O art. 18, parágrafo 4º da CF/88, com a nova redação dada pela EC n.º 15/96, estabelece as regras para a criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, nos seguintes termos e obedecendo às seguintes etapas:
LEI COMPLEMENTAR FEDERAL: determinará o período para a mencionada criação, incorporação, fusão ou desmembramento de Municípios, bem como o procedimento;
ESTUDO DE VIABILIDADE MUNICIPAL: deverá ser apresentado, publicado e divulgado, na forma da lei, estudo demonstrando a viabilidade da criação, incorporação, fusão ou desmembramento de Municípios;
PLEBISCISTO: desde que positivo o estudo de viabilidade, far-se-á consulta às populações dos Municípios envolvidos para aprovarem ou não a criação, incorporação, fusão ou desmembramento. Referido plebiscito será convocado pela Assembléia Legislativa, conforme a lei federal e estadual (art. 5.º da lei n.º 9.709/98);
LEI ESTADUAL: dentro do período que a lei complementar federal definir, desde que já tenha havido um estudo de viabilidade e aprovação plebiscitária, serão criados, incorporados, fundidos ou desmembrados Municípios, através de lei estadual.
Portanto, o PLEBISCITO é condição de procedibilidade para o processo legislativo da lei estadual. Se favorável, o legislador estadual terá discricionariedade para aprovar ou rejeitar o projeto de lei de criação do novo Município. Em igual sentido, mesmo que aprovada a lei pelo legislador estadual, o Governador de Estado poderá vetá-la.
Modificando anterior jurisprudência do TSE (MS 1.511/DF, de 05.06.1992), o art. 7º da Lei n.º 9.709/98 dispõe que a consulta plebiscitária deverá ocorrer perante as populações diretamente interessadas, tanto a do território que será desmembrado como a do distrito que pretende desmembrar-se.
Finalmente, destacamos o julgamento da ADI 2.240, na qual se discutiu as regras do art. 18, parágrafo 4º da CF, especialmente, a necessidade de Lei Complementar Federal fixando o período de criação de novos Municípios. Assim, a Emenda Complementar n.º 15/96, estabeleceu outros requisitos para a criação de novos Municípios, dificultando-a. Essa por sinal, era a intenção do constituinte reformador, visando evitar o surgimento desenfreado de novos Municípios e sob o controle exclusivo da Lei Complementar Estadual.
Conforme noticiado no Informativo 427/STF iniciou-se o julgamento da ADI 2.240, ajuizada pelo PT contra a Lei n.º 7.619/2000, do Estado da Bahia, que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães tendo em vista o desmembramento de área do Município de Barreiras.
Dentre os principais argumentos da inconstitucionalidade da lei destacava-se a violação ao art. 18, parágrafo 4º da CF, na medida em que: i – o novo Município foi criado em ano de eleições municipais; ii – não existia lei complementar federal fixando período para a criação de Municípios; iii – a nova lei estadual violou o regime democrático, na medida em que a consulta prévia plebiscitária não foi realizada com a totalidade da população envolvida no processo de emancipação, mas somente em relação à população do Município que se formou; iv – os estudos de viabilidade municipal foram publicados em momento posterior ao plebiscito.
Resumindo, a criação do novo Município violou, frontalmente, a regra do art. 18, parágrafo 4º da CF, fato este reconhecido pelo então Relator Eros Grau.
Contudo, tendo em vista a excepcionalidade do caso e mudança na posição do STF com relação à criação de municípios, a Corte construiu uma nova interpretação sobre a matéria, a partir do voto do Ministro Eros Grau, Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n° 2.240-7) proposta pelo Partido dos Trabalhadores contra a Lei n° 7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Bahia, que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães. Em síntese, o relator reconheceu a inconstitucionalidade da lei, mas advogou que ela não deve ser declarada inconstitucional, a despeito de conclusões pela inconstitucionalidade, manifestadas pelo Advogado-Geral da União e pelo Procurador-Geral da República.
Portanto, em 2007 foi confirmada a existência, de fato, a partir de uma decisão política, do Município de Luís Eduardo Magalhães, como ente federativo dotado de autonomia municipal. Entendeu ainda que a excepcionalidade da situação resultada da omissão do Poder Legislativo, que não produziu a lei complementar exigida pela Emenda Constitucional n° 15, de 1996.
