A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre irregularidades no Instituto de Previdência Social de Palmas (PreviPalmas) apresentou nesta quinta-feira, 27, o relatório da investigação, que acabou não sendo votado porque recebeu pedido de vista do vereador Major Negreiros (PSB). O documento responsabiliza “diretamente” pelas aplicações temerárias de R$ 58 milhões Maxcilane Fleury, ex-presidente; Christian Zini, então secretário de Finanças, e Fábio Costa Martins, que era diretor de investimentos. Entretanto, o texto ainda vê participação “solidária” do ex-prefeito Carlos Amastha (PSB).
Além do político, o relatório de autoria da vereadora Laudecy Coimbra (SD) – líder da atual prefeita, Cinthia Ribeiro (PSDB) – também responsabiliza “solidariamente” Danielle Rodrigues, que na assessoria jurídica do instituto emitiu pareceres com informações falsas, bem como todas as administradores e gestores que passaram pelos fundos Wings – antiga Tercon e Cais Mauá. Da Caixa Econômica Federal (CEF), o texto defende o ressarcimento – integral ou solidário – dos R$ 58 milhões por ter liberado os recursos do PreviPalmas sem todas as autorizações necessárias.
Mudanças na legislação
Um dos pontos mais destacados pelo relatório é a deficiência das normas que regem o PreviPalmas. O texto condena algumas legislações referentes ao instituto, como a Lei 1.414 de 2005, que “atenta contra a boa governança” porque não garante a autonomia administrativa e patrimonial da autarquia, apenas a contábil e financeira. O relatório também entende que o PreviPalmas não deve ser vinculado ao gabinete do prefeito “para todos os efeitos”, mas somente “para fins de controle”.
Na avaliação do relatório, com o fato de a legislação dar ao chefe do Poder Executivo a atribuição para nomear o presidente do PreviPalmas e estabelecer os cargos comissionados e seus valores de remuneração, é possível colocar o prefeito como “corresponsável por qualquer ação irregular emanada daqueles servidores nomeados, visto que os mesmos são tratados como seus auxiliares diretos”.
“A falta de autonomia, que pode ser considerada, inclusive, como ilegalidade, torna-se ainda mais gritante, quando não se tem na legislação nenhum tipo de condição ou necessárias competências para ocupação de qualquer um desses cargos da estrutura do PreviPalmas”, anota o relatório, que, neste sentido, sugere exigência de certificação para os gestores, tal como já é feito para as entidades fechadas de previdência”, anota.
Outro dispositivo questionado no relatório é o artigo 19º da Lei 1.558 de 2008. O norma dá autorização ao chefe do Poder Executivo para regulamentar o Regimento Interno do PreviPalmas. “O que deve ser reformado: quem deve deter tal competência é, exclusivamente, o CMP [Conselho Municipal de Previdência], a partir de proposta de sua própria diretoria”, sugere ainda.
O documento também sugere que o Conselho Municipal de Previdência (CMP) deve exercer plenamente a função fiscalizatória, deliberativa e consultiva, tendo o seu presidente com dedicação exclusiva no cargo com percepção de vantagem pecuniária. No visão da CPI, a CMP também deveria ser responsável pela elaboração do Regimento Interno do instituto.
Para garantir a autonomia do PreviPalmas, o relatório defende a edição de legislação que estabeleça critérios mínimos e condições para ocupação de todos os cargos; que condicione a posse do presidente e de diretores após a nomeação pelo Executivo e à realização de prévia sabatina perante a Câmara de Vereadores; e um mandato de dois anos para a presidência e diretorias.
Responsabilização
Ao falar sobre a atuação dos agentes para permitir aplicações de R$ 58 milhões – e mais R$ 10 milhões que foram estornados -, o relatório afirma que todos os atos foram “premeditados e executados conscientemente”. “O que se constata pelo grau de especialização e expertise que demonstraram em sua administração”, acrescenta o texto, citando especialmente Fábio Martins, Danielle Rodrigues, Max Fleury e Christian Zini.
A CPI contesta, por exemplo, a alegação de Christian Zini de que sua participação se limitou às assinaturas para liberação dos recursos. O relatório cruza as declarações de outros depoentes que apontaram que o ex-secretário de Finanças participou das negociações para aplicações temerárias e que as decisões para nomeações passavam pela sua aprovação. O documento reforça que ele também assinou papéis que determinaram os investimentos fraudulentos desde a origem dos processos.
