Todos, sem exceção, desde o cidadão comum até o homem mais letrado, admitem que o sistema de segurança pública está carcomido: sua ineficiência é alarmante e, sem dúvida, assusta a todos nós. As consequências da falta de medidas eficazes no combate à violência deixam o povo, toda a sociedade, em polvorosa.
Baseado nisso, o Presidente Michel Temer decretou a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro. O Presidente da República fez uso da atribuição que lhe confere o artigo 84, caput, inciso X, da Constituição Federal de 1988, decretando a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro até 31 de dezembro de 2018. A intervenção federal se limita à área de segurança pública e tem como objetivo pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro. Para isso foi nomeado como Interventor o General de Exército Walter Souza Braga Netto, Comandante Militar do Leste (CML), para exercer cargo de natureza militar.
No decreto consta que o General ficará diretamente subordinado ao Presidente da República e não está sujeito às normas estaduais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção, podendo requisitar, se necessário for, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Estado do Rio de Janeiro para a consecução do objetivo da intervenção.
[bs-quote quote=”As medidas que porventura serão implantadas são meramente paliativas, extremamente caras e sem nenhum impacto na violência” style=”default” align=”left” color=”#ffffff” author_name=”Luiz Francisco de Oliveira” author_job=”É promotor de Justiça no Tocantins” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/LuizFranciscoOliveira60.jpg”][/bs-quote]
Pois bem! No nosso entender a intervenção federal já nasce sob o signo da inconstitucionalidade. Explico:
O artigo 21 da Constituição Federal de 1988 preconiza que compete à União “decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal”. No artigo 34 consta que “a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (…) III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”, que é o objetivo do decreto de intervenção. Já no artigo 36, parágrafo 4º, é preconizado que “cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal”.
Em momento algum a Constituição Federal determina que o cargo de interventor seja de natureza militar. Se as próprias Forças Armadas são diretamente subordinadas a um ministro civil (Ministro de Estado da Defesa), mas conveniente que a segurança pública seja também subordinada a um civil. Insta mencionar que em vários Estados da Federação a Secretaria de Defesa Social é responsável pelos trabalhos da Polícia Militar e Civil e são chefiadas por civis. É bem provável que o Presidente da República queira que o interventor nomeado não responda por eventuais crimes cometidos no cargo na Justiça comum. Ademais, por questões lógicas, o interventor pode até ser militar, mas deve se submeter à jurisdição civil. Deixar na mãos da Justiça Castrense o julgamento dos atos do interventor é um verdadeiro atentado à Constituição, pois subtrai do Poder Judiciário atos de autoridade civil. Se, em regra, os membros da Polícia civil só respondem perante a Justiça Comum, como o seu comandante pode não responder?
Consta no artigo 60, parágrafo que “a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. É fácil entender os motivos que levaram o Poder Constituinte Originário a assentar tal limitação. Imagine o Brasil passando por uma das situações constitucionais que mereçam algum tipo de intervenção, igual está ocorrendo nesse momento. Será mesmo o momento mais oportuno para se alterar o texto da constituição? Percebe-se de maneira cabal que a instabilidade do momento (diga-se intervenção federal) não é adequada à proposição de mudança do texto constitucional. É o limite circunstancial.
Lado outro, é sabido de todos que o Governo Federal está lutando para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional da Previdência. Alega o Presidente da República que “se tiver votos para aprovar a reforma, o decreto pode ser cessado e após a votação ser novamente reiniciado” (https://g1.globo.com/politica/blog/gerson-camarotti/post/2018/02/16/com-intervencao-no-rj-temer-tira-prioridade-da-reforma-da-previdencia.ghtml). Essa medida é flagrantemente inconstitucional e o que mais causa alvoroço é saber que tal alegação partiu de um famoso constitucionalista brasileiro: Michel Temer! Se for levada a efeito será uma verdadeira fraude à nossa Constituição.
Por fim, no meio de várias inconstitucionalidades, necessário observar que o Presidente da República não consultou o Conselho da República e nem o Conselho de Defesa Nacional. A Lei nº 8.04190, em seu artigo 2º, inciso I, menciona que compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre: a intervenção federal. Os artigos 90, inciso I, e 91, parágrafo 1º, inciso I, atribuem a esses órgãos competência para opinar sobre intervenções federais, e tal consulta deve ser feita antes da edição do decreto de intervenção. Ora, o Presidente da República não é obrigado a seguir a opinião dos Conselhos, mas é obrigatório o pronunciamento prévio.
Por fim, as medidas que porventura serão implantadas são meramente paliativas, extremamente caras e sem nenhum impacto na violência. Não houve nenhum planejamento prévio. O próprio General Comandante Militar do Leste disse que o trabalho de integração entre as forças de segurança já vem sendo feito há tempos. Haverá uma falsa sensação de segurança, porém os criminosos atravessarão a fronteira do Estado do Rio de Janeiro, levando violência para os Estados vizinhos, tal qual ocorreu por ocasião da implantação das UPP’s. Depois, retornarão aos seus redutos, indo a conta de toda a logística para o povo brasileiro.
Luiz Francisco de Oliveira
É promotor de Justiça no Tocantins
luizfrancisco.oliveira2011@uol.com.br