O final das eleições de Palmas em 2004 foi marcado pela guerra de maquetes. Os candidatos já haviam prometido tudo e um pouco mais, e a contenda ainda permanecia acirrada. A saída foi projetar na imaginação do eleitor um lugar divinamente encantado. Eram hospitais espetaculares, estações de ônibus futuristas e por aí seguia. Disputas eleitorais sempre tendem a transformar Palmas na verdadeira cidade maravilhosa.
Nestas campanhas tumultuadas, com 12 nomes se acotovelando muito antes de começarem os programas de TV, espaço para a fértil quimera publicitária, a cidade já se enche de soluções oníricas.
O básico é a promessa de derrubar taxas e impostos. Essa é arroz de festa. Depois de tempos recentes traumáticos, a onda agora é liquidar tributos. Quem não deve estar satisfeita com estas eleições é a BRK Ambiental, principal alvo dos dizimadores de alíquotas. Virou uma espécie de Geni das eleições da Capital. Quase todo mundo a ataca e garante que, tomando posse em janeiro, a taxa do esgoto cairá de 80% para 40%. Será que isso cheira bem?
Jura que vem sendo decantada aos quatro ventos desde pelo menos 2004 é a do hospital municipal. Naquela época acharam que um era bobagem e garantiram dois, nas regiões sul e norte. Com maquete na TV, como não poderia ser verdade? Voto garantido, mas as unidades não pularam da ilustração para a vida dos palmenses.
O debate agora voltou. Um pôs o pé no chão e pensou: “Melhor não prometer isso porque o negócio já parou no Procon eleitoral”. No entanto, outro veio atrás e bancou. O que resistia não viu outra saída que não fosse participar do leilão. Passou a achar que não é tão difícil assim, também topou a coisa e, eba!, com um ou outro, teremos o tão sonhado hospital municipal.
Na saúde, já asseguraram centro de referência para mulher até clínica 24 horas para nossos mais indefesos amigos, os animais. Lembrei-me na hora do sensível ministro do Trabalho do governo Collor, Rogério Magri, que, lá nos idos de 1990, para justificar o uso do carro oficial para levar o pet ao veterinário, disparou franciscanamente: “A cachorra é um ser humano”. Quem comemorou a ideia da clínica exclusiva para ela foi Pretinha, minha “humana” gatinha e companheira. Afinal, uma idosa de quase 16 anos que dorme o dia todo na cama ao lado da escrivaninha, enquanto suo os pecados adâmicos no meu computador nestes dias tórridos. Mas, quando li a proposta em voz alta, a bichana esticou preguiçosamente o pescoço com um miado que mais me pareceu uma risada.
Provocou-me devaneios foi me ver subindo de teleférico até o Morro do Chapéu e percorrer saltitante os mirantes do Parque Estadual do Lajeado, desde o Limpão até o Morro do Segredo. Fico imaginando aqui com meus carcomidos botões a suntuosa vista da nossa belíssima Capital lá de cima e me deixando levar, conforme a proposta do pretenso prefeito, “pelo refúgio espiritual e introspectivo com a natureza”. Uau! Que acham?
Outra briga grande é para ver quem vai consolidar Palmas, ainda mais, como a “capital das magrelas”. Já tem a oferta de dois grandes bikes parks, um na serra, passando pelo Limpão; outro ligando o Parque Cesamar ao Parque dos Povos Indígenas. Mais: integração com o transporte coletivo, com áreas seguras nas estações de ônibus para se guardar as bicicletas. De outra frente, houve quem tentasse cobrir o lance com a garantia de linhas de ciclovias e ciclofaixas bem sinalizadas e integradas. Amsterdam, a cidade das bikes, que se cuide! Estamos a caminho! No pedal…
Que benefícios indiretos que nada. Boa mesmo é a proposta de, na linguagem do Chicago Boy Paulo Gudes, injetar na veia. Deveria se chamar “Quem quer dinheiro!”. Estão oferecendo 200 mangos mensais por um semestre inteiro a 25 mil palmenses. Os invejosos não perdem tempo e já dizem que é comprar votos a prazo. Quanto recalque!
Depois de um ano tão difícil, de tantas empresas que fecharam as portas por conta da pandemia, da quantidade de desempregados no mercado, nada se compara à garantia de que serão criados 20 mil postos de trabalho em tão somente um mísero ano. Nada mal, hein? Você que está aí com os pés calejados de, inutilmente, passar o dia nas ruas em busca de um trampo, que tal?
O cidadão não precisará mais ir atrás de emprego. Dois ou três patrões vão bater à porta dele e darão início a um leilão para ver quem oferece o melhor salário, bônus, plano de saúde, escolas para os filhos e férias no exterior pagas pela empresa. Minha preocupação é com a segurança do trabalhador. Vai que, na escassez de mão de obra, o sujeito seja sequestrado e mantido refém num escritório ou loja? Eu, hein! Nossa Capital terá uma crise de excesso de vagas no mercado. Bom pensar uma saída também para isso.
O problema de tantas atrações e de milhares de empregos que surgirão é o movimento que isso vai causar de moradores pelas vias públicas, de migrantes invadindo a cidade vindos de todos os rincões e de turistas desembarcando caudalosamente para curtir o que Palmas oferecerá a partir de janeiro. Nestes tempos difíceis, isso é um risco, já que a Covid-19 ainda nos espreita e poderá estender mais e mais seus tentáculos assassinos.
No entanto, até para isso nossos candidatos já deram solução. Nada mirabolante, como teleférico, bike park, clínica 24 horas para animais, 200 mangos mensais ou 20 mil postos de trabalho. Só uma singela mistura de mutamba, vitamina C, mel com alho e cebola. Pronto. Por aqui, esse vírus não se cria. Pelo menos é o que já garantiram.
CT, Palmas, 9 de outubro de 2020.