Após quase seis meses de investigações, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou nesta quarta-feira, 20, o relatório da CPI da Covid-19, que pede o indiciamento de 66 pessoas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, e de duas empresas.
A conclusão do relator atribui dez possíveis crimes a Bolsonaro, mas descartou a hipótese de genocídio de povos indígenas. Essa tipificação estava contemplada em uma primeira versão do texto de Renan, mas causara descontentamento em outros integrantes da CPI, especialmente o presidente Omar Aziz (PSD-AM), e acabou retirada.
Ainda assim, nunca antes na história do Brasil um presidente havia sido acusado de tantos crimes por uma CPI.
Negacionista da pandemia, Bolsonaro cometeu, segundo o relatório, os seguintes delitos:
- Epidemia com resultado morte;
- Infração de medida sanitária preventiva;
- Charlatanismo;
- Incitação ao crime;
- Falsificação de documento particular;
- Emprego irregular de verbas públicas;
- Prevaricação;
- Crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos;
- Violação de direito social;
Incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo
Digitais nas mortes
Renan disse que a CPI foi conseguiu “comprovar as digitais” do presidente Jair Bolsonaro na morte de vítimas da Covid-19.
— A CPI foi a única no mundo a eviscerar as mazelas do chefe de uma nação. Esta CPI é a primeira a comprovar as digitais de um presidente da República na morte de milhares de cidadãos — afirmou.
Calheiros destacou ainda que o colegiado foi “pioneiro” na reclassificação de documentos considerados sigilosos pelo Poder Executivo.
— No início da CPI, todos os documentos vinham classificados como sigilosos. Pela primeira vez na história, essa CPI reclassificou esses sigilos para alargar a investigação de modo a que a própria investigação se fizesse à luz do dia, com o acompanhamento de todos, iluminando o que havia de nefasto nessa roubalheira e nessa corrupção — disse.
Durante a apresentação de seu relatório, Renan Calheiros disse que a CPI foi responsável pela ligação entre o Poder Legislativo e o Judiciário para barrar projetos totalitários que “exalavam fascismo”. Renan também destacou que a comissão inaugurou uma modalidade híbrida da investigação, reconectando a sociedade.
— Abrimos a participação popular na checagem, na apuração, nas perguntas e, devo dizer, as informações recebidas, majoritariamente, eram sérias, qualificadas e procedentes.
O relator agradeceu a colaboração do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para que o trabalho da CPI se aprofundasse.
— Depois das dificuldades manifestadas pelo próprio governo com relação à criação e instalação, e minha indicação como relator da CPI, o presidente do Senado colaborou para que a apuração verdadeiramente evoluísse.
O relator lembrou a aprovação de projeto de resolução, de autoria dele, para a instalação de memorial em homenagem às vítimas, nas dependências do Senado.
— Essa é a Casa responsável por revelar à população brasileira fatos que jamais teriam vindo à luz sem o trabalho da CPI da Pandemia.
Debate presidencial
Renan afirmou que a CPI da Pandemia não foi contaminada pelo debate presidencial e seguiu a investigação com rigor técnico. O relator destacou que o colegiado agiu sempre dentro da legalidade.
Ele sugeriu no relatório final uma série de medidas para aprimorar a legislação e evitar o que classificou como “equívocos” ocorridos durante a pandemia.
— A CPI propõe, como parte de uma pauta positiva, uma série de medidas legislativas para aperfeiçoar o ordenamento jurídico, a fim de evitar que, no futuro, equívocos semelhantes sejam cometidos em situações críticas, como a que o país vivenciou com a pandemia de covid-19. São projetos para garantir que a ciência seja o fundamento de qualquer política governamental de saúde, tipificar novos crimes, organizar e preencher lacunas no processo relacionado a crimes de responsabilidade, coibir a propagação de desinformação, facilitar a responsabilização do Estado pelos danos causados às vítimas e suas famílias, órgãos da pandemia, e garantir a efetividade das medidas recomendadas pela comissão — explicou.
O senador afirmou que as conclusões da CPI apoiaram-se nas provas produzidas ao longo dos últimos meses, em especial nos depoimentos tomados e nos documentos recebidos. Segundo ele, o acervo permitiu o indiciamento de agentes políticos e servidores públicos e particulares que tiveram envolvimento em práticas delituosas.
Encaminhamentos
De acordo com o senador, a comissão propôs vários encaminhamentos para que os órgãos competentes deem prosseguimento às investigações e alcancem novas responsabilizações na esfera civil, criminal e administrativa.
