É público e notório que o Estado do Tocantins foi criado pela Assembléia Nacional Constituinte de 1988, cabendo à Assembléia Estadual constituinte a elaboração da Constituição Estadual em até um ano após a promulgação em 05/10/88 da CF. Previa ainda, a designação de uma das cidades do Estado para sediar a Capital do Estado, até a aprovação da sede definitiva do Executivo pela Assembléia Legislativa. (art´s. 11 e 13 da ADCT/CF).
A aprovação da Constituição Estadual do Estado do Tocantins se dera em 05/10/1989, momento em que passava a existir no mundo jurídico, político e administrativo. Após sua primeira eleição autorizada pela CF de 1988, e, eleitos os Deputados, estes desembarcaram em Miracema do Tocantins, mas não podiam ainda atuar sem que ocorresse a promulgação da Constituição do Estado, portanto, seus atos eram meramente administrativos e precários, e foi justamente aí que começaram os tropeços e equívocos do novo Estado, e, em especial da criação da Capital…
[bs-quote quote=”O processo de regularização fundiária da Capital foi deficiente e carece de resposta política de seu legislativo já que até o momento inexiste lei válida que indica a abrangência do quadrilátero tornando os demais atos de desmembramentos territoriais e setoriais utilizados para instalação da Capital ilegítimos e ineficazes na esfera jurídica” style=”default” align=”right” author_name=”Marcos Aires” author_job=”É jurista” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/08/Marcos-Aires60.jpg”][/bs-quote]
A partir da aprovação da LEI n.º 009 de 23 de Janeiro de 1989 que declarava a UTILIDADE PÚBLICA para efeito de EXPROPRIAÇÃO de terras rurais para implantação da capital definitiva do Estado do Tocantins, cuja área em formato de QUADRILÁTERO incluiu os Municípios de Miracema do Tocantins, Pedro Afonso, Tocantínia, Porto Nacional, Paraíso do Tocantins, Barrolândia e Miranorte, com 8.100 (oito mil e cem quilômetros quadrados), iniciou-se os trabalhos topográficos e demarcatórios para construção da nova sede da Capital do Estado do Tocantins.
Os atos expropriatórios ocorriam sem qualquer formalidade legal já que, sem uma Constituição Estadual, nenhum ato era perfeito e acabado juridicamente, e, assim, tudo foi feito até a promulgação da Constituição Estadual em 05/10/1989. Na verdade, a lei n.º 009/89 de janeiro de 1989, que limitou o QUADRILÁTERO não tinha EFICÁCIA JURÍDICA porque ainda não tinha instituídos os Poderes de Estado (legislativo, executivo e judiciário), conforme previsão do art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF de 88 que limitava até 05/10/1989, portanto, resta comprovado que o quadrilátero da Capital ainda depende de regulamentação legislativa ou convalidação dos atos aperfeiçoados segundo a lei fundiária e plano diretor urbanístico.
Diferentemente de sua regularização fundiária, a instituição legal da Capital se deu dentro das formalidades legais em 20/05/1990, porém, a partir de sua criação e instituição do poder legislativo e executivo por lei orgânica municipal, enquanto já eram legítimos para regulamentar o processo expropriatório e fundiário, a história revela uma condução exclusiva por parte do Estado, ficando a Capital refém das ações do Executivo Estadual em evidente violação à sua autonomia administrativa e política.
Evidencia-se desse modo, que o processo de regularização fundiária da Capital foi deficiente e carece de resposta política de seu legislativo já que até o momento INEXISTE lei válida que indica a abrangência do QUADRILÁTERO tornando os demais atos de desmembramentos territoriais e setoriais utilizados para instalação da Capital ilegítimos e ineficazes na esfera jurídica.
Os transtornos judiciais decorrentes de ações administrativas se agigantavam diante das inconsistências entre o projeto de implantação da Capital e os que defendiam seus direitos de propriedade, sendo que até o momento, mesmo resolvendo parte do problema fundiário ainda resta uma grande parcela de proprietários que litigam na justiça visando receber indenização ou reaver suas propriedades.
