Com base no inquérito da Operação Éris, o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu na segunda-feira, 13, uma denúncia contra o governador afastado Mauro Carlesse (PSL), os ex-secretários Claudinei Quaresemin, Cristano Sampaio e Rolf Vidal, além de outros 11 nomes, entre delegados e servidores. A investigação aponta a existência de uma organização criminosa liderada pelo social liberal que teria aparelhado todo o sistema de segurança pública do Tocantins. Além da imposição de penas relacionadas a cada crime praticado, o documento assinado pela subprocuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, quer a manutenção dos afastamentos e, ao final, a perda dos cargos públicos, além de indenização mínima de R$ 1 milhão a título de danos morais coletivos.
Desmantelamento da Divisão de Combate à Corrupção
A longa ação penal contém 208 páginas e lista entre os crimes que teriam sido praticados: falsidade ideológica majorada, denunciação caluniosa de funcionário público e, a principal, obstrução de investigação de organização criminosa. Neste caso, o MPF argumenta que o grupo começou a fazer mudanças na estrutura da Secretaria de Segurança Pública (SSP) com advento de investigações contra aliados e agentes a o governo – Expurgo, Assombro e Espectro -, mas medidas mais drásticas foram adotadas conforme as ações se aproximaram de Claudinei Quaresemin, especificamente em inquéritos sobre irregularidades no Plano de Saúde do Servidor (Servir, antigo Plansaúde) e da Operação Via Avaritia. “Nesse passo, decidiu-se que a estratégia que mais atenderia aos interesses da organização criminosa era o completo desmantelamento da Divisão Especializada de Combate à Corrupção (Decor)”, resume.
Fim da inamovibilidade
Dentro deste contexto, o MPF narra entre as ações para assumir total controle da SSP: exoneração dos responsáveis por investigações contra aliados e o próprio Palácio Araguaia, troca de comando na Delegacia-Geral, mudança na Diretoria de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Dracco) – este no mesmo dia da deflagração da 2ª fase da Via Avaritia -, além da série de mudanças na legislação que permitiriam “inviabilizar, embaraçar e inibir quaisquer investigações sobre atos de corrupção do governo”, como o fim da inamovibilidade dos delegados sem necessidade de manifestação do Conselho Superior de Polícia Civil (CSPC), previsão que foi vetada na alteração do estatuto da categoria. “Demonstrando expressamente sua rejeição a qualquer obstáculo à livre movimentação dentro da instituição”, argumenta.
Desmantelamento da Decor
Para além destas mudanças, Mauro Carlesse ainda editou Medida Provisória para criar 177 funções de confiança na Polícia Civil que continha 172 delegados para burlar a Lei Federal que exige a fundamentação para a realização da remoção dos profissionais. “A partir deste momento, não havia mais a barreira da garantia funcional da inamovibilidade e nem inconveniente da motivação para a prática do ato que acarretaria uma remoção imotivada”, narra. Assim que os quatro delegados da Decor deixaram os postos para outras funções. Na época, o Estado movimentou 75% do efetivo, decisão que teria sido unilateral de Cristiano Sampaio. “Mais uma vez, os denunciados se utilizaram do subterfúgio da atuação genérica e imparcial do Estado para, neste caso, desmantelar por completo a Divisão Especializada de Combate à Corrupção, impedindo e embaraçando investigações que ali tramitavam”, defende.
Grande interesse
Em posse de mensagens de Mauro Carlesse entre Rolf Vidal e Keliton Barbosa, o MPF indica a relevância da mudança na Divisão Especializada de Combate à Corrupção para o gestor afastado, isto porque ambos enviaram – uma hora depois de proferida – a decisão do Tribunal de Justiça (TJTO) que restabeleceu o remanejamento dos delegados após questionamento do sindicato da categoria. “Inegável que os denunciados movimentaram toda a máquina pública para conseguir a remoção da Decor. Demonstração disso é o grande interesse da cúpula do governo estadual no tema e, diretamente, do próprio governador”, justifica.
