Jamais engoli que nosso país é o paraíso da democracia racial, da igualdade, de povo naturalmente conciliador, de que aqui temos liberdades/oportunidades democráticas. Isso jamais foi verdade. Quando será? Na pandemia da Covid-19? Parece que não.
Essa realidade de desigualdade social aumenta no momento atual de pandemia da Covid-19, porque as pessoas que ganharam mais da vida no país parecem estar alheias aos problemas sociais concretos do povo brasileiro mais sofrido. População que habita lugares com graves problemas ambientais, sem acesso a saneamento básico, sem comida (olha o preço dos alimentos!), sem lazer, sem educação (não têm internet!), sem perspectivas, sem liberdades e satisfações pessoais.
A literatura jurídico-política cunhou o termo “Racismo Ambiental”, para designar aquela população que vive em situações degradantes de miséria em locais insalubres que, em casos como estes de catástrofes, sofrem exponencialmente mais do que qualquer um de nós possa imaginar algum dia sofrer.
Com que nossa classe política e econômica está preocupada? Com que Thomas Hobbes disse, aos nos diferenciar das sociedades das abelhas e das formigas que, ao contrário de nós, sempre buscam o bem comum por meio da cooperação: “os homens estão constantemente envolvidos numa competição pela honra e pela dignidade. […] é devido a isso que surgem entre os homens a inveja e o ódio e, finalmente, a guerra”[1]. Deveríamos estar em guerra contra a Covid-19, mas estamos em guerra, no Brasil, uns contra os outros, por inveja e ódio, sem cooperação.
A prova disso é que até o momento o Governo Federal não renovou o auxílio emergencial que jamais deveria ter sido cessado. Quando se interrompe o único meio de sobrevivência das pessoas o que ocorre? Humilhações e mortes aos milhares. Outra prova é a disputa irracional pelo oferecimento/disponibilização das vacinas e leitos de UTI’s. Todos: União, Estados e municípios são responsáveis. De novo, Thomas Hobbes está certo, porque no palco desta disputa está algo mesquinho no momento, as eleições gerais de 2022.
Se o Governo Federal, que tem o cofre mais valioso da República, não quiser adquirir adequadamente vacinas e leitos de UTI’s para o povo nacional, pode não só os Estados e Municípios fazê-lo, como também pode o Poder Judiciário determinar, a força, que Aquele o faça às suas expensas. A razão disso é que, conforme o sábio Paulo Bonavides, infelizmente recém falecido, o nosso federalismo é governado por duas leis: lei da participação e lei da autonomia[2].
Primeiramente, Estados e Municípios, conforme a lei da participação referida, fazem parte da União Federal, especialmente por meio do Congresso Nacional (principalmente, Senado Federal) e do Supremo Tribunal Federal. Por isso, esses órgãos/poderes podem determinar que o maior dono do cofre público garanta saúde a todos. Por outro lado, a lei da autonomia mencionada permite a Estados e Municípios ação adicional – que some aos deveres da União – para combater a Covid-19, sobretudo quando omisso o Governo Federal. O federalismo deve ser cooperativo em busca do bem comum, tal como as abelhas e as formigas são cooperativas.
A nossa realidade local é igualmente NEGATIVA e tem nome, sobrenome e endereços conhecidos, de modo que fico me questionando o motivo do “orgulho” de alguns gestores municipais em assumir a falta de habilidade político-administrativa de gerir suas cidades neste momento que reclama competência e responsabilidade.
Sem medo de ser mais incisivo ainda, vendo o colapso na nossa maior cidade, a nossa Capital, não entendo os motivos pelos quais a Prefeitura de Palmas/TO não implantou, TEMPESTIVAMENTE, mais leitos clínicos e de UTIs para se unir aos esforços que vem sendo feitos pelo Governo Estadual. Se disser que faltou condições, deve aceitar que faltou também humildade e espírito cooperativo para com os Palmenses, pois assumir incapacidade neste ponto e pedir ajuda não é vergonhoso, mas um ato de cooperação/compaixão e amor para com todos nossos concidadãos.
Estou apenas cobrando e sendo omisso? Acho que não! Posso dizer que tenho tentando contribuir da melhor forma possível como Parlamentar para que possamos transpor essa situação de pandemia, da maneira mais segura, eficiente e ágil. Tenho vários projetos, requerimentos e ações que buscam dar mais celeridade no processo de aquisição e aplicação das vacinas, para a criação e ampliação de leitos clínicos e de UTI’s, bem como nas medidas de auxílio às pessoas mais impactadas.
Apresentei um Projeto de Lei para que possa ficar isenta, do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a operação de importação de insumos destinados à fabricação de soros e de vacinas relativas ao combate à pandemia da COVID-19. Entrei com requerimentos solicitando a criação de um Fundo Estadual para destinação de recursos a fim de comprar vacinas e criar a Comissão Especial de acompanhamento e auxílio da vacinação nos municípios. Ainda em 2020, empenhei-me para que o Tocantins participasse da Fase III de testes de uma vacina de uma empresa chinesa de alta tecnologia, oportunizando, diretamente, doses para a nossa população. Em emendas parlamentares, destinei R$ 1,2 milhão para aquisição de cestas básicas, beneficiando a população carente mais impactada com os efeitos restritivos da pandemia e outros R$ 900 mil destinados para a saúde nos municípios.
Também empunhei a bandeira para que as pessoas mais carentes, mais impactadas pela pandemia, que viram suas fontes de renda reduzidas ou em grande parte zeradas, tenham o direito de não ter seu fornecimento de água e energia interrompidos por inadimplência. Em 2020 conseguimos que fossem proibidos os cortes e agora em 2021 volto com o Projeto de Lei para que essa condição se mantenha enquanto perdurar a situação de Calamidade Pública, em decorrência da Covid-19, no Tocantins.
Por tudo isso, quero defender dois (2) pontos inegociáveis: (1º) todas as vacinas e todas as UTI’s, no Brasil, devem ser democraticamente públicas, pois cada um de nós deve ter igual consideração dos governos e de nossos concidadãos; (2º) Governos Federal, estadual e municipais e sociedade devem cooperar entre si, destinando todos os recursos necessários, energias e responsabilidades para cumprir o primeiro ponto sobre ser as vacinas e UTI’s públicas e democráticas. Sejamos cooperativos.
RICARDO AYRES
É deputado estadual e advogado
assessoria.ricardoayres@gmail.com
[1] Em: DE MALMESBURY, Thomas Hobbes. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz da Silva. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1997, p. 143.
[2] Em: BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 11ª edição, 2005, p. 181.