O Tocantins chega aos 36 anos ainda ressentindo de um planejamento sério, profundo e abrangente para curto, médio e longo prazos. O Estado luta diariamente contra suas emergências, mas não tem ideia do que quer ser dentro de 20, 30 ou muito menos 50 anos. Escrevi sobre isso quando o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) se reelegeu em outubro de 2022, mas de lá para cá nenhuma novidade ocorreu nesse campo.
Seria fundamental que o Palácio chamasse a sociedade civil organizada para uma discussão profunda sobre o futuro do nosso Tocantins. Todas as áreas do Estado precisam ser pensadas por universidades, federações e sindicatos — de trabalhadores e patronais –, entidades do meio ambiente, direitos humanos, saúde, educação, entre outros. Primeiro necessitamos de um diagnóstico preciso de nossa situação hoje, das nossas potencialidades e vocações, para então definir metas a serem alcançadas para as próximas décadas.
E tudo a nossa volta clama por um planejamento sério, que, bom que se reforce, não existe. Este ano tivemos essa tragédia ambiental das queimadas, somada a uma estiagem que se prolonga. É uma crise com data marcada, mas sempre se repete e somos “pegos de surpresa”. É imprescindível que todos os responsáveis pelo meio ambiente, municípios e produtores rurais pensem a curto, médio e longo prazos.
Nossas cadeias produtivas devem ser projetadas ao desenvolvimento. A Fieto fez estudos completos sobre o tema. Mas temos que consolidar a estratégia, saber o que devemos priorizar, fontes de recursos para investimentos, distribuir nossa produção por aptidão regional. Nosso turismo deveria ser a nossa maior indústria, e vem crescendo, mas sem um norte muito claro. Como estão sendo estruturadas nossas cidades para receber seus visitantes? Investimentos em infraestrutura são fundamentais, mas dentro de uma lógica extremamente racional, com objetivos muitos claros.
Dentro do próprio governo há problemas seríssimos que precisam ser pensados. O Igeprev já está se tornando uma enorme draga de recursos, o que é lastimável, considerando que temos apenas 36 anos e enfrentamos problemas previdenciários gravíssimos de Estados centenários. A falta de seriedade na condução do instituto foi o que permitiu um roubo de mais de R$ 1 bilhão de reais por criminosos colocados no comando do órgão anos atrás. É hora do freio de arrumação. O fluxo de aposentados para o Igeprev deve se acelerar e, com ele deficitário, os aportes do governo vão aumentar, retirando do cidadão recursos que deveriam ser canalizados para educação, saúde, segurança e infraestrutura. Como reverter essa perversão?
Enfim, nosso voo cego vai nos levar ao abismo se o governo não liderar um amplo debate e planejamento do Estado.
Vejo três fases da história do Tocantins desde a sua criação a 5 de outubro de 1988, com a nossa Constituição Cidadã. A primeira prevaleceu até 2005, com a hegemonia da União do Tocantins. Com mão de ferro, o governador Siqueira Campos, de um lado, manteve as contas públicas sobre absoluto controle. Tanto que entregou o cargo ao sucessor, Marcelo Miranda, em 2003, com apenas 35,7% de comprometimento da Receita Corrente Líquida com folha, e um Estado com grande capacidade de investimento. Contudo, o peso da mão de Siqueira não permitia a oxigenação da política, com rigoroso monitoramento daqueles que deveriam ascender e até ser retirados da vida pública. A oposição a esse modelo era resistente, mas minúscula.
A segunda fase vem com o fim da hegemonia da UT, com o rompimento em 2005 e sua extinção logo em seguida. Esse período foi de grande oxigenação política, que permitiu o surgimento de novas lideranças por todo o Estado. Elas, enfim, puderam se construir sem a necessidade da benção do Palácio. Um dos que simbolizaram o período foi Carlos Amastha (PSB), que inicia sua trajetória política vencendo, inclusive, o candidato de Siqueira Campos a prefeito de Palmas, Marcelo Lelis (PV), em 2012.
No entanto, a era de prosperidade do auge do siqueirismo não existia mais. A irresponsabilidade dos líderes que se encarregaram de conduzir nossos destinos nos levaram para o abismo de uma crise fiscal que não parecia ter fundo. Sem o rígido controle das contas que Siqueira impunha, todos os governantes que se seguiram gastavam como se não houvesse amanhã. PCCSs e outros benefícios trabalhistas dados ao sabor das eleições, vieram as disputas fratricidas para tirar governo, e quem ascendia torrava irresponsavelmente ainda mais para tentar se reeleger. Perdiam e deixavam as contas penduradas para o sucessor, que não conseguia liquidá-las; e vinha outro afastamento e o ciclo de descuramento com a coisa pública se repetia.
Chega a terceira fase, que foi a do ajuste das contas públicas, uma conquista que o Estado deve ao ex-governador Mauro Carlesse (Agir). Não sei da situação jurídica dele, se cometeu os crimes que levaram a seu afastamento, ou se é inocente. Isso a Justiça vai decidir. O que sei é que se não fosse a coragem de Carlesse de fazer um rigoroso processo de controle de despesas, a situação do Tocantins hoje seria terrível. Para se ter ideia, o índice de comprometimento da RCL com folha só aumentou desde que Siqueira entregou o bastão para Marcelo em 2003 com os 35,7%. Foi a 44,7% em 2006, na reeleição de Marcelo; a 47,7% com Carlos Gaguim em 2010; o terceiro governo Siqueira — em que não se repetiu o rigoroso controle de gastos — elevou o índice para 48,7% em 2014; e Sandoval Cardoso devolveu o comando a Marcelo em 2015 com 50,9%. O emedebista entregou, por fim, o Estado a Carlesse em março de 2018 com incríveis 58,22%.
Com as medidas austeras de contenção — que incluiu congelamento de data-base e progressão dos servidores –, Carlesse reduziu esse indicador para 42,05% em 2022, ano em que foi afastado. O governador Wanderlei seguiu a cartilha da responsabilidade fiscal, e chegou a anunciar pouco mais de 39% de comprometimento da RCL com folha no ano passado. Uma gigantesca vitória para o Estado, que, após anos chafurdado na letra C da Secretaria do Tesouro Nacional, evoluiu para B e já sonha com a A.
Depois de todo o aprendizado com os descaminhos tomados nos anos de irresponsabilidade fiscal, agora é preciso que iniciemos a quarta fase do Tocantins, a do planejamento estratégico para as próximas décadas. É a que vai, definitivamente, colocar o Estado no trilho do desenvolvimento. Não tenho dúvida de que se Wanderlei empunhar a bandeira, esse será o maior legado que deixará para os tocantinenses. Sem essa visão, é continuar em voos de galinha, tendo como horizonte somente a próxima eleição, o que é absurdamente paroquiano. É tratar nosso enorme Tocantins como mera corrutela.
Feliz aniversário, tocantinenses!
CT, Palmas, 5 de outubro de 2024.