O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, prestes a deixar o cargo, decidiu sair atirando. Nesse domingo, 28, em postagem no Twitter, ele acusou a senadora tocantinense Kátia Abreu (PP), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, de tentar um lobby a favor da China na disputa com os americanos sobre tecnologia 5G. Isso teria ocorrido numa reunião no dia 4 de março, no Ministério das Relações Exteriores. A repercussão foi a pior possível para o já quase expurgado Araújo.
Marginal
A começar pela senadora tocantinense, que, em nota, classificou o ministro de “marginal”. “O Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições. Alguém que agride gratuitamente e desnecessariamente a Comissão de Relações Exteriores e o Senado Federal”, afirmou Kátia.
Grande desserviço ao País
O presidente do Senador, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse em seu perfil no Twitter que a tentativa do ministro “de desqualificar a competente senadora Kátia Abreu atinge todo o Senado Federal”. “E justamente em um momento que estamos buscando unir, somar, pacificar as relações entre os Poderes. Essa constante desagregação é um grande desserviço ao País”, avaliou o presidente.
Ernesto tem de sair
Líder da bancada feminina, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) também considerou uma agressão ao Senado: “Ao plantar insinuações contra a senadora Kátia Abreu, o ministro Ernesto Araújo atinge todo o Senado e lança sementes de joio nos campos da democracia. Quando menos a gente espera, a democracia se vê sufocada”, afirmou. E continuou: “Não adianta somente podá-lo, porque a poda vai fortalecer a planta. Desse joio é preciso arrancar as raízes, fertilizar as mudas democráticas e ‘forjar na democracia o milagre do pão’. Ernesto e democracia não andam juntos. Não há opção. Democracia fica. Ernesto tem de sair”.
Insinuação irresponsável
Ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) postou que “a insinuação irresponsável por parte de um ministro não é somente um desrespeito ao Senado”. “É um ato contra todos que constroem a longa e honrosa tradição da diplomacia brasileira. Meu incondicional apoio à presidente da comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu”, escreveu.
Aval da família Bolsonaro
Em seu blog no G1, a jornalista Andréia Sadi contou que senadores lhe disseram que veem um “ataque orquestrado” do ministro das Relações Exteriores, com aval da família Bolsonaro, segundo ela, “principalmente o deputado federal, Eduardo Bolsonaro, que saiu em defesa do ministro nos últimos dias”.
Alguém mandou ele tuitar?
Em entrevista ao jornal O Globo, Kátia reforçou essa suspeita: “A minha pergunta é por que que ele não levantou essa suspeita na audiência pública para qual foi convidado para se justificar, no Senado Federal? Por que ele esperou para se esconder atrás de um Twitter para poder fazer essa acusação? Como é o nome disso? Só tem dois, o primeiro pode ter sido por covardia. O segundo é que ele não acredita nisso que ele me acusou, alguém mandou ele tuitar“.
Tenta se vitimizar
Em seu blog, também no G1, o jornalista Gerson Camarotti afirmou que já interlocutores do presidente Jair Bolsonaro avaliam que Ernesto Araújo “tenta se vitimizar e encontrar uma saída honrosa perante a ala ideológica da base do governo ao tentar associar a pressão por sua demissão a um lobby em relação ao 5G”.
Ficou insustentável
Conforme o jornalista, esses aliados do governo entendem que a publicação do chanceler “na prática foi um reconhecimento de que sua situação ficou insustentável”.
Confira a íntegra da nota da senadora Kátia Abreu:
O Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições. Alguém que agride gratuitamente e desnecessariamente a Comissão de Relações Exteriores e o Senado Federal.
É uma violência resumir três horas de um encontro institucional a um tuíte que falta com a verdade. Em um encontro institucional, todo o conteúdo é público.
Defendi que os certames licitatórios não podem comportar vetos ou restrições políticas. Onde está em jogo a competitividade de nossa economia, como no caso do leilão do 5G, devem prevalecer os critérios de preço e qualidade, conforme artigo “O Céu é o Limite” que divulguei na Folha de S.Paulo (21/03/21).
Ainda alertei esse senhor dos prejuízos que um veto à China na questão 5G poderia dar às nossas exportações, especialmente do Agro, que vem salvando o país há décadas. Defendi também que a questão do desmatamento na Amazônia deve ser profundamente explicada ao mundo no contexto da negociação para evitar mais danos comerciais ao Brasil.
Se um Chanceler age dessa forma marginal com a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado da República de seu próprio país, com explícita compulsão belicosa, isso prova definitivamente que ele está à margem de qualquer possibilidade de liderar a diplomacia brasileira.
Temos de livrar a diplomacia do Brasil de seu desvio marginal.
Brasília, 28 de março de 2021
Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado da República.