A autorização da Assembleia para que o governador Mauro Carlesse (DEM) possa vender as ações do Estado na Lajeado Energia SA é uma medida acertada. Diante de tantas dificuldades, não tem porque o governo ficar com esse dinheiro guardado e contraindo dívidas no mercado financeiro. A questão, portanto, não é se o Estado deve ou não se desfazer dessas ações, mas o que fará com os recursos que vai resgatar, que podem chegar a R$ 600 milhões.
Começa mal quando parte dos dividendos já sai comprometida da Assembleia para beneficiar bases eleitorais de deputados. Um recurso tão escasso deve ser usado de forma estratégica, com clara definição técnica, não para fazer política. Nada contra destinar parte desses recursos para a construção de hospitais e pavimentação asfáltica. Mas a decisão de destinar parte desses R$ 600 milhões deve ser fruto de um detalhado planejamento.
Desde quando o Estado discute os empréstimos junto à Caixa e ao Banco do Brasil que tenho insistido nisso. Sempre afirmei que foi um erro o retalhamento dessas operações para atender a base dos deputados, ao custo do endividando o Estado, com obras que poderiam muito bem aguardar ou que deveriam ser de iniciativa dos municípios. Como sempre no Tocantins, porém, os apelos eleitorais se sobrepuseram aos critérios técnicos, e temos lá várias promessas feitas pelos prefeitos nas campanhas eleitorais de 2016, como asfalto, ginásio de esportes e até rodoviária. Só não saíram por conta do imbróglio judicial que marcou e atrasou essas operações.
Agora estamos diante desses recursos extras que o Estado pode usar num momento de frustração extrema de receita por conta da pandemia do novo coronavírus. O governo fala de uma perda de R$ 500 milhões de arrecadação e estima que pode resgatar até R$ 600 milhões com as ações que vai vender. Como então vem deputado dizer para colocar recursos aqui e ali, como se esse dinheiro estivesse sobrando? De novo: nada contra a construção de hospitais e asfalto. Não é isso. Mas, ao que parece, a destinação para essas obras é meramente politiqueira, não técnica.
Podemos usar duas figuras sobre essa questão. A primeira é de uma família endividada que vende um terreno e, ao invés de pagar as contas, vai gastar com outras coisas, como se o dinheiro não tivesse fim. Ao final, gostou cada centavo e a dívida continua do mesmo tamanho, gerando as mesmas aflições que antes a fustigava.
A outra figura possível é do sujeito que ficou desempregado e vendeu o terreno para passar os meses seguintes até conseguir novo trabalho. Mas, quando viu aquela dinheirama com a qual nunca se deparara, resolveu curtir a vida adoidado. A grana acabou, não arrumou outro emprego e como fará agora para sobreviver até voltar ao mercado?
O Tocantins, em dada medida, se enquadra nas suas situações: já tem um custo mensal absurdo, como a família endividada, e enfrenta um cenário de frustração de receita por conta da crise da Covid-19, como o sujeito que perdeu a renda mensal.
Por mais importante que seja a obra — e, de novo, não é isso que está em discussão —, é preciso parar, respirar, analisar tecnicamente as necessidades do Estado, e então planejar como esses recursos serão utilizados. Não dá para, como sempre ocorre no Tocantins, as decisão serem tomadas única e exclusivamente pelo impulso político, para alegrar a base de deputados ou de quem quer que seja.
Agir de forma politiqueira é colocar os interesses de indivíduos acima daqueles do Estado.
É hora de o Tocantins e seus líderes amadurecerem, ou viveremos em crise até o colapso. Aí não haverá de onde tirar dinheiro porque gastamos tudo pensando nas próximas eleições.
CT, Palmas, 29 de junho de 2020.