A recente prisão do Deputado Federal Daniel Silveira (PSL-RJ) na última terça feira, incendiou os meios de comunicação e redes sociais promovendo o debate sobre os limites da liberdade de expressão e a imunidade parlamentar.
A liberdade de expressão consagrada na Constituição Federal Artigo 5º inciso IV, na verdade, é a livre manifestação do pensamento, no qual todo e qualquer cidadão tem a liberdade de dizer o que pensa, resguardado a honra e a moral uns dos outros, sob pena de reparação. Com a modernidade tecnológica, os meios de comunicação se tornaram absolutamente acessíveis e irreversivelmente amplos, o que impede sobremaneira quaisquer mecanismos que instigue controle.
Entretanto, controlar não é a essência do mandamento constitucional, pois completando a liberdade de pensamento, o inciso VIII do artigo 5º diz que ninguém terá privação de direitos quando os pensamentos expressados sejam de caráter religioso, filosófico ou político. Daí surge o grande desafio à sociedade e às instituições, saber medir, determinar, detectar os eventuais excessos, identificar a linha que delimita o direito sagrado de liberdade da ofensa a honra, a imagem e outros atos lesivos.
Por outro lado, o caso em tela envolve membro do Congresso Nacional com prerrogativas constitucionais especificas que protegem o exercício do mandato, disposto no artigo 53º em que os parlamentares são invioláveis penal e civilmente por quaisquer de suas palavras, opiniões e votos. Devemos analisar a profundidade do referido mandamento, primeiro, sobre a compreensão da inviolabilidade, o legislador originário revestiu o mandato com robusta proteção, algo inviolável é intocável, é intransponível, inatacável; segundo, distribui no mesmo plano, as palavras, as opiniões e os votos, atribuindo-lhes o mesmo valor jurídico, a mesma grandeza constitucional.
E justamente aí que sugerimos a discussão, quando equiparadas palavras e opiniões ao voto do parlamentar, é conceder a chamada imunidade material, onde não é possível juridicamente imputar ao parlamentar os crimes de opinião. Tal raciocínio se dá blindagem absoluta ao parlamentar, visto que o voto é atributo sagrado no Estado Democrático, ainda mais quando investido de decisão governamental, no qual a interferência de qualquer natureza, constitui ruptura gravíssima a democracia, o mesmo ocorre com as palavras e as opiniões.
Analisando a manifestação do Congressista em rede social, nesse caso do Deputado Daniel Silveira, que gerou reação por parte do Supremo Tribunal Federal decretando sua prisão, inegavelmente demonstra postura inadequada ao cargo que ocupa, a representação popular gera comportamento, àqueles que a propõe, compatível com a grandeza funcional, deve-se respeito ao Poder que ocupa, à Casa Legislativa a qual pertence, as instituições com quais se relaciona e fundamentalmente a outorga popular que lhe fora concedido. Entretanto, ao nosso vê, a correção de tal postura deve vir pelas instâncias corregedoras da própria Casa Legislativa, a criminalização e consequente judicialização do caso vemos como equivocado, visto que a materialidade criminal não se sustenta perante a imunidade.
O processo de redemocratização no Brasil, instalado com a Constituição de 1988, promete ser longo, demonstrando ser mais difícil e complicado a cada dia, além de todos os obstáculos (baixo grau de instrução, analfabetismo político em massa, miséria social entre outros), o advento dos meios de comunicação em massa promove, no seio de uma população ignorante o exibicionismo exacerbado, o que vale é o dizer, o fazer e mostrar, sem requintes, sem ponderação, sem limites. Como se deve portar as instituições e os órgãos de controle diante de algo, que por sua natureza, é incontrolável? Aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no caso em análise, resolve-se por determinar a prisão, com a proposta de instaurar inquérito futuro contra o eventual infrator. Mas, um momento! Vamos raciocinar!
No Estado Democrático de Direito é razoável a própria vítima determinar prisão, instaurar o inquérito, conduzir o julgamento e condenar o seu agressor? Podemos considerar no mínimo um desastre jurídico. Não estamos aqui aprovando ou protegendo a conduta do parlamentar Daniel Silveira, ao contrário, entendemos que a nobreza da representação popular, não pode residir na mediocridade de tal comportamento, entretanto, ao nosso vê, os órgão de Estado, em especial a Suprema Corte, não deve se prestar ao papel de responder a uma ofensa de caráter pessoal, se valendo de sua condição jurisdicional.
Observando o mandado de prisão emitido pelo Digno Ministro Alexandre de Morais, nos causa certo desconforto em especial pela forma, emitir mandado de prisão em flagrante com tamanha agilidade não é comum. O flagrante prescinde o mandado, o texto constitucional dispõe as modalidades de prisão por meio do flagrante ou ordem judicial, essa disposição é acertada, por óbvio o estado de flagrância pressupõe mecanismo de pretensão punitiva do estado face a imprevisibilidade da ação criminosa, por outro lado, o mandado surge da previsibilidade da conduta infracional, conjurar mandado de prisão e flagrante no mesmo ato, estabelece uma figura jurídica psicodélica, quase no campo da premonição.
Há certo tempo discutimos esse assunto por meio de nossos artigos, não há de se entender ou aceitar tranquilamente, o processo de empoderamento de Poder ou órgão corriqueiramente tem se desenvolvido no Brasil, a afronta a democracia tem sido institucionalizado por meio de atos de império emitidos por agentes que arvoram em si a detenção da razão absoluta, os órgãos de estado são instituídos com fins específicos e atribuições legais, suprimir suas funções é negar a razão de sua existência, o sentido constitucional de sua criação.
Portanto, arriscamos afirmar que a conduta do parlamentar foi reprovável, inegavelmente é incompatível com cargo e função que desempenha, passivo de correção pela instância corregedora da Casa Legislativa, não compete ao Supremo Tribunal Federal apurar infrações criminais, mesmo que a vítima seja seus membros, até porque, uma vez assim sendo, estaremos diante da autotutela, invertendo a ordem constitucional. Por fim, a República está em alvoroço, diante de um caso que divide a opinião publica e exige posicionamento dos Poderes, mais uma etapa da nossa construção democrática, as instituições se reposicionando, se adequando, se acomodando no espaço que sua atribuição lhe permite, até a consolidação daquelas, nós brasileiros seguimos confusos com suas atuações, vítimas de suas vaidades, injustiçados por suas decisões.
RAUCIL APARECIDO
É professor universitário e mestre em Direito Constitucional
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