Sempre utilizei nas equipes que atuei e comandei, uma anedota simples que assisti em um filme. Achei simples, sutil e emblemático, quase algo que une conceitos antagônicos. Consistia no seguinte. Um recém executivo empossado numa entidade pública, ao adentrar em sua sala encontra na sua nova mesa de trabalho três cartas. Seriam “instruções para momentos de crise”. Pois bem. Como de praxe logo surge o primeiro problema e rapidamente o executivo abre a primeira carta. Nela estava escrito “coloque a culpa no antecessor”. Deu certo e ele se viu longe do problema. Sem tardar, se depara com o segundo problema. Ao abrir a segunda carta, leu a seguinte mensagem, “troque sua equipe”. Novamente conseguiu livrar-se do problema que enfrentava. Após um tempo, não muito longo, surge o terceiro problema. Encurralado não encontrou outra alternativa imediata a não ser abrir a terceira carta. Seu breve texto dizia apenas “escreva três cartas”. Aos que me conhecem, especialmente no ambiente de trabalho, sabem em que ocasiões utilizei destas anedotas. Elas serviam a nos inspirar a resolver os nossos problemas sem abrir as cartas.
Uso esse brevíssimo conto para nos ajudar a ilustrar, de forma didática, o recente momento que vivemos no Tocantins. E o que me motivou foi a recém coletiva do atual Governo para “dar transparência a situação caótica das contas do Estado”. Ora, como se estivesse faltando transparência nos últimos anos. Basta pegar todos os registros de tudo que foi dito e informado a imprensa e na própria Assembléia Legislativa nas oportunidades em que foram apresentados os Relatórios de Gestão Fiscal. Houve muita transparência, o que faltou foi interesse em compreender ou até em sugerir novos rumos. Em tempo, o atual Governador interino era Presidente da Casa de Leis.
[bs-quote quote=”O Estado precisará respirar e arrisco dizer que isso terá que representar no mínimo dois anos sem crescimento da folha, com trabalho diário para redução da estrutura geral, do custeio, dos contratos e claro, de aumento da arrecadação. Para que aí sim, de forma saudável, com os pés no chão o Estado possa conceder aquilo que é direito, mas com responsabilidade” style=”default” align=”left” author_name=”GEFERSON OLIVEIRA BARROS FILHO” author_job=”Ex-secretário estadual da Administração” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/05/GefersonBarros60.jpg”][/bs-quote]
Voltando ao que de fato interessa. Falo de didática porque o tema a se tratar, apesar de atingir todos os dias a mesa de almoço de cada cidadão tocantinense, talvez não tenha sido compreendida por todos. E incrivelmente, principalmente, pela classe política do Estado. Vivemos um momento de nebulosidade e gravidade extrema. E a culpa do atual status que vivemos não é de indivíduos, de políticos, é de um Estado inteiro.
Responsabilidade compartilhada, no sentido literal, por todas as classes e cidadãos do Estado que tenham a mínima condição de lucidez e compreensão da importância das instituições públicas em sua vida cotidiana. Eu estou preocupado e todos deveríamos estar. E não dá pra esperar a solução nas três cartas. Explico:
a) O maior problema do Estado do Tocantins, há anos, é a gestão fiscal. Não é Saúde, não é Educação e não é Segurança. Estes temas na verdade são soluções para a população viver melhor e segura. Todas essas atividades fim, se tornaram deficitárias e estão comprometidas pela gestão fiscal. Gastamos há anos em despesas obrigatórias mais do que arrecadamos. O que temos de entrada financeira na conta do Estado, desde 2011, que vem do Governo Federal e dos tributos pagos no Estado como ICMS não pagam folha de pagamento, duodécimo, repasses aos municípios, custeio básico, decisões judiciais, obrigação dos 25% em gastos com Educação. Supondo que recebemos de receita 600 milhões, gastamos 700 milhões. É uma forma grosseira de explicar mas é isso. Assim mesmo. Isso tem ao menos 8 anos se agravando ano após ano. Mesmo que tenham tido esforços recentes de solucionar os problemas, eles foram agravados.