A incorporação de áreas rurais dos Municípios atingidos dentro do quadrilátero inválido que tornava tais propriedades incluídas na lei 009/89 como sendo de utilidade pública para efeito de expropriação retirava toda e qualquer legitimidade do Estado para promover a regularização fundiária dessas áreas já incorporadas dentro do plano diretor urbanístico da Capital, sendo que o ITERTINS de modo fraudulento e temerário emitiu títulos NULOS enquanto tramitava a Ação Discriminatória de n.º 335/82, conforme vedação do art. 250, inc. I da lei 6.015/73 que prevê o cancelamento da matrícula de imóvel somente em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado.
A maior parte da área destacada para implantação da Capital era pertencente ao Município de Porto Nacional, sendo que em 1989 iniciou-se por parte do Estado do Tocantins o processo judicial de expropriação das matrículas de n.º 5.671 e 5.672 que já estavam sendo parcialmente discutidas na Ação Discriminatória n.º 335/82, ou seja, enquanto o processo discriminatório busca individualizar a propriedade pública e privada sobre terras da Coroa Portuguesa que eram consideradas devolutas, mas com registros paroquiais ativos em nome de particulares perante os cartórios, o Estado tentava expropriar os proprietários mediante indenização para construção da Capital, mas esbarrava no texto da lei e seus impedimentos imediatos a depender da velha e lenta marcha processual.
Em 1991, visando agilizar o processo expropriatório, o Estado do Tocantins, sem deliberação judicial, e, apenas com pedido da PGE – Procuradoria Geral do Estado ao Cartório de Palmas criaram deliberadamente 06 (seis) matrículas envolvendo toda a área de desapropriação e as grandes glebas: Água Fria – Mat. 2.756; Loteamento Canela – Mat. 2.749; Imóvel Canela – Mat. 2.759; Imóvel Taquarussú – Mat. 2.761; Imóvel Taquari ou Tatá – Mat. 2.735 e Loteamento Santa Fé – Mat. 2.760, cancelando administrativamente as matrículas dessas áreas em nome de seus proprietários. No mesmo ano (1991) o Magistrado do feito expropriatório de n.º 2.106/89, EXTINGUIU a ação de expropriação mandando devolver as respectivas áreas a seus proprietários, pois ausente, o obrigatório DECRETO DE UTILIDADE PÚBLICA.
Criada pela Lei 06 de 23 de janeiro de 1989 (outra lei inválida – pois a assembléia não podia aprovar nenhuma lei antes de sua criação constitucional limitada a 05/10/89) a CODETINS – Companhia de Desenvolvimento do Estado do Tocantins incorporou em seu ativo financeiro e administração de toda a zona urbana do suposto quadrilátero e lotes micro-parcelados dessas terras e revendeu a terceiros. Diversos negócios foram realizados pelo Estado com terceiros dando ar de legalidade enquanto a raiz do problema fundiário se arrastava por diversas vias da gestão e poderes constituídos.
Em 1992, mais um equívoco se avizinhava, a famosa e adormecida Ação Discriminatória de n.º 335/82 foi julgada procedente em favor do Estado havendo declaração de ineficácia jurídica dos títulos paroquiais, reconhecendo as terras de domínio estadual. Assim, as aquisições das próprias terras pelos atingidos por meio do ITERTINS, ou, sua devolução, mesmo com sentença favorável à POSSE e PROPRIEDADE da Ação de Desapropriação e exclusão das seis matrículas criadas pelo Cartório a pedido da PGE, houve a perda da propriedade em 1994.
Os atingidos ingressaram com recurso de Apelação Cível n.º 1.620/95 junto ao Tribunal de Justiça em face da decisão de 1ª. instância da Ação Discriminatória n.º 335/82 que declarou ser as terras de domínio estatal. Em 1997 o TJ confirmou a sentença de primeiro grau, com ressalva àqueles que tinham adquirido suas terras diretamente do Estado do Tocantins, a regularização havia reconhecido a posse e domínio da propriedade.
