A previsão acerca do instituto da fidelidade partidária foi introduzida no ordenamento jurídico, através da Emenda Constitucional nº 01 de 1969, sendo suprimido anos após pela Emenda Constitucional nº 25 de 1985.
O tema voltou a possuir previsão, por meio do artigo 17 da novel Constituição Federal de 1988, todavia, sem qualquer disposição acerca de sanções nas hipóteses de inobservância à fidelidade partidária, motivo ensejador das inúmeras mudanças de siglas partidárias pelos mandatários.
O Supremo Tribunal Federal, no ano de 1989 julgou o Mandado de Segurança nº 20927/DF, firmando o entendimento de que o mandato pertencia ao parlamentar, sendo admissível, pois, a migração partidária, sem que com isso tivesse o prejuízo da perda do mandato.
Passados vários anos, em 2007, o STF julgou os Mandados de Segurança nº 26602, 26603 e 26604, firmando novo entendimento sobre o tema, no sentido de que o mandato pertence à agremiação partidária e não ao eleito, deixando assente, inclusive, a possibilidade de perda do cargo nas desfiliações sem que houvessem justa causa.
Após o julgamento dos MS’s mencionados alhures, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução nº 22.610/2007, disciplinando o processo de perda de cargo eletivo, bem como as disposições sobre a justificação de desfiliação partidária, considerando que não perderia o mandato nas hipóteses de incorporação ou fusão do partido, criação de novo partido, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal.
Em que pese a previsão das hipóteses de justas causas para a desfiliação partidária, isso em ato administrativo do Tribunal Superior Eleitoral, somente em 2015, houve disposição legislativa, com o advento da Lei nº 13.165, em que inseriu o art. 22-A na Lei dos Partidos Políticos (9.096), constando as hipóteses pelas quais justificam a troca de partido, quais sejam: mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, grave discriminação política pessoal e mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
Entretanto, em nenhuma das disposições normativas acima mencionadas foi prevista como hipótese de justa causa na situação em que o próprio partido político concorda com o desligamento do filiado, através da carta de anuência.
Vários casos concretos aportaram perante à Justiça Eleitoral, sendo firmando o entendimento de que a concordância da agremiação partidária com o desligamento do filiado é apta a permitir a desfiliação sem prejuízo do mandato eletivo.
Contudo, na sessão jurisdicional do dia 25/11/2021, ao julgar os autos nº 0600482-26.2019.6.00.0000, o Tribunal Superior Eleitoral mudou completamente o entendimento, já devidamente sedimentado, asseverando que a carta de anuência oferecida pelos partidos políticos aos representantes individuais, eleitos pela legenda, por si só, não configura justa causa para a desfiliação partidária.
Embora veementemente criticável a guinada jurisprudencial, plenamente possível e reconhecidamente recorrente a alteração de jurisprudência na Justiça Eleitoral. Porém, essa mudança de rumo ocorreu em plena vigência da Emenda Constitucional nº 111 de 28 de setembro de 2021, em que previu expressamente, no §6º do artigo 17, a carta de anuência do partido como justa causa para desfiliação partidária.
O curioso é que, ao julgar os autos acima mencionado, o TSE sequer enfrentou acerca da possibilidade de aplicação retroativa da novel disposição constitucional ao caso concreto, o que certamente irá fazê-lo em sede de embargos de declaração, inclusive já devidamente interposto e pendente de julgamento.
Não obstante isso, o Ministro do TSE Luiz Roberto Barroso, monocraticamente, no dia 21/12/2021, deferiu liminar em ação de justificação de desfiliação partidária asseverando que devido a redação expressa e inequívoca do § 6º do art. 17 da Constituição, inserido pela EC nº 111, de 28.09.2021 “fica superada a jurisprudência que até aqui prevalecera no Plenário, recentemente reiterada, no sentido de que a carta de anuência oferecida pelos partidos políticos aos representantes individuais, eleitos pela legenda, não configura, por si só, justa causa para a desfiliação partidária”.
Destarte, conquanto o TSE tenha julgado ação declaratória de infidelidade partidária, recentemente e posteriormente ao advento da novel redação prevista no § 6º do art. 17 da Constituição, no sentido de que a carta de anuência, por si só, não configura justa causa para a desfiliação partidária, o certo é que hodiernamente há uma previsão Constitucional expressa e inequívoca dispondo em sentido contrário ao entendimento perfilhado naqueles autos, sendo, por conseguinte, o que inequivocamente prevalecerá.
LEANDRO MANZANO SORROCHE
É advogado, especialista em Direito Eleitoral, Público, Tributário e Estado de Direito e Combate à Corrupção. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.
eandromanzano@gmail.com