O Distrito de Mimoso: possuía lei orgânica; tinha produzido mais de duzentas leis municipais; elegido Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores, em eleições organizadas pela Justiça Eleitoral; instituiu e arrecadou tributos de sua competência; recebeu recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef); possuía registro de veículos, eleitores, alunos; a população, estimada pelo IBGE era de 22 mil habitantes no ano de 2005, quase toda de eleitores; possuía elevado volume de telefones fixos e o maior consumo per capita em telefonia celular do Estado da Bahia. Após reconhecer que a existência do Município decorreu de uma decisão política de exceção, o Ministro acrescentou que foi instalado, por esse processo, um ente federativo dotado de autonomia municipal.
Assim, desde 1996, NÃO é possível criar novos municípios, devido à inexistência da lei federal exigida para determinar o prazo no qual esses entes podem ser criados. excetuaram-se os que já estavam com os processos em andamento quando da edição da Emenda n° 15/96, pois sua situação foi resguardada por lei. Trata-se da Lei n° 10.521, de 18/07/02, que assegurou a instalação de municípios cujo processo de criação foi iniciado antes da promulgação da EC n° 15, após resultado favorável do plebiscito e com base em leis de criação estaduais que tenham obedecido à legislação anterior, o que não é o caso de LUZIMANGUES, pois, nenhum PLEBICISTO ocorreu antes da mencionada Lei Complementar envolvendo o Município-sede de Porto Nacional!
Por isso, reconhecida INÉRCIA do Congresso Nacional em apreciar os vários projetos de Lei Complementar que tramitam há 22 anos após edição da EC n.º 15/96, no julgamento da ADI por OMISSÃO n.º 3.682, o STF, fazendo um apelo ao legislador, fixou um prazo de 18 meses para que o art. 18, parágrafo 4º da CF/88 fosse regulamentado, o que não ocorreu até a presente data.
Via de conseqüência, as diversas ADI´s julgadas, o Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade das lei estaduais que criaram Municípios sem a existência da LC federal, não pronunciando a nulidade dos atos, e, mantendo a vigência por mais 24 meses, mantendo o efeito prospectivo ou futuro, acaso o congresso editasse a norma competente.
Buscando regularizar a situação de vários Municípios, o Congresso Nacional promulgou a EC n.º 57, de 18.12.2008, acrescentando o art. 96 ao ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, com a seguinte redação: “ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31.12.2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação”. Uma emenda casuística, atípica, inconstitucional e imoral.
As Leis Complementares das Assembléias dos Estados BA/MT/SC/PA/RS que criaram municípios de LUIS EDUARDO MAGALHÃES, SANTO ANTÔNIO DO LESTE, MONTE CARLO, ÁGUA AZUL DO NORTE, e, por último, em 2011, o Município de PINTO BANDEIRA, com publicação da lei estadual até 31/12/2006, foram convalidadas em ADI´s por deliberação judicial do STF e não pelas vias administrativas legais, que, apesar de precedentes judiciais não extingue a necessidade de Lei Complementar Federal que regularize o processo de formação dos Municípios, sendo as últimas autorizações judiciais, EXCEPCIONALIDADE POLÍTICA.
Na verdade, a EC n.º 57/2008 apenas validou a criação inconstitucional dos referidos Municípios anteriormente estabelecidos sem a existência de LC federal. O caso de LUZIMANGUES, somente seria viável, acaso tivesse LC Estadual de criação publicada até 31.12.2006, o que poderia, a exemplo dos demais citados, ser viabilizada sua criação judicial no STF por Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão do Congresso Nacional.
Por tais motivos, não há dúvida de que se eventual Município vier a ser criado após 31.12.2006 e ainda não tiver sido editada a LC federal prevista no art. 18, parágrafo 4º da CF/88 também estaremos diante de um vício formal de inconstitucionalidade, sendo URGENTE que o Congresso Nacional elabore lei complementar que determine o prazo para criação de novos munícipes.
Marcos Aires
É advogado, especializado em ciências políticas, direito constitucional e ex-procurador geral do Município de Porto Nacional.
marcosairesadvoc@uol.com.br