Em 1999, foi criada a matrícula 30.770 com abrangência de todas as áreas, sem, contudo, delimitar o contexto urbano e a destinação de interesse social e público dessas áreas, e, pior, o TJ determinou o cancelamento de todos os títulos expedidos pelo ITERTINS, o que complicou a situação fundiária já que ninguém tinha segurança jurídica dos atos praticados pelo Estado, gerando o ajuizamento de novas ações. Os atingidos ingressaram com Ação Rescisória, mas nada adiantou, sendo mantido este último entendimento, as terras seriam de propriedade estatal.
Em 2003, os atingidos ingressaram com mandado de segurança junto ao TJ sendo negado. Em 2005 ingressaram com novo mandado de segurança de n.º 19.830-TO junto ao STJ, sendo garantida a devolução das terras apropriadas pela criação da matrícula 30.770 para aqueles que já haviam regularizado junto ao ITERTINS. Embora esta decisão englobe todos os atingidos incluindo os detentores de domínio paroquial, a mesma vem sendo cumprida de forma equivocada e leviana em benefício da política de compadrio. Registre-se que muitos que tiveram sua terra devolvida no processo judicial, a mesma foi regularizada a terceiro particular sem qualquer interesse público ou social decretado ou delimitação de decreto expropriatório.
Posteriormente, em 2006, o então Corregedor-Geral de Justiça do TJ e Desembargador Daniel Negry moralizou a questão, sob o fundamento de que se as matrículas foram atingidas é porque foram reconhecidas de particulares, sendo devida a regularização ou indenização de seus titulares. Finalmente, em 2010 o CNJ analisando o Pedido de Providências n.º 2009.10000059144/09 determinou ao CRI de Palmas a devolução imediata dos atingidos sem identificar especificamente cada caso e mais uma vez permitiu novas irregularidades pelo CRI da Capital e ITERTINS que passavam a interpretar a decisão favorável ao terceiro não proprietário da área e preterido na titulação e indenização. O ITERTINS adotou como praxe a validação de títulos fraudados no curso da discriminatória e antes do trânsito em julgado em prejuízo dos legítimos proprietários.
O fato é que, se, a Capital foi implantada e declarado o interesse público e social mediante a identificação dessas áreas é porque se tem a certeza da titularidade desses imóveis e a obrigatória indenização ou regularização fundiária ao seu proprietário que não foi atingido pela Ação Discriminatória que perdeu seu objeto a partir da necessária criação da Capital (mesmo sem validade da utilidade pública da Assembléia sem poderes para tal antes da constituição estadual), pois, todo o quadrilátero se exclui da competência estadual fundiária, porém, sem que haja a regulamentação do quadrilátero da Palmas as regularizações encontra-se comprometidas a passíveis de revisão pelo Município na medida em que o Estado não tinha legitimidade nem competência para regularizar áreas destinadas a seu plano diretor dada sua autonomia administrativa prevista no art. 18 da CF.
O Município de Palmas teve sua autonomia seqüestrada na medida em que o ITERTINS alienava áreas na abrangência da zona urbana e não destinava ou prestava contas das revendas desses imóveis nos termos do art. 4º da lei 3.365/41, pois, tais áreas rurais desmembradas dos municípios se transformaram em imóveis urbanos com destinação em grande parte ainda não definida, sendo a prova o grande número de propriedades tituladas a terceiro e não ao titular sem qualquer destinação de interesse social e pública no entorno da Capital e cinturão verde que impedem o crescimento da cidade além de constituir fonte de especulação imobiliária.
Diante o exposto, compete ao Executivo e Legislativo local propor a revisão do plano diretor e identificar o desvio de finalidade na implantação da Capital, buscando identificar os prejudicados e apresentar solução aos impasses criados já que houve por parte do Governo Estadual edição da Lei n.º 3.525/19 que reconhece o titulo paroquial reabrindo a possibilidade do Município em finalizar demandas inconclusivas e consolidar o Plano Diretor como referência no mercado imobiliário e econômico ainda renitente a tais questões, além de proporcionar a paz social e cidadania aos munícipes que ainda pelejam com a sonhada e inacabada regularização fundiária de sua propriedade.
MARCOS AIRES
É jurista especialista em direito agrário e constitucional
marcosairesadvoc@uol.com.br