A CPI da Covid foi instalada para apurar ações e omissões do governo federal no combate à pandemia, com foco na situação do estado do Amazonas. Também irá investigar a adequação das verbas federais transferidas a estados e municípios, com objetivo de auxiliar no enfrentamento da crise sanitária.
Parece que as ações e omissões governamentais são inquestionavelmente ilegais, com resultados catastróficos, a significar a responsabilidade do governo federal na ampliação desnecessária do número de vítimas da covid-19. A questão a ser enfrentada pela CPI é a de quem será atribuída a responsabilidade por essas ações ilegais.
Listo aqui as principais ações e omissões ilegais: desinformação e violação ao dever de informação, eleição em terapêuticas sem comprovação científica para o combate à pandemia, além da demora no fechamento dos contratos para aquisição de vacinas.
A desinformação e a violação ao dever de informação marcam toda a trajetória da atuação do governo federal durante a pandemia. Durante os primeiros meses do ano de 2020, o governo, especialmente por meio das afirmações do presidente Jair Bolsonaro, apresentou discurso minimizando os riscos da pandemia, acusando outros governantes de incitarem pavor desnecessário na população. Houve inúmeras colisões de versões entre as falas presidenciais e aquelas derivadas dos ministros da Saúde, no sentido da utilidade do isolamento social e do uso de máscaras – ambas alternativas voltadas para a prevenção do contágio.
Esses problemas na comunicação estatal tiveram severo impacto na postura da população, em especial na descrença dessas medidas como efetivas na proteção da saúde. Muito da nocividade da desinformação se viu no estado do Amazonas, que chegou a ficar sem os mínimos insumos para tratamento dos pacientes acometidos pela covid-19. Essas posturas estão na contramão das determinações constitucionais e da Lei Orgânica da Saúde nº 8080/90, que determinam o dever estatal de divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde.
A eleição de terapêuticas sem comprovação científica por parte do governo federal relevou-se uma violação extrema ao dever do Estado em não causar danos ao cidadão. Afinal, dessa política podem ter derivados inúmeros óbitos, em razão de tratamento inadequado e até por eventuais automedicações. Além disso, houve investimento financeiro na aquisição desses medicamentos, que, no final das contas, em vista de sua ineficácia, não serão utilizados no tratamento dos doentes de covid-19. Tal fato representa malversação de direito público.
Finalmente, a demora do governo em firmar contratos para aquisição de vacinas fez com que o Brasil ficasse muito atrás da maioria dos países no início da vacinação, bem como na intensidade da imunização. Especialmente, as vacinas mais utilizadas na Europa e nos EUA só chegarão ao Brasil, em quantidade adequada, no segundo semestre deste ano. Fato que prolonga desnecessariamente a pandemia no país. Trata-se de uma omissão que impacta a saúde e a vida de milhões de brasileiros, sem falar nos efeitos colaterais na economia, educação, etc.
SILVIO GUIDI
É advogado há 15 anos e doutor em Direito Administrativo pela PUC-SP. Além de professor e palestrante, atua como consultor nas áreas de Healthcare e Life Sciences (pública, regulatória e privada). É sócio no escritório de advogacia Vernalha Guimarães e Pereira Advogados e membro da Comissão de Direito Sanitário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Também é autor dos livros “Serviços públicos de saúde” (Quartier Latin, 2019) e “Comentários à lei orgânica da saúde” (Quartier Latin 2021) e colaborador do blog Fausto Macedo, para o Estadão.