Depois de muitas dificuldades, estamos próximos da segundo turno das eleições presidenciais. Nossa democracia nunca foi tão combatida, entretanto, com a força das instituições, acabou sobrevivendo a cada ataque.
A palavra “democracia” nasceu na Grécia, na cidade-Estado de Atenas, no período clássico, sendo composta pelos radicais “demos” e “kratos”, que significam, respectivamente: “povo” e “governo”. É o governo do povo ou governo popular. Tal conceito é totalmente contrário a outras formas de governo, como a aristocracia, a monarquia, a diarquia, a tirania, a oligarquia, entre outros.
A democracia moderna, tal como a concebemos hoje, isto é, pautada em ordenamentos jurídicos e instituições políticas sólidas, representam os três poderes estatais, que são o Poder Executivo, o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. Cada um deles com uma função precípua: ao Poder Executivo cabe a administração e a execução da leis; o Poder Legislativo cabe a elaboração das Leis, bem como a fiscalização das atividades do Poder Executivo; já o Poder Judiciário cabe a prerrogativa de julgar, de acordo com as regras constitucionais e leis criadas pelo poder legislativo em determinado país.
Muitos criticam o fato do Supremo Tribunal Federal (STF) ter instaurado inquérito de ofício. Pode isso? De forma simples e objetiva a resposta é SIM. O STF pode e tal situação é totalmente legal e constitucional!
Isto está preconizado no art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), que dispõe:
Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.
Este artigo foi alvo de uma ADIn em que a PGR reconheceu em seu parecer a constitucionalidade da instauração de inquérito pela Presidência do STF com fundamento no mencionado art. 43 do Regimento Interno da Corte, alegando sobre a “possibilidade de cada Poder ter atribuição de realizar atos típicos de investigação, inclusive na esfera criminal, decorre do sistema de divisão funcional de Poder, pelo qual se objetiva assegurar condições que permitam a atuação e o funcionamento independente de cada um dos Poderes, sem nenhum tipo de ingerência de outros órgãos que possa comprometer ou embaraçar o pleno exercício de suas atribuições”. A PGR, mencionou ainda o enunciado da Súmula nº 397 da Corte, segundo o qual “o poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas dependências, compreende, consoante o Regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”.
Nessa conformidade, a Portaria GP nº 69/2019, à luz do art. 43 do RISTF, evidencia legítima manifestação de vontade do Supremo Tribunal Federal em ver instaurada investigação contra supostos autores de crimes contra a honorabilidade e a segurança da Corte ou de seus membros, o que, repita-se, não ofende o regramento contido no sistema acusatório imposto pela Constituição Federal de 1988, nem mesmo o postulado da separação dos poderes (CF, art. 2º), sobretudo quando se verifica que as funções de acusar, defender e julgar não estão consubstanciadas unicamente no inquérito. (Ministro Edson Fachin, ADPF 572 MC/DF).
Conforme escólios de Rogério Tadeu Romano, o STF não vai presidir, denunciar e julgar eventual ação penal a partir do inquérito. A Corte exerce, nesta investigação, papel de mero coordenador quanto à montagem do acervo probatório e às providências acautelatórias necessárias à busca da verdade real.
Vivemos em um mundo que as redes sociais acabam facilitando a manipulação e o controle, tornando as pessoas presas fáceis para os políticos autoritários. Segundo Albert Einstein, em sua obra “Como vejo o mundo”, “o meu ideal político é a democracia, para que todo o homem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado”.
É comum escutarmos que a história não serve para nada, sendo apenas uma consecução de fatos e datas. Esquecem que é através da história que conhecemos os fatos que ocorreram e que consequentemente gerou a situação a qual vivemos hoje. O que não facilita a evitar os erros passados.
Tem um adágio popular que diz: “de médico, advogado e louco todos nós temos um pouco”. O caso envolvendo Roberto Jefferson é a prova do que foi dito. Interessante ouvir alegações totalmente descabidas por certas pessoas que, mais que de advogado, devem ter muito de loucas. Digo isso porque, em relação aos fatos envolvendo Roberto Jefferson, não houve nenhuma ilegalidade praticada pelo Ministro Alexandre de Morais. Senão vejamos;
Para se ter uma ideia, no mês de agosto de 2021, a PGR defendeu a prisão domiciliar para o ex-deputado Roberto Jefferson, com o uso de tornozeleira eletrônica. No mesmo mês, (25 de agosto de 2021) a PGR apresentou denúncia contra Roberto Jefferson.
