O empréstimo de R$ 453 milhões do Palácio Araguaia com a Caixa Econômica Federal (CEF) não vai ser mais avalizado pela União porque o Estado está desenquadrado financeiramente. Para facilitar a liberação da verba, contudo, na manhã desta quinta-feira, 19, parlamentares reuniram-se em sessão ordinária e aprovaram uma alteração na a Lei nº 3.266 de 10 de outubro de 2017, que autoriza o financiamento, deixando somente o Fundo de Participação dos Estados (FPE) como garantia.
O novo texto, publicado no Diário Oficial da Assembleia desta quinta, exclui a menção “com a garantia da União”. Conforme alegou o então governador Marcelo Miranda (MDB), que enviou o projeto à Casa, nesta segunda-feira, 16, a alteração foi necessária para “o devido enquadramento técnico”.
Na realidade, o objetivo do Executivo é agilizar a liberação do crédito, já que nas condições atuais de desenquadramento fiscal, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) não avaliza o financiamento para o Tocantins.
O projeto mantém inalterados o valor solicitado e a destinação acordada entre Executivo, deputados e prefeitos. Além disso, a matéria não modifica o artigo 2º da lei que dispõe sobre a cessão ou vinculação dos repasses vindos do FPE como garantia, ou seja, o Estado vai comprometer sua principal fonte de receita com a dívida.
Voto contrário
Da tribuna da Assembleia Legislativa, o deputado estadual Paulo Mourão (PT) questionou a maneira que a matéria tramitou na Casa. Segundo ele, de forma “célere” e com uma discussão “superficial” em todas as comissões.
“Uma Casa de Leis que deveria estar cuidando do equilíbrio desse Estado, está aprovando algo inconstitucional e que fere as normas legais ditadas pelo Tesouro Nacional e pelo Tribunal de Contas da União. Esse recurso dificilmente será liberado porque o FPE serve quando ele é a segunda garantia. A primeira garantia é o aval da União e ela retirou porque o Estado recebeu nota sofrível. Os pares poderiam ter tido um pouco mais de cautela”, criticou.
O petista reconheceu que há necessidade de investimentos no Estado. Mas chamou atenção dos demais parlamentares para o endividamento do Tocantins com empréstimos que já chegam a R$ 2,735 bilhões, ou seja, 47,6% da Receita Corrente Líquida (RCL). Com mais essa operação de crédito, o comprometimento da RCL deve chegar a 50%.
De acordo com Mourão, o Estado ainda tem limite para endividamento. Conforme o Tesouro Nacional, o comprometimento da RCL com operações de crédito pode chegar até 200%. Por outro lado, ele lembrou que o Tocantins está com uma classificação baixa na avaliação quanto a capacidade de pagamento feita pela União (nota C) o que indica maior risco de não conseguir honrar uma dívida.
“Alto endividamento, alto comprometimento de receita com pessoal, problemas com a Previdência, de custeio, sem poupança interna. Hoje o Estado não tem capacidade de investimento e a sua liquidez não mais permite a União dar o aval. Destroçaram o Estado financeira e economicamente”, disparou Mourão, ao mencionar ainda débitos do Executivo com servidores, fornecedores e Instituto de Gestão Previdenciária (Igeprev).
Dos 19 parlamentares presentes, apenas Paulo Mourão votou contra o projeto de lei. “Enquanto este Estado estiver irregular, nós não pudemos aprovar créditos. Ainda mais em vésperas eleitorais. Então, meu voto é não”, justificou o petista.
Saída “ruim”
Em entrevista ao CT, o ex-secretário estadual da Fazenda, Paulo Antenor de Oliveira, também comentou a alteração. Para ele, comprometer o FPE com operação de crédito é uma alternativa “ruim”, economicamente. “Não me agrada essa saída. Eu sempre defendi mais uma mexida ‘violenta’ na questão de custeio e adequação no gasto com pessoal, porque isso resolveria um monte de problemas que o Estado tem”, avaliou.
No início do ano, o Conselho de Administração da Caixa Econômica decidiu suspender, temporariamente, todos os empréstimos aos entes regionais do País. Os financiamentos, obrigatoriamente, teriam que passar por análise do Banco Central antes de serem liberados.
