Com plenarinho lotado por auditores fiscais, médicos, delegados e coronéis, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) da Assembleia Legislativa do Tocantins rejeitou o parecer do deputado estadual Ricardo Ayres (PSB), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto do funcionalismo público. A matéria visa limitar a remuneração dos servidores do Executivo estadual ao subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO). Na prática, a PEC quer elevar o teto dos atuais R$ 24 mil para R$ 30.471,11 e o pessebista se manifestou pelo arquivamento da mesma.
Antes da votação, Ayres concedeu coletiva à imprensa falando do motivo que o levou a rejeitar a proposta, que se aprovada em Plenário irá beneficiar de imediato 1.024 servidores de quatro categorias. Segundo ele, o incremento mensal disso na folha de pessoal será de R$ 3,7 milhões, por mês, e cerca de R$ 50 milhões, por ano. Já o impacto no orçamento, afirma Ayres, será de 1,19%.
“Julgo essa proposta inoportuna e não condizente com nossa realidade, visto que o Estado do Tocantins deve quase R$ 500 milhões aos servidores, ainda não conseguiu cumprir a data-base de 2017, os retroativos da data-base de 2105 e 2016 e algumas progressões do quadro da Educação e da Saúde. Caso o Estado concedesse esse aumento seriam gastos 3 milhões e 700 mil reais para atender mil servidores. Com esse valor, a gente conseguiria atender 8 mil servidores do quadro da saúde e educação que têm seus direitos e não receberam”, argumentou o relator.
– Confira a íntegra do parecer de Ricardo Ayres.
Durante a entrevista, o deputado reconheceu que as categorias impossibilitadas de receberem a data-base por já terem alcançado o teto, que é o do vencimento do governador – R$ 24 mil – sofrem com a chamada “defasagem salarial”. Por outro lado, Ayres mencionou que alguns desses servidores tem acréscimos a título de indenização, enquanto que outras categorias possuem salário inferior e ainda não receberam direitos de 2015.
“Se a gente for comparar, um não tem acréscimo porque já ganha o teto, o outro não tem acréscimo mesmo tendo direito, porque o Estado entrou num estado de insolvência. A defasagem é muito mais perniciosa para os servidores do quadro da Educação e da Saúde que ganha pouco, tem direito a progressão e data-base, mas o Estado não paga”, analisou o parlamentar.
Apesar de considerar a difícil situação financeira do Estado como um dos motivos que o levaram a rejeitar a proposta, Ayres revelou que mesmo se a conjuntura fosse favorável, não votaria pela aprovação da PEC. Segundo ele, o Tocantins tem outras “prioridades”. “Nós temos situações muito mais urgentes para enfrentar e não é justo a gente submeter a nossa população a mais essa dificuldade”, justificou.
Discussão acirrada
Durante a sessão, os servidores que lotaram o plenarinho da AL se manifestaram com aplausos e vaias, conforme posicionamentos favoráveis ou contrários à Proposta de Emenda à Constituição. Em alguns momentos o clima chegou a ficar tenso e os seguranças da Casa e parlamentares tiveram que pedir para o funcionalismo acalmar os ânimos.
A CCJ é composta por cinco membros, mas apenas três parlamentares – Ricardo Ayres, Rocha Miranda (MDB) e Valderez Castelo Branco (PP) estavam presentes na sessão. Apesar de não fazerem parte da comissão, os deputados Valdemar Júnior (MDB), Elenil da Penha (MDB), Paulo Mourão (PT) e Nilton Franco (MDB), autor da PEC, também debateram a matéria.
O primeiro deputado a votar o parecer de Ayres foi o emedebista Rocha Miranda. Ele se manifestou contra o documento do deputado pessebista afirmando não vislumbrar irresponsabilidade fiscal e administrativa na PEC. “Se fosse tanta irresponsabilidade essa mesma proposta do deputado Nilton Franco não estaria em vigência em 21 Estados brasileiros”, considerou.
Valderez Castelo Branco também apoiou a matéria e rejeitou o parecer do relator. Para ela, apesar da crise, os servidores não podem ser penalizados. “O dinheiro que eles estão devolvendo poderia pagar a faculdade de um filho. O Estado passa por dificuldade porque o país passa por dificuldade. Vocês não podem ser prejudicados”, disse. “Essa comissão julga a constitucionalidade da matéria e no entendimento da Procuradoria da Casa ela é constitucional, portanto, meu voto é pela aprovação da PEC”, justificou a pepista.
Sem direito a voto, Valdemar Júnior comentou a proposta e também se posicionou favorável. Ele alegou não ser justo que os servidores que ajudaram a construir o Tocantins devolvam parte de seus subsídios para o Executivo. “Nós não podemos nivelar por baixo. Nossa discussão em torno dessa matéria é de dar direito a quem tem direito. Não podemos prejudicar pais e mães de famílias que prestaram concurso, conquistaram seus direitos e hoje estão fazendo doação do seu salário para o governo do Estado”, opinou.
Defesa imoral
Autor da PEC, o deputado Nilton Franco classificou o parecer de Ayres como “imoral” e disse que o teto dos servidores não pode ficar vinculado ao subsídio do chefe do Executivo que pode reduzi-lo, como ocorreu na última gestão de Siqueira Campos (DEM). Ele alegou ainda que não se trata de aumento salarial, mas de um “direito” garantido na Carta Magna.
