“Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por Ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos.” (Romanos 13:1,2)
Esse é um dos preceitos bíblicos mais citados dentro das igrejas, ainda que cause calafrios ao público externo a elas, quando veem os abusos nada divinos que muitos desses “escolhidos” cometem e que, sem dúvida, não têm a benção do criador e muito menos devemos baixar a cabeça e aceitar seus crimes.
De toda forma, é um preceito bíblico aceito e respeitado por todas as igrejas. Uma dessas autoridades “vindas de Deus” é, portanto, a prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro (PSDB), que baixou o Decreto 1.856, no dia 14 de março, em face de uma pandemia que assola a humanidade, tirou a vida de mais de 7 mil brasileiros e 6 tocantinenses, dos quais 2 palmenses. Prevê em seu artigo 12 as atividades que estão suspensas por tempo indeterminado. Em seu parágrafo 1º, inciso I, não deixa margem à dúvida:
[bs-quote quote=”O enfrentamento à prefeita Cinthia Ribeiro e à sua autoridade é flagrante, e esse cálculo parte do princípio que ela não terá a coragem de comprar uma briga de custo eleitoral” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
“I – eventos, reuniões e/ou atividades sujeitas a aglomeração de pessoas, sejam elas governamentais, artísticas, esportivas e científicas do setor público, sendo as medidas adotadas recomendadas ao setor privado, somando-se as atividades comerciais e religiosas” (Grifo meu).
Não há qualquer margem para questionamento: as atividades religiosas, como as comerciais, estão suspensas por tempo indeterminado. Significa, por óbvio, que não podem ser realizadas. Agora, o decreto proíbe o culto a Deus? Não, definitivamente não, porque isso, sim, seria inconstitucional, já que a liberdade de culto está garantida em nossa Carta Magna. O que a prefeita, autoridade “vinda de Deus”, está fazendo é, numa situação excepcional, seguir as recomendações da ciência, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde para evitar aglomerações que possibilitem a proliferação da Covid-19.
Dessa forma, os líderes religiosos, de qualquer crença, podem realizar missas, cultos e reuniões diversas, conforme suas tradições, desde que não reúnam os fieis. Para isso, há as plataformas tecnológicas das mais diversas.
Porém, o que se viu no final de semana foram — pouquíssimos, frisa-se — líderes religiosos desrespeitando o que o apóstolo Paulo estabeleceu em sua Carta aos Romanos, além de menosprezarem a autoridade “vinda de Deus”, a prefeita; e todos os demais cidadãos, ao promoverem cultos que colocam em risco a saúde de seus fiéis e, consequentemente, de toda a sociedade. Uma atitude irresponsável, indigna de verdadeiros cristãos. Para se ter ideia, houve quem colocasse, descaradamente, nas redes sociais comunicado de que a igreja havia retomado as atividades, num ato claramente de enfrentamento ao Poder Público e à autoridade “vinda de Deus”.
Trata-se de um evidente cálculo eleitoral. Como lideram centenas e às vezes milhares de pessoas, esses — repito: pouquíssimos — pastores partem do pressuposto de que a prefeita Cinthia, num ano eleitoral, não terá coragem de mandar a Guarda Municipal e a equipe do município dispersarem a aglomeração que esses líderes religiosos irresponsavelmente promovem em suas igrejas.
Para piorar a confusão que eles fazem na cabeça dos fiéis, a Prefeitura de Palmas divulgou uma nota no final de semana que deveria ter o objetivo de esclarecer, mas causou foi ainda mais dúvidas. Nela, a administração da Capital revela todo seu medo de enfrentar os infratores do decreto e fortes futuros cabos eleitorais, ao dizer, num mesmo texto, que não pode ter culto e também que pode.
Confira o principal trecho da nota:
“(…) Dessa forma, a Prefeitura de Palmas reitera que as recomendações postas permanecem inalteradas e que não há nenhum novo ato que permita ou autorize aglomeração de pessoas…”
Dessa frase conclui-se que não pode, portanto, realizar cultos. Mas, continuemos:
“Enfatiza também que, não há qualquer restrição ao culto religioso, desde que não haja aglomerações de pessoas, cabendo a cada segmento religioso, definir uma forma professar a sua fé, sem colocar em risco a saúde dos seus fiéis e da população (…)”.
Agora disse que pode!
Era preciso esclarecer como é possível realizar cultos sem promover aglomerações, mas a nota apenas remete para uma matéria no site da prefeitura que coloca alguns exemplos de como igrejas têm feito, que, pelos abusos verificados, foi solenemente ignorada.
Os oportunistas, que não respeitam nenhuma autoridade “vinda de Deus”, na verdade, estão usando essa nota do município para provar que podem realizar seus cultos e reuniões com a presença de pessoas. Aí dá aquele “H”: mete um álcool em gel ali, pede para não ficar muito próximo um do outro e outras medidas para “inglês ver” e está tudo bem.
O enfrentamento à prefeita Cinthia Ribeiro e à sua autoridade é flagrante, e esse cálculo parte do princípio que ela não terá a coragem de comprar uma briga de custo eleitoral. Enquanto isso, os fiscais agem com rigor contra o comerciante obrigado a manter seu negócio fechado, comprometendo até a sobrevivência de sua família. Isso é justo? Dois pesos e duas medidas?
A prefeita precisa decidir se vai manter a postura firme, que tem sido exemplo para o Estado na condução dessa crise, na qual as mulheres estão se revelando as melhores líderes mundo afora, e preservar o rigor da quarentena necessária para impedir o avanço da Covid-19, ou se vai ceder a alguns poucos pastores, que parecem mais preocupados em servir a Mamon, o deus do dinheiro, do que El Shaddai, o Deus Todo-Poderoso.
Ou Cinthia faz cumprir seu decreto de emergência em saúde pública, ou revoga-o e libera geral para todos. O que não pode é ter uma mão forte contra quem quer ter o justo direito a seu ganha-pão e uma mão amiga a quem desrespeita os próprios princípios que prega nos púlpitos, usando fiéis-eleitores para se blindar contra as consequências de infringir as regras da quarentena.
CT, Palmas, 5 de maio de 2020.