De acordo com Oliveira, o Banco Central chegou a se manifestar favorável pela utilização do FPE como garantia. Mas embora se tenha fundamento legal para que se permita a utilização dos repasses, também há discussões contrárias, ponderou o ex-secretário.
O procurador Júlio Marcelo, representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, questiona essa possibilidade. Ele aponta que o artigo 167 da Constituição Federal veda a vinculação de receitas futuras com impostos a financiamentos bancários.
A única exceção, conforme o entendimento do MP, é exatamente quando o empréstimo tem aval da União. Nesse caso, prefeitos e governadores podem colocar as receitas tributárias ou os FPEs como garantia, ou seja, se o empréstimo não for honrado, o governo federal paga o banco, mas bloqueia os repasses.
O procurador solicitou a abertura de uma investigação para apurar irregularidades em operações de créditos de bancos públicos a Estados e municípios. O assunto está em discussão no TCU e o resultado dela pode vir a barrar futuramente a chegada dos recursos ao Palácio Araguaia.
Paulo Antenor acredita porém, que no final das contas a Caixa vai aceitar a fonte de receita como garantia e o Estado conseguir a liberação dos empréstimos. Mas ele alerta: “O governo precisa diminuir gastos com pessoal”. A sugestão do ex-secretário é que o governo faça uma revisão dos planos de cargos, carreiras e salários e da contratação temporária. “São coisas que eu sempre sugeri e não vou deixar de fazer porque saí”, ressaltou.
Competência da AL
Oliveira mencionou ainda que há uma grande dúvida Jurídica sobre a competência da Assembleia de disponibilizar o FPE como garantia. “É a questão em debate no Tribunal de Contas hoje, porque o Ministério Público entende que não. E realmente é uma situação muito duvidosa e delicada”, ponderou.
Relembre
Apresentado em dezembro de 2016 aos deputados, o empréstimo de R$ 453 milhões tramitou lentamente pela Assembleia Legislativa e foi marcada pelos pedidos de informações feitos pelo então presidente do Legislativo, Mauro Carlesse (PHS), ao governo do Estado, atos encarados como procrastinatórios pelo Palácio Araguaia. A aprovação veio somente no dia 13 de setembro de 2017. A ATM também participou das discussões e garantiu R$ 1,020 milhão para cada cidade do Estado após articulação com o governo e Parlamento.
O projeto sancionado pelo governador contemplou com R$ 41 milhões a duplicação da TO-222, entre Araguaína e o Povoado Novo Horizonte. A redução de recursos pela AL para a obra foi um dos pontos mais polêmicos do empréstimo, levando a ira empresários e políticos araguainenses.
A maioria dos deputados estaduais entendeu que R$ 86,5 milhões para a duplicação era exagerado, e decidiu reduzir o investimento para contemplar obras de pavimentação asfáltica em 130 cidades, que vão receber valores que variam de R$ 100 mil a R$ 2,7 milhões. Isto além do R$ 1,020 milhão, direcionado a cada município após a Assembleia abrir mão da construção de um anexo.
Esta diminuição de recursos para a TO-222 foi motivo de embate entre parlamentares e também o prefeito de Araguaína, Ronaldo Dimas (PR), e Mauro Carlesse. O republicano questionou a constitucionalidade da mudança e disse que ação foi “eleitoreira”. “Nós temos compromisso com os 139 municípios, independente de tamanho”, rebateu Carlesse.
O financiamento junto à Caixa prevê ainda obras estruturantes como a construção das unidades habitacionais; construção do Batalhão Militar Rodoviário e Divisas (BPMRED); a continuidade do Hospital Geral de Gurupi (HGG); implantação e pavimentação da rodovia TO-365, entre Gurupi e o Povoado Trevo da Praia; pavimentação da TO-225, que liga o município de Lagoa da Confusão à Barreira da Cruz, divisa com a ilha do Bananal.
Além do financiamento com a Caixa, o Executivo tentava a liberação de R$ 143 milhões, junto ao Banco do Brasil. Como o CT havia adiantado em fevereiro, o dinheiro que iria ser aplicado na conclusão do Fórum de Araguaína e na reforma do Hospital Geral de Palmas (HGP) não deve sair.
A instituição financeira, diferente da Caixa Econômica Federal, é mais rigorosa e só vem realizando operação de crédito se houver o aval da União.