A Comissão de Administração, Trabalho, Defesa do Consumidor, Transportes, Desenvolvimento Urbano e Serviço Público (CATDC) da Assembleia Legislativa discutiu durante toda a tarde de quarta-feira, 24, a Medida Provisória que trata dos regimes de plantão dos profissionais da saúde [MP 05 de 2019]. Os sindicatos voltaram criticar o texto por estabelecer jornadas que ultrapassam os limites já estabelecidos em legislação. Por outro lado, representantes do governo reforçam a obrigatoriedade de cumprir com decisão judicial, mas se colocam à disposição para rediscutir.
A MP 05 de 2019 foi editada após a polêmica Portaria 247 de 2018 – da administração anterior – ser mantida por decisão da Justiça Federal, que entendeu que o regramento anterior prejudicava disponibilidade médica e aumentava gastos com horas extraordinárias. O dispositivo atendia também recomendação do Tribunal de Contas (TCE), conforme explanou servidora da Secretaria da Saúde (Sesau) na audiência. Em termos de parâmetros, o ato aumentou de 12 para 15 o número de plantões de 12 horas para profissionais de carga semanal de 40 horas.
O aumento de plantões gerou insatisfação imediata dos sindicatos e até debandada de médicos dos postos de trabalho que precisou de interferência do Judiciário. Com o resultado negativo das Portaria 247 e devido ao tema ainda não estar regulamentado por legislação, o governador Mauro Carlesse (PHS) prometeu alternativa para jornada de trabalho da saúde, o resultado do estudo do Executivo foi a apresentação da MP 05 de 2019. Em comparação às normas passadas, o texto definiu a exigência de 13 plantões de 12 horas para profissionais com carga semanal de 40 horas.
Insatisfação
“Nós temos que cumprir uma ordem judicial em trânsito em julgado que julgou o mérito desta questão. A Justiça Federal [1ª Vara do Tocantins] determinou ao Tocantins que volte a Portaria 247 que estabelecia os 15 plantões mesmo. Ao invés disso, conversando com o governador, entendeu-se melhor não ficar baixando Portarias, e sim que a Casa de Leis participasse deste debate”, comentou durante a audiência pública o procurador-geral do Estado, Nivair Vieira Borges.
Ocorre que os sindicatos não ficaram satisfeitos com a proposta, isto porque a MP 05 de 2019, apesar de reduzir o número de plantões em comparação a antiga Portaria 247 de 2018, ainda contraria a jornada semanal de trabalho estabelecida no Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR), a Lei 2.670 de 2012. “O governo está tentando ganhar de nós um plantão a mais. Está ficando vergonhoso”, disparou durante a audiência o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Tocantins (Sintras).
Um outro ponto levantado por Manoel Miranda seria que a MP 05 de 2019 estaria desrespeitando o inciso XV do artigo 7ª da Constituição Federal, que trata do direito do trabalhador ao repouso semanal remunerado. “Não se pode se pensar que [o período] entre um plantão e outro seja folga. Trabalhamos no Estado do Tocantins, não nas antigas senzalas”, afirmou o sindicalista, subindo o tom do discurso. O presidente do Sintras ainda reforçou que a proposta não faz a conversão da carga horária para o regime de plantão.
Presidente do Sindicato dos Médicos do Tocantins (Simed), Janice Painkow, fez coro ao colega municipalista. “Nós só queremos o que está na Lei. Não queremos uma hora a menos, e nem uma hora a mais”, afirmou a representante, ressaltando a dissonância entre os plantões estabelecidos pela MP 05 de 2019 e a Lei 2.670 de 2012 que trata da jornada de trabalho dos servidores da saúde. “A economia do Estado não vai se dar através do aumento da carga horária do servidor”, acrescentou.
Janice Painkow também entrou na questão do desrespeito ao direito constitucional ao repouso semanal remunerado, citando que profissionais da área “não tem sábado, domingo, feriado ou dia santo”. Apesar das críticas, a presidente depositou confiança nos deputados estaduais. “Acredito muito na sensatez e na legislação desta Casa. Não queremos benesse nenhuma, só legislação ao pé da letra”, completou.
O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Tocantins (Sisepe), Cleiton Pinheiro, usou a palavra condenar a maneira como a proposta foi apresentada. “Vejo que a Sesau poderia ter evitado todo este desconforto com relação a esta Medida Provisória. O senhor [Renato Jayme] é sabedor que qualquer ato que parte em relação aos trabalhadores deve ser discutido e decidido pela Mesa [de Negociação] do SUS [Sistema Único de Saúde]. Infelizmente esta MP não passou por este trâmite, que é um rito obrigatório por lei”, disparou.
Órgãos de controle
Promotora especializada em saúde, Maria Roseli aproveitou a audiência para destacar a “oportunidade ímpar” dos deputados. “A gestão foi criticada porque teria usada uma ação [na Justiça Federal] pilatiana [referência a Pôncio Pilatos] e lavado as mãos, empurrando a situação para esta Casa resolver. Os senhores que irão dar um norte para a saúde pública”, disse a representante do Ministério Público (MPE), pedindo uma solução “equilibrada” que o Estado “suporte”.
“Tendo o poder de legislar esta matéria que não está regulamentada por lei evita a vulnerabilidade dos profissionais da saúde de estar a mercê de cada gestão entender a questão de uma maneira”, comentou a promotora, que sugeriu acréscimos ao debate. “Ao regulamentar a carga horária dos servidores públicos, regular também o limite dos vínculos empregatícios, inclusive com o setor privado”, acrescentou Maria Roseli, citando os casos de profissionais que atuam no serviço público e privado.
O coordenador do Núcleo Especializado em Defesa da Saúde (Nusa) da Defensoria Pública (DPE), Arthur Pádua, também participou da audiência, e em sua fala afastou que a argumentação dos sindicatos que a MP 05 de 2019 desrespeita o direito ao repouso semanal remunerado. Pela condição de essencialidade do serviço de saúde pública, o defensor explica que descanso interjornadas já atende ao dispositivo constitucional citado pelos sindicalistas.
Disposto a rediscutir
Titular da Secretaria da Saúde (Sesau), Renato Jayme afirmou aos sindicatos e deputados que o governo estadual considera a proposta “razoável”, mas ponderou que está “disposto a rediscutir” o texto com o governador. “Se houver amparo legal, e só a gente construir isso juntos”, disse já no fim da audiência. O secretário também aproveitou a ocasião os pontos positivos do estado na área, como o recorde de cirurgias em 2018, a tentativa do Estado de reconquistar a credibilidade com os fornecedores para garantir os insumos e medicamentos nos hospitais.
Ainda usaram da palavra representantes da enfermagem, dos cirurgiões dentistas e da Ordem dos Advogados do Brasil, que reforçaram as críticas à Sesau. Dos deputados, destaque para Ricardo Ayres (PSB), que demonstrou preocupação com as contas públicas do Tocantins; e para Amélio Cayres (SD), responsável por elencar a necessidade de ouvir o usuário do SUS neste debate. Os episódios já foram repercutidos na Coluna do CT e no artigo do Bom Dia.