Quando se refere ao posicionamento ideológico, o termo “direita e esquerda” tem sua origem na Revolução Francesa durante as assembleias no século XVIII, por mera ocasionalidade, com o intuito de evitar a mistura entre as classes ricas e pobres no momento das discussões de elaboração da nova Constituição Francesa. Com o passar do tempo tal ato aparentemente simples se reveste de um simbolismo, onde aqueles que estavam sentados do lado direito representariam o anseio da elite conservadora e os sentados da esquerda a classe trabalhadora e menos favorecidos. Atualmente, ja evoluído em outro contexto, “direita e esquerda” tornaram-se viés ideológicos robustos cuja a posição determina o estilo de governo.
Cientificamente falando, o caráter pedagógico expressado nesses posicionamentos serve de acomodação pra determinados modelos sociais de governo, especialmente adotado pelos partidos políticos, compreende-se que os conservadores, os democratas-cristãos, liberais e nacionalistas estão alojados na direita e os sociais-democratas, os progressistas, socialistas – democráticos e ambientalistas na esquerda. Assim, pra identificar e atribuir valor ou não a determinado posicionamento tem que se entender com mais profundidade o ideais que permeiam cada perfil político, compreender o que é social democracia, liberalismo, socialismo, capitalismo, comunismo, anarquismo, conservadorismo, enfim, fazer a leitura mais acertada, requer certo grau de informação. No entanto, pro brasileiro tais definições não são tão complexas assim, temos o hábito de simplificar, de generalizar, de personificar conceitos no dito popular “conosco é no atacado”, assim como diz a letra da musica “mucama” da banda de reggae Cidade Negra, dos anos 90, “o que se espera de uma nação, onde o herói é a televisão”, com a modernidade podemos incluir no composto musical, as redes sociais.
O imediatismo faz parte da essência do brasileiro, no Brasil pegar o caminho mais curto é sempre o recomendado, mesmo que se perca a beleza e o conteúdo da paisagem. Em se tratando de política, tal comportamento se amplia, não compreendemos a função do estado, não entendemos nossa função social, não sabemos da importância do voto, somos péssimos em fazer escolhas e nem tão pouco nos ocupamos em participar das decisões, apropriar-se de uma ideia pronta é mais cômodo, perfazendo uma nação de analfabetos políticos.
Analisando o Brasil depois da redemocratização, o brasileiro exercita o poder de escolha a mais de 30 anos e ainda não conseguiu avançar na participação efetiva nas decisões, como tudo no Brasil é confuso, esclareço que participar das decisões não está limitado a ir as urnas e votar, mas sim, votar com critério, participar da escolha daqueles que serão candidatos, acompanhar, exigir resultados e avaliar os que foram eleitos. É de costume no Brasil personificar o poder, não interessa o partido, o plano de governo, a viabilidade dos projetos propostos ou os resultados advindos da realização de tais projetos.
Nas eleições de 2018 e consequente ascensão de Jair Bolsonaro ao cargo de Presidente, evidenciou, dentre a fragilizada formação política do povo brasileiro, mais um componente, sendo a superposição da direita sobre a esquerda, transformando-o na referência máxima do viés ideológico, e por natureza o tutor, cujo seus pensamentos são interpretados pela população como o conceito do ideal direitista. Por sua vez, a chamada esquerda, fora anteriormente e da mesma forma, personificada na pessoa do então Presidente Lula em 2002, derrotada em 2018, por oferecer um candidato (Haddad) que não detinha o reconhecimento popular pra conduzir tal bandeira.
Hoje, e com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal anulando os processos criminais do ex presidente Lula, retornando sua condição de elegibilidade, inevitavelmente projeta-o no cenário político com possibilidades reais de participação nas eleições presidenciais vindouras, estabelecendo o marco inicial da disputa entre direita e esquerda.
Entretanto, não seria de se preocupar com um simples embate sobre viés ideológico de direita e esquerda, até porque ideologia é só ideologia, não é? Não, no Brasil isso não é tão simples assim, a ignorância política que nos domina, o fato de depositar a ideologia em pessoas, nesse caso em duas únicas pessoas, Direita (Bolsonaro) e esquerda (Lula) faz com que transformemos o que seria algo no campo do pensamento, numa batalha estúpida, sem sentido e sem propósito.
Além do saldo da pandemia, o ano de 2021 estreia com crise econômica, crise política, dilema das vacinas, crise institucional, crise de liberdade e a crise sanitária da Covid-19 ampliada pelas variantes e aumento dos casos de contaminação. Assim o senso de responsabilidade impõe maior cautela na condução política, nas ações de governo, na manifestação e contribuição popular. Mas o que na verdade está acontecendo é que de um lado temos líderes que gozam de maior influencia junto a opinião publica estimulando o confronto, o combate, o enfrentamento ideológico; e de outro lado grande parcela da população brasileira embriagada por uma paixão avassaladora, formando torcidas organizadas pra uma suposta disputa, antecipando o processo eleitoral, esquentando o clima de rivalidade, não percebendo que em nada contribuirá para o desenvolvimento da nação em momento de crises.
Nessa fase histórica da República brasileira, presenciamos um circo conturbado de desgovernança generalizada, em grande parte provocado por inúmeros posicionamentos equivocados da Suprema Corte, conflitos e discordâncias entre Presidente da República, Governadores de Estado e Prefeitos Municipais, rivalidades partidárias, intolerância ideológica, um jogo perverso de quem é o culpado, quem está certo e quem está errado, tudo isso regado pela pandemia de um vírus mortal.
Nós brasileiros não estamos devidamente habilitados pra tratar de debates ideológicos sobre nenhum aspecto, e nem gozamos de um ambiente e momento apropriados para tal. Esquerda ou Direita, Socialismo ou Liberalismo, Progressista ou Conservadorismo, certamente não estamos aptos a discutir, de forma confusa lidamos com simples preceito da liberdade de expressão, algo que não conseguimos assimilar; quando Voltaire, filósofo Francês defendeu que “não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizer”, no Brasil, se ele já não tivesse sido condenado a morte, certamente Voltaire estaria preso, com as honras da Corte Constitucional.
Pra melhor entendimento, não estamos aqui pregando a unanimidade de pensamento, até porque concordamos com o escritor Nelson Rodrigues que “toda unanimidade é burra…” , entretanto, defendemos aqui o mínimo de unidade nacional pra enfrentar problemas sociais comuns a todos. Contudo, a antecipação do debate eleitoral, a quase dois anos do pleito, deturpa as ações governamentais, tira o foco nas soluções dos problemas sociais, estabelece a fragmentação e fragilização da economia, afinal qual investidor internacional apostaria recursos em uma casa de loucos descontrolados? Esperamos uma postura mais patriótica e de responsabilidade por parte de representantes e lideres políticos, pois suas vaidades não nos favorece, que o estado brasileiro seja uma sociedade, que independente de suas opções políticas ou partidárias, possa unir e exigir de seus lideres maior comprometimento com as ações, visando o bem comum acima dos interesses pessoais.
Talvez nosso pensamento aqui exarado, poderá ser classificado por muitos de utópico, no entanto, tal percepção seja justamente a confirmação da ignorância política a que estamos todos imergidos. Inquestionavelmente a unidade nacional é fator preponderante para vencer os desafios e problemas que nos sacrificam, pois o caos social a que estamos sujeitos, poderá descarrilar a grande locomotiva Brasil, atingindo a todos indistintamente, mesmos os sentados do lado direito quanto os do lado esquerdo. A grandeza de uma nação reside na unidade do seu povo.
RAUCIL APARECIDO
É professor universitário e mestre em Direito Constitucional
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