A recente declaração do prefeito Eduardo Siqueira Campos sobre a necessidade de centralizar a gestão dos recursos financeiros das escolas em Palmas reacende um debate fundamental para o presente e o futuro da educação pública. Ao defender que diretores/as devem se limitar a funções pedagógicas e que a administração dos recursos deve ser restrita ao Paço, sob a justificativa de maior eficiência e controle, o gestor ignora princípios constitucionais e todo o acúmulo histórico de experiências, legislações e recomendações nacionais e internacionais sobre a gestão democrática e descentralizada das escolas públicas.
Antes de tudo, é importante reconhecer que existem, de fato, falhas na condução dos recursos em algumas unidades, mas esta não é a realidade da maioria. O problema central, contudo, está na ausência de critérios democráticos para a seleção desses gestores/as. Atualmente, diretores/as escolares são escolhidos/as sem nenhum crivo técnico ou pedagógico, sendo de livre indicação do poder executivo, em total desacordo com normas constitucionais e infraconstitucionais que determinam a gestão democrática do ensino público.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, inciso VI, consagra a gestão democrática como princípio fundamental da educação, reforçado pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), especialmente nos artigos 3º (inciso VIII) e 14, além de legislações municipais como o Plano Municipal de Educação de 2016, a Lei do PCCR de 2023 e a Lei de Gestão Democrática de 2024.
Estamos, portanto, diante de uma situação de flagrante ilegalidade quanto à gestão escolar em Palmas, violando não apenas a legislação, mas também o espírito da educação participativa e autônoma. A gravidade se acentua ao lembrarmos que o atual prefeito, mesmo após prometer publicamente para os educadores — durante sabatina no SINTET — que respeitaria a gestão democrática, cancelou o último processo eleitoral de diretores realizado pela prefeita Cinthia Ribeiro, sob a alegação de baixa participação e polêmicas, prometendo novo processo mais participativo. No entanto, o que se vê é a repetição da velha prática de indicações sem qualquer critério técnico, sendo que a última eleição efetiva para diretores/as aconteceu ainda em 2011, no governo Raul Filho. Palmas, uma jovem capital, não merece ser gerida com métodos ultrapassados e sonha com um novo tempo.
As políticas modernas de gestão educacional, inspiradas por modelos consolidados em países como Finlândia, Alemanha, França, Portugal e Espanha, apontam a descentralização e a autonomia escolar como fundamentos para a eficiência, inovação, equidade e qualidade do ensino. Essa tendência, recomendada por organismos internacionais como a UNESCO, busca superar o modelo técnico-burocrático centralizador, reconhecendo que ninguém entende mais de escola do que seus próprios educadores e gestores.
Atualmente, contamos com diversos programas federais de recursos financeiros que aportam verbas via descentralização da gestão. O Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) foi fundamental ao transferir milhões de reais diretamente às escolas públicas de Palmas, proporcionando melhorias significativas na infraestrutura e nos processos pedagógicos da nossa rede de ensino. Esses programas promoveram uma verdadeira transformação e tornaram a capital referência nacional em educação pública.
Uma escola verdadeiramente democrática e autônoma integra professores, profissionais administrativos e a comunidade no processo de decisão, potencializando soluções para problemas cotidianos e facilitando a obtenção de recursos suplementares. A alegação de falta de expertise técnica é falaciosa, já que a Secretaria Municipal de Educação dispõe de técnicos para suporte em engenharia, contabilidade e jurídico. Na verdade, o que está em disputa são recursos vultosos e, principalmente, o controle democrático sobre sua aplicação.
Enfraquecer a autonomia e a participação comunitária é retroceder às velhas práticas centralizadoras, comprometendo a qualidade dos serviços e a capacidade de resposta às necessidades locais. O discurso oficial, que afirma buscar transparência e eficiência ao retirar a autonomia das escolas, contradiz até mesmo a plataforma eleitoral do atual prefeito, que prometeu descentralizar sua gestão pela via das subprefeituras.
Defendemos, sim, o rigor na fiscalização e na punição de eventuais desvios de recursos. Sabemos dos casos de corrupção e licitações direcionadas e não nos furtamos de denunciar, cobrar investigação e exigir justiça. No entanto, a verdadeira solução passa pela democratização da gestão: diretores/as eleitos/as pela comunidade, formação continuada nas universidades públicas e conselhos escolares atuantes, fiscalizadores e propositivos.
Estamos cientes de que o que está em disputa é a ESCOLA PÚBLICA — não porque todos amam ou defendem os alunos ou a educação, mas porque está em jogo o capital. A SEMED foi responsável por executar um orçamento de R$ 806 milhões em 2024, e a estimativa real é que, nos próximos anos, a educação chegará próximo ao 1 bilhão de reais. Aqui está o ovo da serpente.
A escola pública e seus recursos não são mercadoria! A participação ativa de professores, especialistas, alunos, funcionários e pais é condição essencial para uma educação de qualidade, fortalecendo a coletividade e as raízes democráticas da sociedade. Não há saída fácil para o desafio complexo da gestão escolar, mas centralizar e ignorar vozes que realmente constroem a educação é um erro grave, autoritário e antidemocrático.
A forte ingerência de políticas partidárias de governo — e não uma política de Estado — contribui para o aumento do papel da escola pública como reprodutora das desigualdades sociais existentes. No entanto, o processo educacional não é imutável. Trata-se, pelo contrário, de uma relação entre sujeitos sociais e, dessa forma, sempre haverá espaço para resistências, para a crítica e para a contestação. Contudo, não podemos repetir as mesmas práticas que resultaram no fracasso educacional que buscamos corrigir.
Por fim, deixo o convite ao prefeito: o SINTET segue no mesmo endereço em que o recebemos de braços abertos durante sua campanha eleitoral, e permanece de portas abertas ao diálogo verdadeiro e à construção conjunta de políticas públicas educacionais. E destaco: quem mais entende de educação são os educadores — estamos prontos para contribuir e, se necessário for, resistir, ao lado dos alunos e da sociedade palmense.
Com respeito e esperança em melhores dias.
FÁBIO LOPES
É professor, mestre em Biologia (UnB), pós-graduado em Educação (UFT), especialista em Educação no Campo (UFSCar), conselheiro municipal de Educação – Palmas e presidente do Sintet Regional de Palmas.