Após a segunda audiência pública destinada a debater o projeto de transposição do Rio Tocantins para a bacia do São Francisco, a senadora Kátia Abreu (PDT) afirmou que apresentará relatório contrário à proposta. Segundo a parlamentar, falta embasamento técnico para justificar a obra, que custaria mais de R$ 5,2 bilhões e “poderia colocar em risco o maior rio do Estado”.
A senadora, que é a relatora do Projeto de Lei da Câmara 138/2017, lembrou que desde 2015 a bacia do Rio Tocantins vem enfrentando condições hidrometeorológicas “desfavoráveis”, com vazões e precipitações abaixo da média.
“Neste momento, estamos mais preocupados em preservar nosso rio, as nascentes e as matas ciliares e recuperar os mananciais. Nós nos preocupamos sim com o Rio São Francisco, porque é um rio do Brasil, de todos nós. Mas não adianta vestir um santo desvestindo outro. Então meu relatório será contrário à transposição”, afirmou durante a sessão.
Esta foi a segunda sessão destinada a debater o projeto. A primeira ocorreu na semana passada, em Palmas. A relatora havia solicitado inicialmente três audiências públicas, mas dispensou a realização da terceira após constatar que o projeto é “vago” e “sem embasamento”.
“Quase a totalidade dos palestrantes foi contrária à transposição porque não existem estudos, base técnica nem razão para transpor mercadorias da ferrovia Norte-Sul por meio de uma hidrovia que custará bilhões de reais”, afirmou. “Sobre a transposição de água, sequer há um estudo técnico de viabilidade econômica. Nada justifica essa pressa em aprovar a obra”, completou.
Estiagem
A relatora citou dados que mostram o agravamento dos déficits hídricos na bacia Tocantins-Araguaia. Em função da estiagem, o ano de 2015 foi o que teve as menores vazões no rio Tocantins registradas desde o início das observações, em 1931.
De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), o déficit hídrico na bacia do Tocantins se acumulou em 2017. A precipitação observada entre outubro de 2016 e agosto de 2017, por exemplo, foi de apenas 47% da média esperada para o período, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Projeto polêmico
De autoria do deputado federal Gonzaga Patriota (PSB-PE), o Projeto de Lei da Câmara nº 138, de 2017, “altera a Lei nº 5.917, de 10 de setembro de 1973, que aprova o Plano Nacional de Viação”. O objetivo da proposta é incluir no anexo da lei a interligação entre o Rio Preto, localizado no Estado da Bahia, e o Rio Tocantins, para assegurar a navegação desde o Rio São Francisco até o Rio Amazonas. A matéria foi aprovada nas comissões da Câmara dos Deputados e agora tramita no Senado.
Em entrevista ao CT, no ano passado, o engenheiro agrícola e especialista em Gestão e Monitoramento de Recursos Hídricos, Carlos Spartacus da Silva Oliveira, disse que apoia o projeto e garante que há estudos que comprovam a viabilidade da integração entres os dois rios. Já a doutora em Meio Ambiente e vice-presidente da ONG Gaia, Marli dos Santos, defende a discussão de diagnósticos aprofundados. Segundo ela, “é bastante temeroso aprovar um projeto sem esse detalhamento”.
Oliveira afirma que o governo pode receber quase R$ 30 milhões, por mês com a transposição. “As pessoas precisam ter calma, conhecer o estudo e ver quais os benefícios vai trazer para o Estado. O pessoal fica falando como se fosse pegar o rio Tocantins numa máquina e desviar pro Nordeste. Não é bem assim”, argumenta. Contudo, Marli dos Santos menciona que o gasto para manutenção do sistema pode ser alto.
O presidente da Assembleia Legislativa, que atualmente está como governador interino, Mauro Carlesse (PHS), tem se mobilizado para barrar o texto. Ele apresentou no final de setembro do ano passado um Projeto de Lei que visa garantir a preservação dos recursos hídricos tocantinenses e o mesmo foi aprovado. O deputado lançou também um abaixo-assinado contra a proposta.
Outro político que já se posicionou contrário foi o senador Vicentinho Alves (PR). Os deputados Paulo Mourão (PT), Wanderlei Barbosa (SD) e Valdemar Júnior (MDB), bem como a vice-governadora, Cláudia Lelis (PV), o ex-governador Siqueira Campos (DEM) e o presidente da Associação Tocantinense dos Municípios (ATM), Jairo Mariano, também questionam a proposta.
No início de fevereiro deste ano, o presidente Michel Temer (MDB) disse que iria assinar a autorização dos estudos para integração das bacias. Carlesse classificou a decisão como “total falta de conhecimento da realidade da situação de nossas águas e mais uma ação eleitoreira para angariar apoio no nordeste”.
A Assembleia Legislativa também deve realizar uma audiência com representantes de órgãos como a Defensoria Pública e o Ministério Público Estadual, Universidade Federal do Tocantins, além da bancada federal do Estado e prefeitos, para discutir o assunto. (Com informações da Ascom da senadora Kátia Abreu)