— O conteúdo do relatório e de todos os documentos relevantes da investigação deverá ser compartilhado com as autoridades responsáveis pela persecução criminal, quer em primeiro grau quer no âmbito dos tribunais para pessoas com foro por prerrogativa de função. Além disso, haja vista a caracterização de crimes contra a humanidade, os documentos também serão remetidos ao Tribunal Penal Internacional, tendo em vista a inação e incapacidade jurídica das autoridades brasileiras na apuração e punição desses crimes.
Negociar com atravessadores
Renan disse que o governo federal preferiu negociar a compra de vacinas de empresas com “atravessadores”, sem controle rígido, enquanto farmacêuticas renomadas eram colocadas de lado. Em vez de privilegiar uma relação direta com laboratórios como Pfizer ou Instituto Butantan, o Ministério da Saúde optou por manter contato com a Precisa Medicamentos e a Belcher, intermediárias no Brasil dos imunizantes Covaxin e CanSino, sustentou.
— Tanto no caso Covaxin quanto no caso CansSino, as aquisições só foram formalmente canceladas após os laboratórios descredenciarem as intermediárias por inidoneidade e depois de denunciados na CPI. A comissão evitou a corrupção na compra de R$ 6 bilhões na vacina da CanSino e de R$ 1,6 bilhão na Covaxin. Os indícios apontam que Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do Ministério, teria pedido propina para facilitar a negociação de vacinas oferecidas por um mercado secundário cheio de atravessadores — disse Renan.
Para o relator, “além da criminosa negligência quanto à proteção da saúde dos brasileiros, o governo era permeado por “interesses escusos”. No processo de compra da vacina Covaxin, por exemplo, o empenho contrastou com o desinteresse do governo na contratação das vacinas da Pfizer, Moderna, Janssen e Coronavac, citou.
O senador ressaltou as ações que foram realizadas em 2020, em papel preponderante do Congresso Nacional, no combate aos efeitos sociais e econômicos da pandemia. Segundo o relator, a maioria das ações, realizadas por meio do Orçamento da União, resultaram da aprovação célere de projetos de lei de iniciativa de parlamentares “comprometidos com o apoio à população brasileira”.
O governo federal realizou despesas para o enfrentamento da pandemia de covid-19, em 2020, no montante de R$ 540,2 bilhões, de um total de R$ 635,5 bilhões autorizados nos orçamentos fiscal e da seguridade social. Pouco mais da metade das despesas realizadas, 55% ou R$ 295,2 bilhões, foram destinados ao Auxílio Emergencial.
Estados, Distrito Federal e municípios receberam, por meio de diferentes programas de apoio às suas ações, pelo menos R$ 111,3 bilhões, 21% do total realizado. Desse total, R$ 33, 1 bilhões foram transferidos pelo Ministério da Saúde.
— O governo federal havia divulgado que tinha transferido cerca de R$ 420,0 bilhões. (…) Assim, informações incompletas tentam sugerir um esforço maior do que o realmente ocorrido.
Atuação macabra
A CPI da Pandemia revelou a atuação macabra da Prevent Senior, apontou Renan. De acordo com o relatório, a operadora de saúde agiu em parceria com o governo federal para falsear dados e documentos para promover o uso do chamado kit-covid, composto por medicamentos sem eficácia contra a covid-19.
— A verdade é que testes clínicos foram conduzidos sem autorização dos comitês de ética em pesquisa, transformando os segurados do plano em verdadeiras cobaias humanas. Ademais, kits com medicamentos foram enviados sem avaliação dos pacientes e de seus riscos, médicos foram perseguidos por se recusarem a prescrever tratamentos ineficazes, mortes por covid foram ocultadas para ocultar a ineficácia do tratamento, declarações de óbito foram fraudadas para reduzir a morbimortalidade nos hospitais da empresa — disse o senador.
Segundo Renan, governo se recusou a fornecer água aos povos indígenas
Em relação aos povos indígenas, Renan Calheiros (MDB-AL) afirma que o governo se recusou a fornecer insumos vitais, como a água, e usou a pouca assistência oferecida como “álibi para tentar esconder as omissões deliberadas no seu dever de proteger”.
O relatou sustenta ainda que a prioridade dada aos índios na vacinação foi parcial, abrangendo apenas os aldeados, que são metade do total.
(Com informações da Agência Senado e Ansa)