Sobre a participação do ex-prefeito Carlos Amastha nas aplicações irregulares, a CPI entende ser “mais do que a omissão ou a indicação de gestores incapazes e ineficientes”. O relatório afirma que o pessebista avocou para si “todo o ônus” da gestão do instituto ao interferir diretamente na autonomia do PreviPalmas, isto quando: descumpriu Resolução do Banco Central que dispõe sobre as aplicações dos recursos dos regimes próprios de previdência social, nomeou gestores sem experiência profissional e conhecimento técnico; utilizou o PreviPalmas como item de barganha política e não exerceu nenhuma ação para se efetivar o controle necessário.
Tal atuação, no entendimento do relatório, colocou a prefeitura também como responsável pelo ressarcimento do PreviPalmas. “Há a constatação de responsabilidade objetiva, também, do Executivo, devendo o mesmo ressarcir os cofres do RPPS [Regime Próprio de Previdência Social] dos valores indevidamente desviados. Conclui-se que o município não só se omitiu nas ações de fiscalização que lhe eram obrigatórias, mas foi culpado pelos erros grosseiros cometidos pelos seus representantes que atuaram na gestão”, afirma.
“As ações iniciais do chefe Executivo – nomeações, decretos, atos -, bem como a falta de ações de controle, contribuíram, enormemente, para que as fraudes perpetradas conseguissem seu intento de desvio de recursos, visto que só houve reação de sua parte meses depois das primeiras notícias veiculadas sobre a ocorrência de irregularidades nas aplicações”, diz o relatório, que acrescenta: “A partir de erro grosseiro na escolha indiscriminada dos gestores do PreviPalmas, sem utilização de critérios técnicos e de capacidade, aliada à indicação meramente política, é [o prefeito] diretamente responsável pelos atos de seus representantes”.
Aplicação na Tercon
O relatório levanta a série de irregularidades cometidas para investimento de R$ 30 milhões – R$ 10 milhões tendo sido estornados – no fundo Wings, o antigo Tercon. Conforme a CPI, não houve aprovação das aplicações pelo Comitê de Investimento, que teve as funções usurpadas por um único diretor. Ainda houve problemas no processo de credenciamento, desobediência à política de investimento de 2017, aplicação desenquadrada, fala de crivo do CMP, que chegou a ser municiado de informações falsas sobre o processo.
“Por todo o exposto, confirmou-se que os gestores, Fábio Costa Martins, Maxcilane Fleury e Christian Zini realizaram uma série de ações ilegais, que podem ser consideradas fraudes, finalizando com a autorização e aporte de R$ 20 milhões no fundo Wings/Tercon, que deverá se configurar como prejuízo ao PreviPalmas, sobre os quais são diretamente responsáveis”, afirma a comissão.
O relatório também aponta participação de Danielle Rodrigues por emitir “pareceres conflitantes com a realidade dos fatos e com a legislação”, tornado-a “solidária no cometimento das fraudes”. Além dela, a CPI coloca Carlos Amastha como tendo responsabilidade solidária” por todas as ocorrências.
“Visto que a ocorrência desta fraude foram perpetradas por servidores levados à gestão pelo Executivo, agindo em nome desse, com grande interferência indevida na autonomia do PreviPalmas, há necessidade daquele ente efetivar o ressarcimento aos cofres dos fundos previdenciários: que nunca podem ser tratados ou confundidos como recursos públicos”, defende ainda a comissão.
Cais Mauá
A aplicação de R$ 30 milhões no fundo Cais Mauá também foi resultado dos mesmos procedimentos irregulares da Tercon, sendo eles: usurpação das funções de todo comitê pelo diretor, problemas no credenciamento das gestoras e administradoras, desobediência à política de investimento, falta de aprovação do CMP e assinatura de documento com informação falsa. E assim como no primeiro caso, a CPI responsabiliza “diretamente” Fábio Costa Martins, Maxcilane Fleury e Christian Zini.
