastos”, afirma Gurovitz.
O jornalista explica que, desde a Constituição de 1988, surgiram 1.190 novos municípios, mais de um quinto do total de 5.568 atuais. “Parte deles se justifica, mas uma fração considerável serve apenas para dirigir os recursos da União à burocracia municipal, com seus vereadores, assessores, carros oficiais, planos de aposentadoria e assim por diante”, critica.
Gurovitz mostra números da última análise publicada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), com dados de 2016, que diz que 86% dos municípios brasileiros estão em situação fiscal crítica pelo alto comprometimento do Orçamento com gastos obrigatórios, em especial as despesas com pessoal.
“Apenas 136 municípios em todo o país, diz a Firjan, arrecadaram mais de 40% de suas receitas com tributos municipais. Quase 82% da amostra (3.714 municípios) não geraram nem mesmo 20% das receitas em 2016. Dependem, sobretudo, dos repasses do governo federal para sustentar a máquina pública”, pontua o jornalista. (Com informações da Câmara dos Deputados)