Ora por discricionariedade, ora pelas crises econômicas enfrentadas nacionalmente que nos afetam diretamente (devido nossa insuficiência de receita própria para manter a máquina). O resultado é custo alto e baixo investimento (obras principalmente), que atualmente representa apenas 5% de tudo que é arrecadado. Em valores representa apenas 457 milhões dos 9,1 bilhões arrecadados em 2017. Em português claro, é muito pequeno nosso investimento. Se fosse maior geraria emprego, renda e mais recursos no caixa. Atingiria a classe trabalhadora. Quando tivemos a oportunidade de um empréstimo para ajudar na correção de curso do Estado, os recursos para grandes obras pararam eleitoralmente em lama asfáltica para garantir apoio de prefeitos que precisavam tapar seus buracos nas ruas e não tinham condições.
b) Outro problema grave é a completa ausência de tratamento dessa agenda como prioritária. Principalmente pela classe política. O maior exemplo disso é a atual eleição tampão. Totalmente atemporal e prejudicial ao Tocantins. Nenhum candidato coloca essa como pauta prioritária. Motivo simples. Não dá voto porque não é fácil explicar a nossa população. É mais fácil tirar foto com cachorro, andar de moto sem capacete, tomar uma bicicleta de entregador, transformar uma reunião em circo sem saber o nome de quem está no picadeiro, simplesmente dizer que nasceu aqui (eu nasci em Formosa-GO meu pai é de Pium minha mãe de Porto Nacional, portanto sou tão tocantinense quanto qualquer outro), essas coisas. Puro discurso demagógico que em nada vai ajudar o Estado. É triste para quem assiste de plateia esse jogo político.
Acredito nas pessoas e na sua capacidade de mudar. Talvez o programa eleitoral mude isso. Vamos aguardar. Contudo é melhor irmos lembrando que sem tratar dessa agenda, não vai ter hospital de Gurupi, de Araguaína, ponte de Porto Nacional, mais policiais, aumentos salariais, nada disso. Simples assim mesmo. O que significa que aquele que prometer isso na televisão, sem tratar antes de como resolverá a situação fiscal estará mentindo ou no mínimo omitindo o meio de fazê-lo. Pra ficar mais claro, é como um jogo de futebol. Exemplo popularesco. Não adianta escalar 7 atacantes, 3 zagueiros e o goleiro… sem o meio de campo não tem criação, não tem gol, não tem resultado. E o meio de campo tem 3 jogadores: Fazenda, Planejamento e Administração.
c) Como se não bastasse, vem o desafio. Como ajustar de fato? Não é tão simples como parece, acreditem. E ocorreram tentativas recentes sim. A começar pela maior despesa (que não é a folha de pagamento dos servidores). Isso mesmo. A maior despesa é o tamanho da máquina do Estado inteiro. Por exemplo: A Secretaria Estadual da Saúde em 2017 fez um estudo amplo de redimensionamento dos hospitais do Estado. A proposta basicamente consistia em transformar alguns hospitais regionais em unidades de atendimento básico. Razão: custo x atendimento. O hospital custa 1 milhão pra manter e tem um ônus de atendimento de 25% deste valor. Ou seja, custa 1 milhão mas atende o equivalente a 250 mil reais (procedimentos de baixa complexidade, internações, cirurgias simples como apendicite).
