Indubitavelmente o grande desafio na construção do Estado Democrático de Direito é conter os impulsos humanos face a racionalidade que exige as decisões políticas. As instituições que integram a formação governamental se fortalecem na medida que aqueles que as conduzem, praticam seus atos de oficio em conformidade com a lei, a ética, o equilíbrio e o discernimento próprio da atuação institucional. Segundo nos textos de Madison em o FEDERALISTA questiona “Mas o que é o próprio governo, senão a maior das críticas à natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos”. “ Sendo o homem o que , segue-se que todo aquele que detiver o poder em suas mãos, tende dele abusar.
[bs-quote quote=”Quais seriam os limites toleráveis, ou melhor, aceitáveis de interferência da natureza humana nos feitos institucionais?” style=”default” align=”right” author_name=”RAUCIL APARECIDO” author_job=”É professor mestre em Direito Constitucional” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Raulcil-180.jpg”][/bs-quote]
A última semana foi marcada pela declaração surpreendente do ex-Procurador Geral da Republica, Rodrigo Janot, onde ele afirma que planejou matar a tiros o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e em seguida suicidar-se. Tal pensamento revela pleno desequilíbrio a frente de uma Instituição de grande envergadura na estrutura governamental brasileira (Ministério Publico Federal), dentre as funções constitucionais do Ministério Publico, a de promover a ação publica, tem por essência representar o “estado sociedade” contra aquele que eventual ou propositadamente a lesou, assim, não se trata de uma questão pessoal do Agente Ministerial, onde este tenha que desencadear sua ira e perversidade, reduzindo a nobre função publica em mera e baixa vingança.
A terminologia Promotor de Justiça é auto explicativa, logo promover a justiça não se confunde com promotor da vingança, não cabe ao agente ministerial tomar para si, com ares de obsessão, a atribuição de representar a sociedade nas ações que lhe couberem. Mas, quais seriam os limites toleráveis, ou melhor, aceitáveis de interferência da natureza humana nos feitos institucionais? Por certo é impossível apartar por completo a influência dos sentimentos humanos dos atos institucionais, por outro lado, permitir que tais sentimentos dominem e desvirtuem o aspecto material do organismo estatal, transforma o que seria uma ação de estado em um ato de pessoalidade individual.
A função constitucional de ser o titular da ação penal do Ministério Público impõe ao agente conduta profissional isenta, visto que cabe a ele reunir os indícios e provas que materializem a autoria, onde se busca a correta e proporcional aplicação da lei, nada além disso, desapropriado e irresponsável é o agente que empenha seu esforço no sentido de colecionar condenações a todo custo, e quando isso não acontece, transforma o agente em um psicótico vingativo.
Os indivíduos em sociedade necessitam de governos, visto que não é possível decidir por si mesmo o seu destino, impondo sobre as instituições e seus agentes a responsabilidade de tomar decisões a bem dessa sociedade, conforme nossa constituição, seguindo os princípios da moralidade, publicidade, impessoalidade, legalidade e eficiência. Cada instituição é constituída com sua natureza especifica, ao Judiciário cabe o julgamento imparcial, ao Executivo promover ações para o desenvolvimento social, ao Legislativo criar leis que melhores regem as relações sociais, segue dessa forma todas instituições e seus agentes, onde todos estão submissos ao ordenamento constitucional, perfazendo assim ,o real Estado Democrático de Direito.
Inegavelmente a Operação Lava jato representa um marco histórico de combate à corrupção no Brasil, assim como outras diversas operações realizadas pela Policia Federal e o Ministério Publico, contudo, a revelação de Rodrigo Janot, remete a reflexão de que se o maior cargo do MPF havia um agente dominado por um sentimento obsessivo absurdo, até que ponto pensamentos semelhantes possam ter norteado ações de outros agentes públicos a frente das investigações ou até mesmo do próprio Janot? E com isso possa ter imposto condutas com excesso ou ilegítimas que feriram preceitos legais dos acusados, Acreditar-se que os agentes públicos, em especial os ocupantes dos cargos mais relevantes tenham um espirito profissional, ético, comprometido com a sociedade e equilibrado, pois o inverso, transformaria o cidadão detentor de direitos em mero refém da vaidade e consciência alheia.
O Brasil experimenta a sua redemocratização há 30 anos, e mesmo sendo definido as atribuições constitucionais das instituições, na prática, ocorre fatos e acontecimentos que evidenciam uma ou outra instituição ocasionando o fenômeno de agigantamento de uma sobre as demais, aparentemente a atitude de Rodrigo Janot reforça essa ideia, visto que homem de tamanha instrução, resolve por planeja um golpe sorrateiro contra uma autoridade da Suprema Corte (Gilmar Mendes) e até contra si mesmo, transmitindo o pensamento que seu universo não admite questionamento, que seu posicionamento não admite contraposição, enfim, um instinto vaidoso do imperador todo poderoso, que se for contrariado, mata e morre pra fazer valer sua vontade.
Por outro lado, não é comum a exposição de pensamentos e desejos tão profundos e reprováveis socialmente, nesse contexto, os depoimentos de Rodrigo Janot denotaria um alto grau de sinceridade e transparência, se não fosse a forma tardia em que foram proferidos, e ainda por meio de obra literária, o que sugere uma espécie de divulgação proposital, cujo os efeitos intrigantes gera a autopromoção. Assim, em tempos de discussão sobre a moralidade publica dos Poderes da Republica, do abuso de autoridade, questionamento sobre os processos da Operação Lava Jato, todas instituições podem e devem ser submetidas a suspeição popular, como parte de um processo de depuração e aprimoramento.
RAUCIL APARECIDO
É professor universitário e mestre em Direito Constitucional
professorraucil@gmail.com