Falsidade ideológica
Conforme a subprocuradora-geral da República, o suposto grupo criminoso ainda teria cometido crime de falsidade ideológica de documentos públicos na justificação ao Tribunal de Justiça (TJTO) para a movimentação dos delegados, dentro do processo judicial aberto pelo Sindepol. “Cristiano Sampaio, com plena consciência de que inexistiam fundamentos para os atos, determinou à Delegada-Geral da Polícia Civil, Raimunda Bezerra de Souza, que providenciasse fundamentação, o que foi feito por meio de produção, com falsidade ideológica, de ofícios”, diz a denúncia. O grupo então teria criado ofícios que sugeriram uma reunião conjunta entre a Delegacia-Geral, as Diretorias da Capital e do Interior e a Dracco que foram a fundamentação para a decisão pelas remoções, o que nunca ocorreu. O delito foi repetido em outras ocasiões.
Se mexer só em Araguaína e Palmas irá configurar perseguição
Um documento apreendido nas dependências da Dracco, conforme o MPF, confirma a intenção criminosa no remanejamento dos profissionais. “Cuida-se de uma planilha com nomes e lotações de Delegados de Polícia do Interior. O documento foi empregado nos trabalhos de remoção das autoridades policiais pelo Estado do Tocantins, contendo anotações. Uma dessas anotações deixa fora de qualquer dúvida o objetivo dos denunciados: ‘Obs.: mexer só Araguaína e Palmas configurará perseguição’”, revela a subprocuradora-geral. As delegacias nestas cidades foram as responsáveis por investigações contra o governo e aliados.
Prejuízo das investigações
A subprocuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, argumenta na ação penal que a mudança na Divisão Especializada de Combate à Corrupção acabou por prejudicar diretamente as investigações em curso contra membros do governo e aliados. “O afastamento dos delegados da Decor causou imediato prejuízo ao andamento das investigações, conforme foi amplamente demonstrado, em diversos inquéritos policiais, consumando-se o impedimento ou, no mínimo, embaraço a apuração de infração penal que envolva organização criminosa. […] Os novos delegados da divisão passaram a embaraçar as investigações que poderiam atingir membros dos Poderes Executivo e Legislativo, contrapondo-se ao ritmo da equipe de removidos”, resume.
Denúncias caluniosas
Ainda conforme o MPF, o suposto grupo criminoso ainda teria recorrido às denúncias caluniosas para manter o controle da SSP. Novamente uma mudança na legislação garantiu a atuação, isto porque o Estado acabou com as garantias funcionais da vitaliciedade e da independência funcional da categoria, o que permitia uma demissão apenas com decisão judicial transitada em julgado e blindava a atividade de interferências políticas; além de criar “vários ilícitos administrativo-disciplinares com conceitos amplos”. “Com a revogação, o processo administrativo-disciplinar se tornaria suficiente para a perda do cargo”, explica a denúncia.
Controle da Polícia Civil por meio da retaliação e intimidação
Com mais esta mudança na legislação e mudanças de comando na estrutura, o grupo passou a adotar uma “atuação repressiva” para garantir “controle pleno e efetivo da Polícia Civil por meio da retaliação e intimidação”. “Com a estrutura normativa já consolidada e a cooptação da Corregedoria-Geral de Polícia, os denunciados, por sete vezes, deram início à persecução administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabiam inocentes”, aponta o MPF. O órgão ainda anexou a troca de mensagens que indica que “as ordens para a total cooptação das forças da Secretaria de Segurança Pública partiam de Mauro Carlesse”. Outro ponto destacado é a comunicação de Sampaio ao Claudinei Quaresemin sobre estes processos contra delegados. “Pela lógica da estrutura administrativa, não faz nenhum sentido um Secretário de Segurança Pública dar satisfações a um Secretário de Parcerias e Investimentos”, sugere.
Outros envolvidos
Além de Mauro Carlesse, Claudinei Quaresemin, Cristiano Sampaio e Rolf Vidal, ainda são denunciados: os delegados Servilho Silva De Paiva, Cínthia Paula De Lima, Gilberto Augusto Oliveira Silva, Iolanda De Sousa Pereira, Juliana Moura Amaral Quintanilha, Lucélia Maria Marques Bento, Raimunda Bezerra De Souza, Ronan Almeida Souza, Wilson Oliveira Cabral Junior, Thiago Emanuell Vaz Resplandes e Paulo Henrique Gomes Mendes.