“Lula Lá” é uma canção escrita pelo cantor e compositor brasileiro Hilton Acioli para o segundo turno da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, em 1989, invocando um clamor publico que se confirmaria em eleições vindouras, consagrando a grande hegemonia petista personificada na figura de seu líder maior. Na hipótese de uma nova versão atualizada, passados quase 30 anos, podemos imaginar, que a ideia transmitida pela mensagem musical transformou-se num controverso e inquietante debate jurídico e político da atualidade, movimentando tribunais e dividindo a opinião publica, remetendo ao pensamento que onde realmente a sociedade brasileira deseja que o Lula esteja, na presidência ou preso?
Protagonista de um momento crítico da história do Brasil, o ex-presidente Lula é o vértice de uma batalha jurídica que revela a cada ato a fragilidade e imaturidade das instituições jurisdicionais em lidar com fatos que envolvam grande repercussão nacional. Acostumados a laborar com casos que envolvem personagens de certa forma anônimos ou de inexpressiva popularidade, do qual suas decisões são inquestionáveis, o Poder Judiciário dessa vez, se depara com, o que podemos chamar nos termos populares, a maior “batata quente” de sua historia institucional. Nesse domingo, 8, em decisão liminar, o Juiz desembargador de plantão do TRF4 Rogério Favreto. concedeu liberdade ao ex presidente Lula, invocando como fundamento a condição de ser pré candidato a Presidência da Republica e que sua permanência em cárcere ocasionaria prejuízo aos seus direitos constitucionais de disputa. Por sua vez, tal decisão carregada de suspeição, dado o histórico do desembargador de ex filiado do Partido dos Trabalhadores e sua condição precária de plantonista, previsivelmente provocaria uma reação de resistência imediata, e o que realmente ocorreu, o responsável pela carceragem discutiu a decisão, o Juiz Sergio Moro suspendeu suas férias para entrar no imbróglio e o relator Desembargador João Pedro Gebran Neto revogou a decisão em questão de horas dando manutenção à prisão.
Observemos que há uma desconfiguração pairando sobre o Poder Judiciário, fatos como o Desembargador de plantão no domingo revendo decisão de colegiado, o juiz de férias e não mais competente da ação, proferindo decisão questionando competência superiora, primeira instancia desafiando a segunda, e por aí vai. Segundo a Constituição Federal “Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará em casos de: III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;”, mais uma vez temos aqui o dilema do transito em julgado, afinal, é quando esgotar todas as instancias ou já poderá ser aplicado todos seus efeitos no segundo grau de jurisdição? Enquanto o STF não se decide, segue os demais órgãos do judiciário batendo cabeça, sobre o feito.
[bs-quote quote=”A decisão do Desembargador de plantão de libertar o Lula num domingo foi por conta de sua tendência petista ou realmente haveria um fato novo a analisar? O Juiz Sergio mesmo não sendo mais competente pra julgar, fez despacho em plena férias, por compromisso de ofício ou está determinado a mantê-lo preso por questão de honra? Com certeza, a resposta está na consciência e percepção institucional que cada membro dos referidos órgãos detém” style=”default” align=”right” author_name=”RAUCIL APARECIDO” author_job=”É professor universitário e mestre em Direito Constitucional” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/03/Raulcil60.jpg”][/bs-quote]
Contudo, a discussão que queremos propor aqui é sobre a energia mais poderosa que faz de um povo uma nação, faz de uma nação uma sociedade, faz de uma sociedade um estado, qual seja liberdade de decidir seu próprio destino, a soberania de sua auto determinação, a sua legitimidade. Legitimo é aquele que recebe a permissão, a autorização de quem realmente é o titular do poder, em um estado democrático tal titularidade pertence ao povo de forma geral. É o povo que autoriza seus governantes, suas leis e suas instituições.
O caso Lula desencadeou o que chamaremos aqui de paradoxo de legitimidade, visto que a instituições foram constituídas legitimamente para a aplicação de leis legitimas. O fato controverso surge quando o Ministério Publico (instituição legitima de fiscalização da lei) promove ação penal contra um indivíduo e por sua vez o Juiz (instituição legitima de condenação) condena o indivíduo por corrupção a frente da administração publica, sentença confirmada pelo tribunal (instituição legítima recursal) e mesmo assim, em pesquisa eleitoral recente aponta tal indivíduo como líder absoluto pra ocupar a cadeira representante maior da nação (Presidente da República).