Com o procedimento sendo semelhante, Danielle Rodrigues também é responsabilizada solidariamente, por emitir pareceres jurídicos com informações falsas; bem como Carlos Amastha, pela nomeação de gestores e servidores sem critérios técnicos. O relatório volta a exigir que o município faça o ressarcimento aos cofres dos fundos previdenciários.
Possível prejuízo
Para além das irregularidades, o relatório projeta prejuízos à instituição palmense devido às aplicações temerárias. Indícios desta expectativa, segundo o texto, deve-se à participação de grupos controlados por Luiz Eduardo Franco de Abreu, que já trouxe danos ao Instituto de Gestão Previdenciária do Tocantins (Igeprev). A CPI também cita às investigações do Ministério Público (MPF) e Polícia Federal (PF) com as operações Fundo Perdido, Greenfield, Circus Maximus, Gatekeeper e Olho de Tandera.
“As tentativas infrutíferas de resgate das aplicações confirmam que não haverá nenhuma disposição dos gestores e administradores daqueles fundos em solucionar as pendências apresentadas, mesmo com processos judiciais já instalados. Deve-se lembrar, ainda, que no âmbito das ações impetradas buscou-se o bloqueio e sequestro de bens e valores à disposição dos fundos, chegando-se a valores irrisórios”, expõe ainda o relatório.
As empresas
Na avaliação da CPI, as gestoras e administradoras dos fundos em que o PreviPalmas aplicou os R$ 50 milhões também são responsáveis solidárias para ressarcimento dos recursos, isto porque agiram em desconformidade com a Resolução 3.922 do Banco Central e a Instrução 58 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ao ofereceram e finalizaram negócios com o PreviPalmas, mesmo sendo público que o mesmo nunca teve a característica de ‘investidor qualificado’.
Recuperação financeira
O relatório da comissão também trata da participação da Caixa Econômica Federal (CEF), que detém recursos do PreviPalmas. “Restou comprovado que os servidores da CEF agiram em contrariedade aos normativos e às determinações legais […] Efetuou transferências de parte desses recursos sem as devidas autorizações, tendo, assim, o dever de efetuar a devolução dos mesmos para a conta corrente de origem, devidamente corrigida monetariamente”, defende.
O ressarcimento já foi solicitado via requerimento à instituição financeira, que se negou a realizá-lo, mas admitiu auditoria interna para averiguar irregularidades.
“Pela confirmação das irregularidades e da responsabilidade da CEF, deve ser encaminhada determinação para que o Poder Executivo Municipal adote procedimentos, administrativos e judiciais, para recomposição pela Instituição Financeira – de forma solidária ou isolada – do valor de R$ 58 milhões aos cofres do instituto”, sugere, então, o relatório.
Além de Maxcilane Fleury, Fábio Costa Martins, Danielle Rodrigues, Christian Zini, Carlos Amastha e Caixa Econômica Federal, a CPI ainda responsabiliza todas as administradoras e gestoras que passaram pelos fundos Wings e Cais Mauá: Reag, Tercon, Austro, CM Capital Markets, LAD, MHFT Investimentos e ICLA Trust. O relatório vê possibilidade da prática de crimes contra o sistema financeiro e improbidade administrativa.
Encaminhamentos
A CPI conclui com uma recomendação para que a prefeitura faça as alterações sugeridas na legislação para garantir autonomia ao PreviPalmas. A manutenção dos processos administrativos e judiciais para garantir o retorno dos recursos financeiros também é indicado ao Executivo.
Ao PreviPalmas há uma orientação para que seja realizada auditoria para verificar os lançamentos contábeis, os cálculos previdenciários e as concessões de benefícios, e ainda que seja lançado nas contas do instituto o efetivo prejuízo das aplicações para não desvirtuar cálculos atuariais e permitir a cobrança do ressarcimento dos valores.
O documento também será enviado ao Ministério Público Federal (MPF) e Estadual (MPE) no intuito de apurar a conduta de cada um dos gestores envolvidos, bem como das pessoas e agentes privados. O relatório ainda será compartilhado com: Banco Central, CVM, CMP do instituto, sindicatos e associações de servidores, Tribunal de Contas (TCE), Judiciário (TJTO), Assembleia Legislativa, Procuradorias da República no Tocantins, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pará e São Paulo, assim como para Polícia Federal destes estados.