A questão é simples. O Supremo Tribunal Federal determinou à Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins, na ADI 7350, que só fizesse eleições para sua mesa diretora a partir do último domingo de outubro. Não antes. E a Assembleia, que já tinha feito eleições em junho, deu uma aula de maturidade institucional e respeito à Justiça: revogou o pleito realizado e convocou um novo, adequado às regras estabelecidas pelo Supremo. Trata-se de mero cumprimento de ordem judicial, não de deliberação da Assembleia. Nesta sexta, 29 de novembro, a ALE-TO realizará eleições perfeitamente válidas e sem risco de anulação judicial.
A nova eleição atende o critério temporal estabelecido pelo STF
Em 2022, emendou-se a Constituição do Estado do Tocantins para permitir a eleição antecipada para a mesa da Assembleia Legislativa. No início de 2023, elegeram-se simultaneamente, para a presidência da ALE-TO, os deputados Amélio Cayres (Republicanos), para o biênio 2023-2024, e Léo Barbosa (Republicanos), antecipadamente, para o biênio 2025-2026. Em março de 2024, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a emenda à Constituição do Estado, a Resolução da ALE-TO que a regulamentava, e a própria eleição antecipada.
O argumento do Supremo é que o sistema democrático brasileiro se caracteriza pelo voto periódico, e que, portanto, a eleição deve-se dar em período contemporâneo ao início do mandato, para garantir que os eleitos representem a vontade da maioria no momento político mais atual. Nesse mesmo julgamento, o STF estabeleceu que, para as Assembleias Legislativas dos Estados, eleições contemporâneas ao início do mandato significam eleições realizadas posteriormente ao último domingo de outubro do segundo ano do mandato parlamentar vigente.
Possibilidade de autotutela
Em junho, a ALE-TO, de fato, realizou eleições em franco descumprimento à determinação do STF. Mas na última quarta-feira, 27 de novembro, a Assembleia mostrou que não tem compromisso com o erro, voltou atrás no descumprimento e convocou, agora em período autorizado, novas eleições para a mesa diretora.
Vale lembrar que a Administração Pública sempre pode anular seus próprios atos quando ilegais, assim como já reconhecido pelo STF na antiquíssima, e ainda vigente, Súmula 473. É o chamado princípio da autotutela. E vale lembrar também que a jurisprudência do STF também só exige que seja precedida de regular processo administrativo a anulação de ato que já tenha produzido efeitos concretos – o que não é o caso, já que não houve sequer posse da mesa eleita em junho.
Mais que autotutela, cumprimento da decisão do Supremo
No caso particular, contudo, não se trata nem propriamente de “autotutela”, já que foi o STF que, na ADI 7350, expressamente anulou as eleições antecipadas para a mesa da ALE-TO e estabeleceu o período correto para sua realização. O que a ALE-TO fez foi apenas retroceder em ato que consubstanciava violação a essa determinação. Não seria necessário aguardar o Supremo reconhecer em reclamação constitucional o descumprimento – o que certamente aconteceria – para saber que havia descumprimento do comando específico da ADI 7350.
Como se trata de mero cumprimento de decisão judicial, e portanto de ato não-deliberativo da Assembleia, não tem grande relevo discutir quais regras regimentais regulam ou deixam de regular a revogação do pleito viciado. A ALE-TO não poderia se servir de querelas regimentais para se esquivar de cumprir decisão do STF. De todo modo, o art. 13, III, confere à Mesa Diretora a competência para adotar as providências para cumprir decisão judicial relativa à suspensão de ato normativo. Daí que a deliberação em plenário seja, na realidade, apenas um reforço – politicamente louvável, mas juridicamente desnecessário – da legitimidade do ato. A revogação do pleito de junho, ademais, deu-se com 18 votos. Isto é: quórum suficiente para preencher absolutamente qualquer quorum previsto no regimento da ALE-TO. No processo legislativo, como no processo em geral, vige a regra do pas de nullité sans grief: isto é, de que não há nulidade sem prejuízo.
Limites à interferência do Judiciário
Além de tudo isso, o STF já decidiu, em seu tema 1120 de Repercussão Geral, que o Poder Judiciário não pode exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis. Pensar, portanto, que o Poder Judiciário vai anular ato de cumprimento de decisão sua porque esse não se deu segundo essa ou aquela interpretação mais elástica do regimento é pensar que o rabo vai abanar o cachorro.
JOÃO BENÍCIO AGUIAR
Advogado pela FGV e mestrando pela UnB. Especialista em Cortes Superiores. Sócio do Aguiar e Mello Advogados. Tem formação complementar pela Fudan University (China), Science Po (França) e Universidade de Salzburg (Áustria).
JOÃO PEDRO MELLO
Doutorando, mestre e bacharel em direito pela UnB. Especialista em Cortes Superiores. Sócio do Aguiar e Mello Advogados. Autor de livro e artigos jurídicos.