Um dos assuntos que movimentaram nas últimas semanas as instituições brasileiras, as redes sociais e os meios de comunicação foi sem dúvidas o embate entre o mega empresário Elon Musk e o Ministro Alexandre de Moraes, em que aquele questionou a decisões deste sobre o bloqueios de determinadas contas na plataforma X, fato que reacendeu a chama da “Regulamentação das redes sociais”. Entretanto, não trataremos neste ensaio do mérito da questão, mas, sim, uma reflexão de como lidar com o direito de liberdade de expressão perante a multidimensionalidade das redes sociais.
A liberdade de expressão, direito fundamental consagrado na Constituição Federal, é formadora basilar dos preceitos de liberdade no Estado Democrático de Direito protegida no ordenamento jurídico, em suas diversas modalidades: a liberdade de pensamento, de religião, de imprensa, convicção política, dentre outras. No ordenamento jurídico brasileiro, as expressões nutridas de caráter ofensivo, em determinado grau, são tipificadas como crimes contra honra (calúnia, injúria e difamação), cuja a amplitude, dado o perfil da população brasileira, sempre foi restrita ao ambiente, à determinada classe social e aos casos extremos de agressão verbal.
Antes da popularização da internet não era comum, no Brasil, as palavras negativas proferidas nas ruas, nos eventos populares, nos campos de futebol, nos canteiros de obras, nos bares, nas praças, entre colegas, enfim, nos relacionamentos interpessoais das camadas populares, serem objetos de denúncia ou ações judiciais para punir quem quer que seja. Na grande maioria dos casos, tudo se resumia em um “bate-boca”. Assim, de certa forma, a liberdade de expressão encontrava limites naturais para sua efetivação, limites esses imperceptíveis, cuja a sensação social era de que estava sendo exercida com plenitude.
Com o advento das redes sociais e a democratização da informação, trouxe consigo o efeito colateral da desinformação e a potencialização da ofensa, do confronto direto e o encorajamento à manifestação sem filtro ou moderação, produzindo uma dimensão incomensurável de opiniões ora intencional, ora ingênua, mas ambas prejudiciais, revelando que a liberdade de expressão deve ser vista por outros ângulos que antes não eram detectados.
Mas como lidar com uma liberdade tão essencial na democracia, sem feri-la? É certo que no meio social as relações interpessoais devem ser conduzidas com urbanidade, respeito, tolerância, educação e moderação, comportamento típico em se tratando de um povo evoluído democraticamente, coisa que o brasileiro evidentemente não é, seja rico ou pobre, estudado ou analfabeto, cidadão ou autoridade, a carência de maturidade democrática é presente e de forma generalizada. O fato de alguém se valer das redes sociais para propagação de mentiras, desinformação ou agressão naturalmente é ato ilícito, onde o agente que a produziu deve responder , contudo, tem-se que fazer uma observação aqui que julgamos necessário.
O que vem impulsionando o debate sobre os limites da liberdade de expressão no Brasil, em quase sua totalidade, são os fatos políticos embalados pelo combate inútil entre agentes públicos representantes de Instituições da Republica. Segundo o Presidente da Republica e alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, as redes sociais e as plataformas digitais devem ser regulamentadas visando a responsabilização e o controle das publicações, por outro lado, diversos seguimentos sociais divergem, sobre a alegação de que qualquer controle pode representar censura. Passemos a analisar tais pontos de vista:
Normatizar a vida social dos seus indivíduos é tarefa natural de todo e qualquer estado, o que não seria estranho que o fizesse em relação as redes sociais, entretanto, as leis produzidas em um determinado estado só são possíveis de aplicação no domínio territorial desse estado. Em se tratando das redes sociais e plataformas digitais, o campo de atuação transcende os limites territoriais, surge aí, o primeiro e intransponível obstáculo, outro ponto relevante é que impor às plataformas que selecionem os seus conteúdos afim de identificar as postagens inconvenientes depõe contra a agilidade da rede, visto que se faz necessário avaliar antes de postar, quebrando a natureza instantânea do universo digital.
O assunto se complica mais quando adentramos no controle do teor das postagens o que ocasiona o risco de configurar censura. Pra melhor compreensão do nosso raciocínio, definiremos censura como o controle prévio ou posterior de publicação de determinada expressão, cujo o conteúdo julga-se depor contra ordem social estabelecida, a moral, os costume, as pessoas, as autoridades, as instituições ou tudo que possa ferir a paz social. O grande dilema reside em qual característica objetiva determina que certa postagem é ou não um risco a ordem publica, e quem vai dizer que é. Exemplifiquemos:
Voltaire disse: ‘Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo’, nessa linha criticar agentes públicos, falar de suas ineficiências, suas falhas, seus equívocos a frente das decisões publicas é próprio dos regimes democráticos, mas qual seria a linha que poderia definir ofensa ou ameaça as instituições? Imagina-se que em uma democracia as pessoas sejam livres pra questionar ou discordar, inclusive do sistema estabelecido, seria normal defender o fim da Republica e a volta da Monarquia? Ora não paira sobre a Inglaterra a acusação de ser um pais antidemocrático, defender o fim do Presidencialismo e o estabelecimento do Parlamentarismo, que o voto fosse facultativo, que as eleições fossem indiretas, tudo isso são meras ideias, que nenhuma instituição deve se opor, até mesmo porque se a maioria da população aderir a tais ideias, naturalmente e democraticamente o sistema deve ser alterado.
Todavia, ao contrário do que muitos pensam, a censura não acontece somente na proibição do ato, ela se configura no momento que a população evita tal ato por temer possibilidade de ser punida, assim o núcleo subjetivo da censura é o medo de se expressar. Em algumas manifestações publicas o Ministro Alexandre de Moraes mencionou que “a liberdade de expressão não pode ser liberdade de agressão”, nesse aspecto o douto Ministro tem absoluta razão, contudo, a reflexão está em quem ou o que vai estabelecer o que é agressão ou não, se sentir agredido é um sentimento extremamente subjetivo, pessoal e intimo, palavras ou expressões que em muitos casos trazem uma mensagem critica, pode representar ofensa pra quem a recebe, dado a diversidade na qual compõe a sociedade brasileira, torna a regulamentação um desafio de altíssima complexidade, onde o menor descuido desembocaria no vale sombrio da censura estatal, na verdade, se a mera possibilidade de constrição legal produzir o receio, o medo generalizado de emitir opiniões, a censura já estaria estabelecida em sua plenitude, nesse raciocínio a tentativa de disciplina transformaria em opressão, o silêncio e o temor transvestido de prudência democrática, dessa forma, não percebe-se no estado eficiência para disciplinar tamanha complexidade e profundidade que o tema exige, assim recomenda-se não assumir tal risco.
Por fim, o ordenamento jurídico se desenvolve no tempo, é natural que os fatos atinentes a relação interpessoal serem comtempladas para que não comprometa a ordem publica, porém, a velocidade de evolução imposta pelos avanços tecnológicos são infinitamente superior, compara-se a batalha do laser contra a pólvora, mas seja qual for o desfecho dessa guerra, a liberdade de expressão é um patrimônio conquistado no qual tanto o povo quanto o estado têm o dever de preservar, não há democracia sem voz, qualquer ato que insinue a possibilidade de calar expressões legitimas é atentá-la frontalmente.
RAUCIL APARECIDO
É professor universitário e mestre em Direito Constitucional
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