Procedimentos perfeitamente compatíveis com atendimentos eletivos que poderiam ser direcionados a outra unidade, que poderia contar com 750 mil reais a mais de custeio pra bancar despesas de outras regiões que não sejam aquelas atendidas por um hospital deficitário. Complexo? Não, simples. O Estado redimensionando uma unidade que custa muito pode economizar pra bancar outra que não funciona como deveria. Agora como ajustar isso politicamente. Mesmo com o Governador autorizando vem os esbarros. Parte da imprensa não compreende, os órgãos de controle rechaçam, os deputados pressionam por conta dos cargos e o prefeito não consegue arcar com o ônus que é imposto a ele na política do SUS. Com isso poderiam ser diminuídos os custos com pessoal do Estado por exemplo. Fazendo isso em cadeia todos ganhariam em médio prazo. Mas a política não espera. Não há entendimento. O caminho é a transparência e o diálogo, não há outro. Mas a construção é complexa demais.
d) Finalmente, o que se gasta com folha de pagamento precisa sim ser estacando imediatamente. O custo da folha hoje basicamente se divide em pelo menos 3 grupos: 1) cargos em comissão e contratos temporários; 2) servidores efetivos; 3) despesas indenizatórias e adicionais. O custo total da folha até março, e acredito que não tenha variado, foi de 328 milhões. Grosseiramente, com o primeiro item se gasta 60 milhões. Com o segundo o custo fica em 238 milhões (inclusos Igeprev, Plansaúde e consignados aos bancos e sindicatos). Com o terceiro 30 milhões (décimo terceiro, acertos, férias, insalubridade, adicional noturno, plantões extra, REDAD, REDAF, etc). Tem saída? Sim mas é dolorosa politicamente. Daí a agenda a ser pactuada. Os contratos custam mas sem eles não se toca a máquina. Tem “gordura” mas não é como se imagina. Os cargos em comissão tem baixa remuneração e muitos são ocupados por efetivos. Os melhores profissionais efetivos do Executivo já ganham bem e não querem baixa remuneração para exercício dessas funções. Só recebem 40% de indenização do valor do cargo, ou seja, se for R$ 6.500,00 como é o caso de um diretor só recebem apenas R$ 2.600,00 a mais para exercer o cargo. Portanto difícil mexer.
[bs-quote quote=”Não existe mágica, nem promessa de TV, nem passeio em carroça que vá resolver nossos problemas. Existe um trabalho convergente. Esse trabalho até agora não é obrigatório porque, mesmo com todas as dificuldades, o caos absoluto ainda não chegou. Mas em pouco tempo será obrigatório porque este momento inevitavelmente irá chegar. E está muito próximo” style=”default” align=”right” author_name=”GEFERSON OLIVEIRA BARROS FILHO” author_job=”Ex-secretário estadual da Administração” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/05/GefersonBarros60.jpg”][/bs-quote]
Os contratos, vamos lá: 65% do custo total é gasto com médico, professor e enfermeiro. Recentemente a atual gestão tentou demitir profissionais dessas categorias e está se vendo em situação difícil. Tem colégio sem disciplina e hospital com problemas de escala. Já tiveram que voltar alguns que foram demitidos entre os 3 mil extintos. 5 mil pessoas são assalariadas e representariam uma redução de apenas de 4,6 milhões no montante. São equipes de limpeza, porteiros, vigilantes. Os demais ajudam em todos os órgãos da máquina. Delegacias, fiscalização agropecuária, fazenda pública, presídios, serviço braçal das operações tapa buraco da AGETO, enfim profissionais da administração em geral. São muitos? São. Como mexer? Reduzindo a estrutura geral do Estado, gradativamente. E investindo em tecnologia focado na redução dos custos. Não é possível exonerar 5 mil pessoas e não ter efeitos no funcionamento atual da máquina. Este é um caminho, mas demanda tempo e planejamento. Então porque aumentaram nos últimos anos os contratos: aposentadorias (saúde, educação, quadro geral), estatização dos serviços (limpeza e alimentação dos hospitais são exemplos). Há necessidade de reposição de mão de obra por isso cresce. E os efetivos? O grande montante. E infelizmente o caminho maior a percorrer está ai. E digo aqui, como sempre falei.
