Caramba! Chego nesta segunda-feira, 12, aos 51 anos! Não dá para acreditar. Sobretudo porque, aos 17, víamos como velhos os parentes e seus amigos com mais com 50. Inclusive, nossos pais. Será que meus filhos e noras também me veem como um velhote?
Para ser sincero, não ligo. Nunca tive problema com a fatídica realidade de que iria envelhecer. Em verdade, até desejava. Junto com o acúmulo das primaveras e demais estações vem a sabedoria, que resulta das experiências, sobretudo dos fracassos. E creio piamente que a vida continua e se desdobra em infinitas vidas.
Pertenço ao seleto grupo que não pode reclamar da sorte. Fui muito favorecido, e recebi mais do que pedi e, até talvez, do que merecesse. Sou muito grato por tudo. Vivo, e bem, da profissão que escolhi, ainda que sem a paixão da juventude, substituída por um racionalismo chato, algumas vezes amargo.
Ganhei uma família maravilhosa, unida pelo magma do amor mais puro, sincero e intenso, e que, de quebra, tolera minha ranzinzice. Tenho a esposa, os filhos e as noras com os quais sempre sonhei. Prêmio maior da velhice são os netos, e estes ainda espero e já me preparo para tê-los à minha volta.
Mas, do ponto de vista político e espiritual, errei demais, e, por isso, também fracassei. Se tudo der certo, em algumas horas chegarei aos 51 anos, e é hora do mea-culpa. A política sempre fez parte da minha essência. Ela me preenche e, para mim, uma necessidade como o ar. Fui estudante de esquerda, ainda que nunca, em toda a vida, tenha militado em qualquer partido, uma vez que sempre entendi que, como jornalista que cobre o setor, estava eticamente impedido de cerrar fileira em siglas.
Por volta dos 30, numa incômoda crise existencial, busquei uma igreja. Havia deixado religiões de lado aos 19 anos. Contudo, essa decisão teve efeito colateral devastador sobre mim, quando enfrentei algumas tempestades na vida que tinham potencial muito mais destruidor do que podia imaginar e suportar. Por fazer tudo com muita paixão, desci ao dogmatismo, afastando-me dos valores humanos que sempre me nortearam, esquecido do que a própria Bíblia diz: “A letra mata e o espírito vivifica” (2Co 3:6); e ainda: “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício.” (Mt 9:13). Preciso dizer que agradeço a muitas pessoas boas das quais me cerquei nesse período e que me foram importantes nos momentos de dificuldade. Nada o que dizer contra elas. A questão é doutrinária.
Como a política é minha essência, o dogmatismo mudou minha visão de mundo para pior e acabei me alinhando ao que no passado desprezava.
Felizmente, da mesma forma que fui tocado a voltar à igreja, também me senti incomodado a deixá-la, já aos 45 anos, na passagem de meu pai, Seu Heitor, para o plano espiritual. Ele teve uma experiência espiritualista que o transformou e me impactou com a força de um terremoto. Uma espécie de tratamento de choque, uma chacoalhada que dizia: “Acorde! Você não é isso em que se transformou!”.
A reforma íntima de meu pai tornou-o outro homem em seus últimos três anos de vida. Como tinha sempre que correr para perto dele, por conta de seus problemas de saúde, ficava vendo aquilo. A paciência que nunca teve, uma religiosidade de alma, não de palavras; um espírito pacificado, e tudo o que assistia me maravilhava. Mudei as leituras, passei a rever todas as crenças, repudiar os dogmas e me libertei totalmente.
Isso, claro, chegou ao meu pensamento político. Minha visão de mundo começava voltar aos 20 anos, mas com a firmeza e a consciência de quem errou demais, por isso, com muito mais solidez e racionalidade. Sei separar o joio do trigo, a paixão da razão, a realidade da ingenuidade.
O choque das novas crenças com as posições políticas erráticas foi muito mais forte, sobretudo, com o advento do repugnável Jair Bolsonaro. Nele está materializado, de forma hiperbólica, tudo o que voltei a ter ojeriza. Inclusive, o farisaísmo. Nele e nos fanáticos que o idolatram — não aqueles todos que erraram ao votar em 2018 em contraposição ao PT, mas que depois se despertaram e repudiaram a barbárie, mas uma minoria que se recusa a enxergar quão desprezível é esse ser. Ou esses seguidores também possuem traços de psicopatia, ou sofrem de déficits cognitivos terríveis.
Dentro de 20 anos, os netos e bisnetos desta geração estudarão este período e aprenderão que o sujeito que presidia o Brasil na pandemia adotou postura medieval em pleno século 21, ignorou a ciência e incentivou as pessoas a “não serem maricas”, a enfrentarem um vírus letal “como homens”, a se aglomerarem, expondo-se ainda mais ao risco de contaminação; a não usarem máscara, a única proteção pessoal possível; a tomarem remédios que não resolviam e até poderia levar a outras doenças. O líder da Nação que se recusou a comprar vacinas quando teve a oportunidade, o que poderia ter salvado a vida de milhares e milhares de seres humanos; e que, com essa necropolítica, esse ser desprezível promoveu um genocídio entre seu povo. Não tenho dúvida de que a imagem dele sempre levará os professores do futuro a relacioná-lo a Adolf Hitler, Josef Stalin, Benito Mussolini e outros crápulas cruéis, assassinos e autoritários.
Nossos netos e bisnetos, então, vão perguntar a seus pais de que lado seus avós estavam: do povo ou do genocida? Não ficarei contra os princípios humanitários que recoloquei no mais alto do pedestal, ainda que perca dinheiro, amizades, leitores, clientes ou o que mais que tiver que perder. Não sujarei minha mão nessa bacia de sangue nem farei minha descendência passar pela vergonha de ter um seu avô que coonestou com o nazifascismo do início do século 21. Não estarei do lado errado da história.
Nesta nova fase da vida, o melhor de tudo, para mim, foi meu reencontro com a literatura. No período de blecaute humanitário e espiritual, havia me afastado dela. Ler sempre foi essencial na minha vida, e nunca parei. Mas deixei de produzir meus contos por volta dos 25, e, cinco anos depois, desviei-me para o caminho do dogmatismo e as leituras se resumiram a livros técnicos e teológicos. A partir de 2015, nessa revisão íntima que fiz, retomei os clássicos da literatura, que venho consumindo em doses oceânicas, e também a produção de meus contos. Já selecionei 19 e decidi seguir até 40 para lançar outro livro ano que vem. Essa foi a minha melhor e maior conquista nesta nova etapa da vida. Agora me sinto plenamente realizado.
A pergunta que agora me fazem sempre é se eu sou de esquerda ou de direita. Dispenso o rótulo. Prefiro responder, após toda essa narrativa, que, do ponto de vista econômico, sou a favor do mercado (não porque ele é bom, mas porque somos ruins, e a outra opção, o socialismo, não convive com a democracia), e não advogo mais o liberalismo. Defendo que o Estado intervenha na economia, sim, para induzir o desenvolvimento e reduzir as abismais, inaceitáveis, abjetas e históricas desigualdades sociais, produzidas por uma das elites mais insensíveis e gananciosas de todo o mundo, a brasileira.
Acima de tudo, sou um democrata e um humanista. Quero direitos iguais para todos os seres humanos, sem qualquer discriminação quanto ao gênero, raça, religião e orientação sexual. Sou alguém que acredita que o amor e a solidariedade é que devem orientar e mover a humanidade.
Este é o Cleber Toledo que chega aos 51 anos, com boas ideias e profundamente repaginado. Minha melhor versão.
CT, Palmas, 11 de abril de 2021.