É fato notório que aquele que não cumpre as condições impostas numa prisão domiciliar, deve ter decretado a sua prisão, visto que as medidas cautelares não surtiram efeito. Esse foi o caso do ex-deputado Roberto Jefferson. O que é pior: além de cometer crimes contra a honra de autoridade federais (Ministra Carmem Lúcia), ainda praticou vários crimes, dentre eles 4 tentativas de homicídios, no meu entender, qualificados, por não dar nenhuma chance de defesa aos Policiais Federais. Uma imagem publicada no jornal aparecia um encosto de cabeça do banco do passageiro dianteiro perfurado pro disparos de arma de fogo! E, pasmem: Roberto Jefferson disse que só queria assustar!
Roberto Jefferson recebeu a Polícia Federal com balas de fuzil e granadas. Foram encontradas diversas armas e mais de 7 mil munições em sua residência. Como ele estava com esses armamentos e munições ainda é um caso a ser
investigado. Para ajudar um “amigo” que teve sua prisão decretada pelo STF, o Presidente da República envolveu um Ministro de Estado para auxiliar na crise. Ora, que crise havia? Se existiu, foi uma crise de caráter. O povo brasileiro assistiu a um criminoso atirando covardemente contra policiais em serviço. O que é pior: fez apologia de seus feitos, publicando nas redes sociais todo o seu modus operandi.
Foi uma situação cômica ver o Padre Kelmom entregar o fuzil para a Polícia Federal. Interessante também mencionar que a PF não desligou a energia da residência, não impediu a entrada de estranhos e nem bloqueou as ligações telefônicas. Coisas básicas quando se está numa situação como essa. Tanto isso é verdade que foi noticiado nos jornais que o Roberto Jefferson falou que iria se entregar só após a chegada do Ministro da Justiça. Em momento algum deixou o celular de lado!
A prisão foi realizada, sendo que o Policial Federal que efetuou a prisão poderia ter sido um pouco mais companheiro com seus colegas de serviço que foram atingidos. Porque falar que eles são burocratas? Jaz no meio do povo brasileiro que a Polícia Federal é uma polícia de ponta e que todos os seus integrantes são e estão devidamente preparados. E as pessoas, sejas cidadãos honestos ou não devem respeitar!
Já imaginaram se essa onda pega?
Parte da sociedade (graças a Deus uma pequena parte) ainda festejou as peripécias do Roberto Jefferson. Alguns até imaginaram que o Presidente da República iria enviar as Forças Armadas para proteger o criminoso. Isso demonstra que a nossa sociedade está deixando de pensar. Com isso está perdendo a capacidade de entender e discutir a realidade. Com as redes sociais, acabou-se a pesquisa, o estudo. Agora tudo é superficial. A história tem como finalidade fazer com que as pessoas sejam melhores e que possam viver em relação de harmonia com o outro.
Infelizmente estamos vivenciando tempos em que está havendo uma escalada antidemocrática e todos os brasileiros devem ficar em alerta. Atos como os praticados por Roberto Jefferson devem ser sempre lembrados, para nunca mais serem repetidos, mas nunca podem ser exaltados. Parafraseando o Ministro Barroso do STF, só apoia esses atos “quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve”.
Os atos antidemocráticos devem ser severamente punidos. O que vivenciamos nestes últimos quatro anos deve ser esquecido para sempre. Em seu twitter, O Ministro do STF Luís Roberto Barroso postou a seguinte matéria:
Pior do que o grito dos maus é o silêncio dos bons. Só pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um passado que nunca houve. Ditaduras vêm com violência contra os adversários, censura e intolerância. Pessoas de bem e que amam o Brasil não desejam isso.
Ricardo Rabinovich (2018, p. 76) cita as palavras de Antonio Perez Amuchástegui, professor da disciplina de Introdução à História no Faculdad de Filosofia y Letras da Universidade de Buenos Aires, que diz: “ciência histórica serve para nos permitir olhar atentamente onde os outros passam distraído”. Olhando atentamente os erros do passado podemos lutar para que os mesmos não se repitam nunca mais!
Numa sociedade democrática como a nossa, o ódio e os discursos de ideologia são inadmissíveis. O verdadeiro estado democrático de direito repousa sobre instituições fortes, povo livre e harmonioso. Não queremos que jamais se repita no Brasil as trágicas cenas antidemocráticas que vimos nos últimos anos. A história nos ensina que todo poder, para ser considerado legítimo, deve obedecer a certos limites, sendo que o limite da democracia é a própria democracia!
No dia 30 de novembro de 2022 o povo brasileiro terá a oportunidade de exercer seu direito de cidadão e lutar pela democracia. Conforme bem disse Winston Churchill, em seu discurso na Câmara dos Comuns, 11 de novembro, 1947, “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.
Salve a democracia! Salve o povo brasileiro!
LUIZ FRANCISCO DE OLIVEIRA
É mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT/ESMAT). Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Tocantins. Professor da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS).
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