Privar é tirar ou subtrair algo de alguém, que fica destituído ou despojado do bem subtraído. O bem em questão são os direitos políticos. A Constituição prevê duas formas de privação de direitos políticos: PERDA e SUSPENSÃO. Proíbe, ademais, a cassação desses mesmos direitos.
[bs-quote quote=”A rigor, são apenas duas as hipóteses de perda dos direitos políticos: o cancelamento da naturalização e a perda da nacionalidade brasileira. Todas as demais são hipóteses de suspensão, pois de efeitos temporários: perduram enquanto perdurarem as causas determinantes” style=”default” align=”right” author_name=”MARCOS AIRES” author_job=”É jurista” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/01/Marcos-Aires60.jpg”][/bs-quote]
A rigor, são apenas duas as hipóteses de perda dos direitos políticos: o cancelamento da naturalização e a perda da nacionalidade brasileira. Todas as demais são hipóteses de suspensão, pois de efeitos temporários: perduram enquanto perdurarem as causas determinantes, nos casos de incapacidade civil absoluta, de condenação criminal e de recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa; no caso de improbidade administrativa, o tempo de suspensão dos direitos políticos é o estabelecido na lei regulamentadora do art. 37, § 4°, da Constituição Federal, ou seja, a Lei n. 8.429, de 02 de junho de 1992.
O art. 15, inc. V da Constituição Federal, diz: “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º da Constituição Federal.
A improbidade administrativa é o ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da Administração Pública no Brasil, cometido por agente público (concursado/agente público, cargo eletivo/agente político ou nomeado/agente político), durante o exercício de função pública ou decorrente desta, é aquele impregnado de desonestidade e deslealdade.
Por seu turno, o art. 37, § 4º da CFB, diz: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Portanto, a cassação política significa a perda de direitos políticos, inclusive cargo ou função pública, a título de punição. Com a perda do cargo público-eletivo deixa o cidadão de participar da administração estatal, o que denota restrição à cidadania. Na literatura jurídica é comum o emprego da palavra cassação para expressar a extinção de mandato em razão de responsabilização de seu titular por ilícitos eleitorais. É nesse sentido que a empregou a Lei n. 9.504/97 nos artigos 30-A, § 2º, 41-A e 73, § 5º. Cassação aí tem o mesmo sentido de perda do cargo como sanção pelo evento ilícito.
A perda ou a suspensão de direitos políticos acarretam várias conseqüências jurídicas, a perda de cargo ou função pública (CRFB, art. 37, I, c.c. Lei n. 8.112/90, art. 5º, II e III), veja: “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;” c.c. “São requisitos básicos para investidura em cargo público: – o gozo dos direitos políticos; – a quitação com as obrigações militares e eleitorais;”
Com exceção à regra, no tocante a deputados federais e senadores (e também a deputados estaduais e distritais, por força do disposto nos artigos 27, § 1º, e 32, § 3º, da CRFB), a concretização da perda dos direitos políticos não acarreta direta e automaticamente a do mandato. É que a perda de mandato legislativo deve necessariamente decorrer de ato editado pela Mesa da Casa respectiva, que age de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político com representação no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa (CRFB, art. 55, IV, § 3º). A necessidade de haver pronunciamento da Mesa tem o sentido de preservar a independência do Parlamento da interferência de outros poderes, bem como seu regular funcionamento.
Contudo, em se tratando de Prefeitos, Governadores e Presidente da República, o afastamento será imediato após a publicação do acórdão do Colegiado Cível (TJ/STJ/STF) e confirmação pelos Embargos Declaratórios que reconhece o ato de improbidade vinculado ao ilícito eleitoral, eis que, o agente político já não mais preenche os requisitos ao exercício do cargo por perda da cidadania e pelo tempo da fixação da suspensão dos direitos políticos.
Entretanto, ao contrário do que muitos creem, o afastamento não ocorre somente por via da Justiça Eleitoral (AIJE, AIRC e AIME – Investigação e Impugnações), mas, também, pela declaração dos efeitos durante o curso e posteriormente ao mandato impugnado, pelo Tribunal Competente em matéria cível afeta à improbidade. Por exemplo, o agente político tem seu mandato cassado e direitos políticos suspensos por determinado lapso temporal, ocorre que o mandato impugnado expirou e este se reelegeu em novo pleito tendo a cassação se dado posteriormente à sua posse e curso do novo mandato, como ficará o exercício do cargo e função? Não perderá o mandato que expirou, mas ficará impedido de exercer o cargo no segundo mandato pela perda dos requisitos básicos à investidura, no momento em que suspensos e confirmados pelo Colegiado os direitos políticos, devendo se afastar imediatamente.