O que seria mais legitimo? As instituições autorizadas pelo povo em cumprimento das leis concebidas por esse povo, impedirem o Lula de disputar as eleições, visto que a lei é para todos indiscriminadamente? Ou devem permitir que o povo tenha a liberdade de escolher seu governante seja ele quem for, independente dos feitos ou crimes que eventualmente forem praticados?
A resposta a tais questionamentos requer um maior aprofundamento da questão, num primeiro momento é obvio que defenderemos que as instituições existem pra garantirem a ordem social e que, em um estado democrático de direito todos estão submissos as leis e devem ser responsabilizados por seus atos. Entretanto, devemos advertir que nunca veremos como líder de uma alcateia (lobos) um leão ou de uma colmeia (abelhas) uma formiga, o fato de o povo brasileiro ainda preferir um condenado por corrupção como seu governante maior, aparentemente revela um perfil corruptivo, a deficiência politica evolucional de uma nação que elegeu o culto a malandragem como pilar de sustentação social. Desse raciocínio extrai-se que o fato das instituições (MP e Judiciário) por conta de seus posicionamentos, de certa forma, impedirem o ex presidente Lula de ser candidato, sugere usurpar daqueles (povo) que tem o poder legitimo sobre todos (Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, MP e etc) de escolher livremente seu representante supremo.
No caso do Lula especificamente, ao nosso ver, tem-se criado um grande desafio ao direito, visto que com a potencialidade dos meios de comunicação, redes sociais, somados ao baixo grau de instrução política do povo em geral, adota-se a todo momento o sentimento nacional de condenação absoluta, o que impulsionam as instituições fiscalizadoras (MP e Policia Federal) agirem com maior ímpeto que em alguns casos se confunde com a personalidade de carrasco obcecado e ao Poder Judiciário sugere atributos dos Tribunais de Exceção, feitos pra condenar.
Atualmente, dado os acontecimentos e as condições que envolvem o ex-Presidente Lula, é simples ter esse tipo de percepção. Temos cortes superiores formadas em sua maioria por ministros nomeados pelo próprio ex-presidente Lula e sua sucessora Dilma Rousseff. O dilema se instala quando a decisão do Ministro for a favor, se seria motivada por gratidão ao cargo concedido ou pelo direito estabelecido. Por outro lado, se a decisão for desfavorável seria motivada pela aplicação real da lei ou pra não recair sobre aquele que a proferiu, a suspeição de conluio? A decisão do Desembargador de plantão de libertar o Lula num domingo foi por conta de sua tendência petista ou realmente haveria um fato novo a analisar? O Juiz Sergio mesmo não sendo mais competente pra julgar, fez despacho em plena férias, por compromisso de ofício ou está determinado a mantê-lo preso por questão de honra? Com certeza, a resposta está na consciência e percepção institucional que cada membro dos referidos órgãos detém. Entretanto, exigem dos advogados um esforço redobrado no sentido de preservarem o direito real de seus representados.
Todavia, não queremos aqui ser confundido com alguém que defenda a livre eleição de corruptos, mas, de certa forma, se torna intrigante. Que nação é essa que tende a querer reeleger governantes que lesaram os cofres públicos e de má gestão comprovada? Não é incomum no Brasil reelegerem prefeitos, governadores, deputados, senadores com vasto histórico de processos criminais, fraudes, compadrio, abuso de poder politico e econômico, enfim, o povo de modo geral ainda é adepto as expressões “rouba mas faz” ou “pode até roubar mas me ajudou”. Portanto, uma parcela relevante do povo brasileiro segue na expectativa, firmes no propósito de defender a possibilidade do ex-presidente Lula disputar as eleições presidenciais e querem Lula lá na Presidência do Brasil, outra parcela também relevante, de forma eloquente, querem Lula lá na cadeia. E onde será que o Lula deveria ficar? A nossa sugestão é que, se o povo brasileiro evoluísse sua percepção política, participassem ativamente das decisões, cobrassem efetividade dos seus representantes, fossem mais criteriosos na escolha, talvez nunca teríamos Lula, Temer, Dilma, Cabral, Cunha, Dirceu, lá e nem lugar algum.
RAUCIL APARECIDO
É professor universitário e mestre em Direito Constitucional
professorraucil@gmail.com