Querida Lis,
O último parto da sua mãe (quando ela te deu à luz) foi o primeiro ao qual assisti. Na verdade, acompanhei mais ela do que o seu nascimento, pois você veio ao mundo por uma cesárea, e parte do corpo da sua mãe ficou coberto por um pano verde, o chamado campo cirúrgico, no jargão médico.
Durante o procedimento, o obstetra narrou o que estava acontecendo, pois sua mãe não conseguiu assistir a todos os passos devido à barreira. Eu também não consegui, não só pela barreira, mas porque tenho medo de sangue e temi dar o vexame de desmaiar. Por isso, me limitei a segurar a mão dela e dizer que tudo daria certo.
Normalmente, depois que os bebês nascem, são colocados imediatamente nos braços dos pais para o primeiro contato. Mas você, Lis, não teve essa experiência. Você aspirou mecônio, uma matéria fecal verde-escura, que acabou indo para os seus pulmões antes ou durante o parto. Isso causou-lhe a obstrução das vias aéreas e dificultou sua respiração.
Consequentemente, você foi levada para uma sala de emergência, onde foi atendida por uma equipe de profissionais de saúde, incluindo médica pediatra, enfermeira e fisioterapeuta. Ali, realizaram procedimentos de sucção para retirar o mecônio, te colocaram no balão de oxigênio e te entubaram.
Eu assisti à cena perturbadora através de uma porta de vidro transparente. Agora, entendo que os profissionais de saúde fizeram tudo corretamente e salvaram a sua vida. Mas, naquele momento, tudo me pareceu agressivo, invasivo e desumano. Para evitar meu sofrimento, enquanto testemunhava o seu, tentei pensar positivo; te imaginei sorrindo, sendo amamentada, dando seus primeiros passos, dizendo “papá”, indo para a escolinha.
Mas minha mente ansiosa insistia em cenas catastróficas, em um mundo no qual você não estava. Nelas, eu perambulava sozinho pelos bares, como um zumbi, eternamente preso àquele momento fatídico. Dos labirintos mais sombrios do meu inconsciente, surgiu a imagem da minha mãe – sua avó – sendo reanimada por paramédicos com seus desfibriladores desumanos.
Isso durou o dia inteiro, filha, durante o qual eu não tive tempo (nem apetite) para me alimentar. Fiquei vagando entre a UTI neonatal e a enfermaria onde sua mãe estava internada, separados por cerca de 200 metros; resolvendo questões burocráticas da internação e respondendo a mensagens e ligações de amigos e familiares sobre o estado de vocês duas.
No fim do dia, saí da maternidade para tentar descansar em casa. Voltaria no dia seguinte, e pensava no caminho que estava tudo bem. No entanto, as cenas da sala de emergência permaneciam comigo, grudadas como uma música-chiclete – ruim. Tremia de fome e fraqueza, mas não conseguia comer. Sentia um nó na garganta, tornando impossível ingerir qualquer alimento.
Ao encontrar amigos em um restaurante, enquanto tentava tomar uma bebida forte, não consegui conter as lágrimas – algumas novas, outras antigas. Eles me confortaram com palavras de apoio enquanto eu desabafava: “Ela passou por tanto sofrimento, e eu me senti tão impotente. Seus olhinhos pareciam tão assustados, sem que eu pudesse fazer nada além de assistir”, disse entre soluços.
Agora, enquanto escrevo esta carta-desabafo, você dorme tranquilamente em seu berço. Filha, você ainda não sabe, mas foi salva por profissionais de saúde extraordinários, talvez também pela quantidade imensa de promessas que fiz a Deus e aos santos, mesmo não sendo religioso. Foram tantas que não sei se conseguirei cumpri-las todas!
Você não faz ideia de como foi corajosa desde o momento em que chegou ao mundo. Esse “Certificado de Vitória” ao lado do seu berço – entregue pela equipe multiprofissional da UTI neonatal – é um testemunho disso. Ele diz: “Certificamos que Lis Gonçalves Aguiar esteve internada na UTI Neonatal e demonstrou notável força, bravura e coragem, alcançando aqui uma de suas primeiras vitórias na vida!”
Com todo o meu amor,
Papai
Palmas, 8 de julho de 2024.
RUBENS GONÇALVES
É jornalista em Palmas