A suspensão dos direitos políticos não é pena acessória, e sim conseqüência da condenação criminal: opera-se automaticamente, independentemente de qualquer referência na sentença. A suspensão dos direitos políticos por motivo de improbidade administrativa é hipótese nova no direito brasileiro, introduzida pela Constituição Federal/88. À improbidade, tradicionalmente, cominavam-se sanções de natureza penal, ainda que com efeitos políticos. Mas, sempre em ação penal. Agora, a sanção não é penal. É civil ou, melhor dizendo, político-civil.
Leia-se, com efeito, a Constituição Federal, no § 4° do art. 37: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível“. Ora, essa circunstância – natureza não criminal da sanção inova substancialmente na ordem jurídica, o que fica evidenciado no exame da Lei n. 8.429/92, que, regulamentando o texto constitucional, dispôs sobre “as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou funcional“.
Suspendem-se os direitos políticos por “condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos“, diz o inc. III do art. 15 da Constituição Federal. A Constituição anterior tinha dispositivo semelhante no § 2°, alínea “c”, do art. 149, cuja aplicabilidade a jurisprudência e a doutrina condicionaram à edição da Lei Complementar referida no § 3° daquele artigo, a saber: “Lei Complementar disporá sobre a especificação dos direitos políticos, o gozo, o exercício, a perda ou suspensão de todos ou de qualquer deles e os casos e as condições de sua reaquisição“. Dita Lei jamais chegou a ser editada.
A Constituição de 1988, no entanto, não refere exigência de norma regulamentadora. A eficácia plena e a aplicabilidade imediata do seu inc. III do art. 15, é, destarte, inquestionável, e assim pensa a doutrina e decidem os Tribunais, especialmente, com a relativização do trânsito em julgado nos crimes de responsabilidade e improbidade com eficácia às decisões do colegiado de Turmas Recursais de Tribunais Regionais previsto na lei da ficha limpa 135/10, que alterou a 64/90.
A Lei da Ficha Limpa, em seu art. 1º, inc I, “&” l, diz: São inelegíveis: “os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;”
Os atos de improbidade foram divididos em três grandes grupos: os “que importam enriquecimento ilícito” (art. 9°), os “que causam prejuízos ao erário” (art. 10) e os “que atentam contra os princípios da administração pública” (art. 11). No que diz respeito à cominação de suspensão dos direitos políticos que é aplicável cumulativamente com outras previstas na lei, como a perda do cargo público, o ressarcimento dos danos, a perda dos acréscimos patrimoniais ilicitamente obtidos etc. fixou a lei, no art. 12, a seguinte gradação: suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, para os atos da improbidade do primeiro grupo (art. 9°); de cinco a oito anos, para os atos do segundo grupo (art. 10); e de três a cinco anos, para os demais (art. 11 ). “Na fixação das penas”, diz a lei, “… o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim, como o proveito patrimonial obtido pelo agente” (art. 12, parágrafo único).
Ocorre, que, se a penalidade de suspensão dos direitos políticos que acarreta a perda do cargo eletivo se der por ato administrativo “dentro do período eleitoral vedado”, deverá o Relator julgar a repercussão e incidência da suspensão dos direitos políticos incidentalmente à inelegibilidade, afastando o detentor do cargo por motivos constitucionais reflexos, agora, se a improbidade for anterior ao pleito e não dentro do período das condutas vedadas, somente pela a justiça comum competente, conforme cada caso, já que, neste caso específico, a ação não é da competência da Justiça Eleitoral, não sendo matéria de natureza eleitoral. Assim, a superveniente perda ou suspensão dos direitos de cidadania implicará, automaticamente, a perda do cargo.
Finalmente, a conceituação dos direitos políticos como direito de participar da organização e funcionamento do Estado. Tal conceito explica o fato de que além de ser uma condição de elegibilidade, o pleno exercício dos direitos políticos é também uma condição para o exercício do mandato eletivo.
Mas devem-se distinguir ambas as situações, no que interessa ao estudo do direito eleitoral. Na primeira, aquele que em período eleitoral esteja com os direitos políticos suspensos ou os tenha perdido, não satisfaz condição de elegibilidade e, portanto, não pode participar do pleito. Já quem teve os direitos políticos suspensos ou cassados no curso do mandato eletivo, fora do período eleitoral, perde o cargo para o qual foi eleito, sendo que tal matéria foge da seara do direito eleitoral, sendo da seara eminentemente do direito constitucional, administrativo e até penal.
MARCOS AIRES
É jurista
marcosairesadvoc@uol.com.br