“Ninguém está pedindo aqui aumento de salário. Que fique bem claro. Pelo contrário, o salário que nós ganhamos honestamente estamos devolvendo para o Estado de maneira ilegal. Aí sim viola os princípios constitucionais porque não sabemos de que forma o governo está gastando esse dinheiro”, argumentou, ao acrescentar que o funcionalismo não é “culpado” pela crise econômica que o Tocantins passa.
Ao defender seu posicionamento, detalhado nas 13 páginas do parecer, Ricardo Ayres rebateu a fala do deputado Nilton Franco, que é auditor fiscal e poderá ser beneficiado com a proposta. “Meu parecer não é imoral. Imoral é vossa excelência defender interesse próprio e da sua esposa [que também é auditora]”, alfinetou. De acordo com o parlamentar, a PEC fere o artigo 169 da Constituição Federal e o artigo 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
“Eu não estou atrás de aplauso fácil de ninguém, nem tampouco estou buscando populismo num momento até ruim, quando as eleições se aproximam. Eu estou aqui para tentar fazer o que é certo, o que eu julgo correto”, pontuou. “Nós não podemos pensar somente em nós mesmos, como destinatários do bem público em geral”, ressaltou Ayres, elencando ainda os débitos do Executivo com servidores, Instituto de Gestão Previdenciária do Tocantins (Igeprev) e prestadores de serviços do Plansaúde.
Paulo Mourão também se manifestou contrário à proposta. Conforme o petista, com a emenda, o funcionalismo estará respaldado em lei, contudo, o Executivo não terá financeiro. “O Estado tem que tomar uma providência de pagar o que deve ao servidor, não é ficar cada dia acumulando dívidas e mais dívidas e elas nunca são saneadas. Ao que me parece aqui será mais uma dívida que [o governo] não conseguirá pagar”, alertou o deputado.
Em seu pronunciamento, o deputado Elenil da Penha parabenizou o parecer de Ayres e fez coro com o relator ao afirmar que a atual conjuntura política não é favorável e que Nilton Franco será o principal beneficiado, caso a PEC seja aprovada. “Pelo momento que estamos passando isso é ruim, uma ameaça para o povo tocantinense”, avaliou o emedebista.
Ao retomar a palavra, o autor da matéria se defendeu afirmando não estar “advogando em causa própria” por já está próximo de se aposentar. “Estou advogando pela legalidade”, afirmou Franco.
Funcionalismo
Ao final da sessão, o CT conversou com representantes das categorias de servidores que serão beneficiadas de imediato com a PEC. Otimistas, para eles a matéria vai ser aprovada no plenário. A expectativa do presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do Tocantins (Sindare), Jorge Couto, é que ela seja melhor esclarecida quando for apreciada por todo o Parlamento.
“É uma PEC que alcança todos os servidores. Essa coisa de dizer que é teto de uma elite e que tem aumento de despesa e impacta a LRF vai contra a verdade dos fatos. Não há aumento nenhum no orçamento. Pelo contrário, o que vai se evitar é que a gente continue devolvendo o nosso salário”, disse o sindicalista.
Couto avaliou o parecer de Ayres como “lamentável” e afirmou que o dinheiro descontado no contracheque dos servidores que alcançaram o teto não está sendo usado em benefício do funcionalismo. “Esse dinheiro que está sendo retirado da gente não está indo para professores e outras categorias coisa nenhuma. Eles continuam sem suas progressões. O Igeprev continua sem receber desde outubro do ano passado. Então, esse dinheiro que está sendo retirado do servidor está servindo para pagar outras coisas, como por exemplo, contratos eleitoreiros”, asseverou.
João Paulo Coelho, presidente do outro Sindicato dos Auditores Fiscais do Tocantins (Sindifiscal) falou que as categorias estão articulando bem com os deputados e demonstrando a importância da atualização da Constituição Estadual “para que o servidor possa receber o seu salário integral”. Segundo ele, há casos de servidores deixando de receber R$ 6 mil, em função do teto estar vinculado ao salário do governador.
Para a presidente do Sindicato dos Médicos do Tocantins (Simed-TO), Janice Painkow, sua classe é a que mais “está devolvendo salário para o Estado”. Ela apontou que é comum a categoria trabalhar 60 horas por falta de profissionais. “O médico cumpre mais que a carga horária dele para resolver um problema de recursos humanos. Então, a maioria dos médicos que devolvem é porque cumprem sua carga além das 40 horas”, explicou ao CT.
A sindicalista, assim como o dirigente do Sindifiscal, criticou o posicionamento do relator Ricardo Ayres. “O parecer não ampara legalmente. Eu acho que ele não deveria estar lá na CCJ porque lá se avalia juridicamente as coisas e não foi isso que ele fez. Ele fez um parecer emotivo”, finalizou a presidente do Simed.
Trâmites
A PEC, que altera o inciso XI do artigo 9º da Constituição Estadual, foi protocolada na Assembleia no dia 14 de dezembro e lida em plenário logo após o fim do recesso parlamentar, no dia 6 de fevereiro. Agora a matéria vai para discussão e votação de todos os deputados que compõem o Parlamento. Ela deve entrar na pauta da próxima sessão plenária, por ter prioridade na tramitação em relação às demais.