Errar é humano? Não é possível definir um autor específico deste ditado. Foi usado ativamente, começando desde os tempos antigos. Contudo, no universo jurídico não se justifica tal expressão, no estado de direito quando se comente erros atribui-se reponsabilidade, daí remete ao pensamento de que errar não é humano, mas no Brasil, depende de quem erra.
Muito comentada recentemente, a prisão em segunda instancia tem sido alvo de discussão permanente, face as sequentes condenações de réus na “operação lava
jato”. Segundo notícia em site EM.COM.BR publicada no dia 16 de abril, cuja fonte é o Banco de Dados do Conselho Nacional de Justiça, 22 mil condenados poderão ser beneficiados com eventual mudança posicionamento do STF sobre o tema. Mas, porque uma discussão eminentemente jurídica ganha contornos de debate social? Pela possibilidade de 22 mil condenados se beneficiarem, tenhamos a clareza que não foi em função desses que a matéria poderá voltar em pauta, arrisco dizer que, por certo, a natureza do crime de corrupção e seus envolvidos, assessorados por advogados renomados, proporcionaram teses mais substanciais e profundas, das quais julgamento do Habeas Corpus do Ex- Presidente Lula promoveu inevitável impulso, já comentado nesse site do notícias em artigo anterior.
Atualmente, a Suprema Corte se vê dividida sobre a questão, pois busca-se a ideia de debater o alcance do princípio da Presunção de Inocência consagrado no inciso LVII do artigo 5º onde diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; filiando os Ministros em duas linhas básicas, onde uma centraliza a ideia na presunção em si, com o esgotamento de todas instancias e a outra na ideia de combate a impunidade, em resposta ao anseio popular, sendo esta a dominante no momento. Devida e obviamente bem fundamentadas pelos Doutos Ministros, ambas as teses tem suas razões de ser, mas, nos permita opinar brevemente sobre a questão.
[bs-quote quote=”Propomos aqui que se consagre o princípio da presunção de inocência e conciliem-na com a punibilidade, aplicando como regra a primeira e a excepcionalidade a segunda” style=”default” align=”left” color=”#ffffff” author_name=”RAUCIL APARECIDO” author_job=”É professor universitário e mestre em Direito Constitucional” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/04/Raulcil60.jpg”][/bs-quote]
A primeira discussão que deve ser promovida, ao nosso ver, é esclarecer o que realmente é o transito em julgado, se terá ele sua essência material ou formal, visto que o mérito se discute em segunda instancia e a questões que seguem adiante são essencialmente formais. A posteriori busca-se clarear a função primordial da Suprema Corte qual seja a interpretação da Constituição Brasileira, da atual Constituição Brasileira promulgada em 05 de outubro de 1988, não é apropriado ao Poder Judiciário criar fatos que inovem a ordem jurídica, sendo esse mister essencialmente do Poder Legislativo, quando esses papéis se invertem, a democracia sucumbe. Partindo desse raciocínio, a nossa Carta Magna é dogmática, concebida em um ambiente de redemocratização em contraposição ao regime ditatorial implementado desde o Golpe Militar de 1964, dessa forma, ela consagra o espírito de libertação, reproduzido em seu
texto pelo Legislador originário. Observado com maior profundidade, a Presunção de Inocência (CF/Artigo 5º LVII) não se deve ser lido separadamente ou isolado como um fragmento independente, dos dispositivos tais como: CF/88 artigo 5º
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente;
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes;
LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
LVIII – o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas
hipóteses previstas em lei;
LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;
LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por
seu interrogatório policial;
LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a
liberdade provisória, com ou sem fiança;
O conjunto dos dispositivos constitucionais acima descritos, perfazem medidas de direitos e garantias fundamentais de liberdade ao individuo, remetendo a prisão como fato excepcional, e entendemos que é assim que deve ser tratada. Passados 30 anos da promulgação da Lei Máxima, aparentemente a sociedade brasileira em sua adequação aos preceitos de liberdade tem se confundido e a despeito desta, tem-se extrapolado os limites sociais na expansão e diversificação dos atos criminosos, impondo o comportamento mais rígido por parte das autoridades judiciárias, o que é perfeitamente compreensível.
Todavia, que não se deve confundir rigidez, eficácia e a devida aplicação das leis, com criação de regras novas pra que se enrijeça permitindo obter eficácia; muito se vê falar e foi incisivamente apregoado no julgamento do Ex Presidente Lula, que a prisão em segunda instancia deve permanecer como certa pra que não se tenha a sensação de impunidade, nesse caso, estaríamos então tomando o conceito pelo exemplo, definindo a essência pelo formato, impondo à generalidade, o fato concreto. Não é próprio do Estado Democrático de Direito, a pretexto de punir rigorosamente um criminoso ou uma determinada categoria de criminosos, as instituições adequarem a aplicação das leis, mudando-as o sentido ou o propósito para o qual foram criadas, tal fato nos aproxima dos Tribunais de exceção, expressamente vedado em nosso ordenamento jurídico (CF/artigo 5º XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção).
Na busca por uma adequação mediana, que equilibre os preceitos constitucionais e o anseio por punir rigorosamente os criminosos em geral e não só uma categoria em específico, propomos aqui que se consagre o princípio da presunção de inocência e conciliem-na com a punibilidade, aplicando como regra a primeira e a excepcionalidade a segunda. Daí, ao nosso vê, quando o réu não oferecer risco à ordem pública, às vítimas, às provas ou ao processo poderia ele responder em liberdade até que se esgotem as instancias judiciárias, e permaneceria preso em segunda instancia, caso contrário. Dessa forma, a essência libertária da Constituição, chamada por Ulisses Guimarães de Constituição Cidadã, poderá ser mantida e honrada, sem que se permita que aqueles que a contrariem fiquem impunes, seja quem for, pois todos estão submetidos aos direitos e obrigações nela contida.
Portanto, defendemos que a Suprema Corte deve cumprir seu mister de guardiã e intérprete da Constituição Federal, e não o de deformá-la, ou pior, reformá-la, dando-lhe outro sentido. Não falamos aqui de reduzir a atuação da Corte Suprema, condicionando-a a leitura simples e superficial do texto constitucional, mas sim, realçando que a Constituição que deve ser interpretada é a vigente, mesmo diante das mutações que estão sujeitas a sociedade, não se pode ignorar o espírito social que a concebeu, e que uma nova ordem jurídica só poderá ser instituída em face de uma nova Constituição.
RAUCIL APARECIDO
É professor universitário e mestre em Direito Constitucional
professorraucil@gmail.com