Os servidores não têm culpa. São direitos assegurados e concedidos. Mas infelizmente tudo deverá ser rediscutido inevitavelmente. Percentual de contribuição previdenciária, concessões das progressões, revisão geral anual, novas normas, o que foi judicializado, os passivos e as despesas indenizatórias. Ouso dizer que os líderes sindicais sabem disso, mas tem dificuldade de abertura do diálogo porque acreditam que o Estado não faz sua parte. Mas não é bem assim. O Estado precisará respirar e arrisco dizer que isso terá que representar no mínimo dois anos sem crescimento da folha, com trabalho diário para redução da estrutura geral, do custeio, dos contratos e claro, de aumento da arrecadação. Para que aí sim, de forma saudável, com os pés no chão o Estado possa conceder aquilo que é direito, mas com responsabilidade.
Aos que leem, a primeira reação pode ser de revolta. Normal, mas trata-se de uma autocrítica e uma reflexão a ser compartilhada, criticada e por alguns até aceita. Alguns irão dizer que “estiveram lá por anos e não fizeram”. Poderia elencar que o plano de saúde dos servidores apesar dos problemas de pagamentos dos fornecedores tem um fundo superavitário e foram combatidos os sobre preços nas compras de materiais, que a dívida com os servidores poderia ser o dobro, que enfrentamentos greves de todas as categorias (só não dos militares) no intuito de garantir o básico ao Estado, que não realizamos nenhum aumento discricionário como foi feito em outros períodos para não agravar ainda mais a situação, que a custo zero criamos diversos cursos de qualificação aos servidores (inclusive de pós-graduação), que mesmo pequeno demos o primeiro passo. Mas não é esse o objetivo e nem o centro do problema.
O problema somos todos nós. Sem exceções. A forma como estamos conduzido. A omissão do povo. A surdez política. É nossa absoluta e completa falta de união em torno dos nossos maiores problemas. É a omissão e submissão recorrente de grande parte dos nossos parlamentares (apenas dois se atreveram a tocar no tema de gestão fiscal), a ferocidade dos Sindicatos e subserviência de alguns políticos a isso, a incompreensão dos demais poderes em observar o momento que vivemos e a necessidade de pactuação consensual na busca das soluções, a ausência de compreensão da população quanto ao problema a ser enfrentado que reflete inclusive nas suas escolhas, ao vácuo de novas lideranças políticas focadas na resolução dos problemas reais do Estado e do povo e não nos interesses pessoais e, lógico, do Executivo, que não consegue ter estabilidade e habilidade suficiente entre tudo isso para garantir que seja feito o que é necessário. Um colega ex-Secretário comparava o Poder Executivo com a “Geni”, da obra de Chico Buarque, o que eu considerava pertinente.
Caros leitores, tocantinenses, não existe mágica, nem promessa de TV, nem passeio em carroça que vá resolver nossos problemas. Existe um trabalho convergente. Esse trabalho até agora não é obrigatório porque, mesmo com todas as dificuldades, o caos absoluto ainda não chegou. Mas em pouco tempo será obrigatório porque este momento inevitavelmente irá chegar. E está muito próximo. Alternativas tem e devem ser debatidas e pensadas, em curtíssimo prazo. É ai que me bate, sem exageros, a angústia e a preocupação. Aqueles que querem se tornar líderes, não estão sequer convergindo suas retóricas vazias a isso. Pelo contrário. Lançam um olhar esmerado sobre si mesmos e suas vaidades pessoais e esquecem de contemplar o horizonte onde a população padece perdida. Fico com medo de sermos guiados pelas três cartas quando seria muito mais seguro pra nós firmarmos um único pacto. Por nós mesmos e não pela futura geração, afinal já somos ela.
GEFERSON OLIVEIRA BARROS FILHO
É jornalista, ex-secretário estadual da Administração e atualmente é membro do time RenovaBR
gefersonbarros@hotmail.com