O Relatório de Gestão Fiscal (RGF), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), divulgado na terça-feira, 30, confirma que, após longos anos, o Tocantins conseguiu mesmo se reenquadrar aos limites fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que prevê gastos de pessoal de no máximo 49% da Receita Corrente Líquida (RCL). Primeiro ponto que precisa ser reforçado sempre que se discute esse tema é seu resultado prático. Isso porque há aqueles que defendem a irresponsabilidade fiscal como uma suposta demonstração de governo comprometido com o social. O que, obviamente, não é verdade. O que se tem, neste caso, é um Estado ineficiente que gasta absurdamente com folha, perde liquidez e, consequentemente, a capacidade de investir no bom atendimento à população.
Apesar da conquista, o Tocantins ainda precisa avançar bastante. Conforme o RGF, o Estado se encontra só um pouco abaixo do teto de 49%, com 47,6% da RCL comprometida com folha. Os demais Poderes e órgãos também se situam nos limites: o Judiciário com 4,93%, quando o tolerável é de até 6%; o Legislativo em 2,72% (teto de 3%) e o Ministério Público em 1,57% (teto de 2%).
No entanto, a LRF fixa três níveis de enquadramento: o limite máximo de comprometimento das receitas líquidas com a folha de funcionários do Executivo de 49% é o último degrau. Antes há o limite de alerta, de 44,1% da RCL, e o prudencial ao atingir 46,5%. O Tocantins deu um passo importante, ao sair da linha vermelha. O governador Mauro Carlesse (DEM) herdou a gestão com 58% de comprometimento da RCL com folha e conseguiu reduzir 10,4 pontos, o que é muito bom. Mas o Estado precisa enxugar mais, e não é fácil.
Já relatei inúmeras vezes aqui o histórico dessa evolução dos gastos com pessoal, que avançou a cada processo eleitoral, desde que se começou no Estado uma espécie de vale-tudo pelo Poder, a partir do rompimento da União do Tocantins, em meados dos anos 2000. Entre cassações, eleições e até renúncia de governador, o grupo que ocupava a cadeira do Palácio Araguaia sempre usou o privilégio de nomear como moeda de troca para conseguir votos de um setor estratégico nessas disputas fratricidas que assistimos, o funcionalismo. O servidor, além de representar um volume considerável de votos, porque a eles se somam seus parentes, também são excelentes cabos eleitorais.
Por isso, estar em paz com essa importante fatia do eleitorado sempre foi prioridade de quem assumiu o governo, sobretudo daqueles de mandatos tampões. E tome irresponsabilidade fiscal: de cerca de 35,7% de gasto com pessoal sobre a RCL, em janeiro de 2003, quando Siqueira Campos passou a administração do Estado para Marcelo Miranda, o índice só fez subir ano a ano até os inviáveis 58% recebidos por Carlesse.
O interessante é que, apesar dos gastos excessivos com pessoal, os serviços públicos foram se deteriorando ao longo do tempo: delegacias sucateadas, hospitais hiperlotados, educação com resultados pífios em exames nacionais, estradas esburacadas e — o grande contrassenso — foi se acumulando dívidas de direitos trabalhistas, como progressões e data-base. Por motivo óbvio: não houve preocupação alguma em dar eficiência ao Estado nessas contratações. A motivação única em todos esses anos foi abrigar cabos eleitorais e comprar o voto de uma categoria estratégica para as eleições.
Com esses gastos sem qualquer planejamento, junto a outras ações igualmente impensadas e também a corrupção, o governo do Estado foi perdendo liquidez ao longo do tempo, drenando grande parte de sua arrecadação para custear folha e seus penduricalhos. Tivemos nesse período acesso a recursos extras, como os cerca de R$ 500 milhões de repatriação no governo Michel Temer, que não foram utilizados para comprar viaturas, implantar UTIs ou computadores para estudantes. Nada disso. Quase toda essa bolada foi para 13º e salários de servidores.
Estamos agora numa situação em que uma crise enorme surgiu dentro de outra que já era gigante, com a pandemia do novo coronavírus. A superação exigirá uma nova postura, mais austera ainda dos governos, e um repensar de todo o planejamento. Para se ter ideia, o Palácio Araguaia anunciou uma economia de R$ 500 milhões em 2019 com os ajustes do Estado e é esse o valor da frustração da receita estimada para 2020, por conta das medidas duras que tiveram que ser tomadas para impedir o avanço da Covid-19.
Ou seja, uma missão que já era difícil se tornou ainda mais complexa. No entanto, o governo não pode desanimar, precisa insistir em enxugar o Estado, aumentar sua liquidez e sua capacidade de investir em melhores serviços à população. Não há outro caminho possível, porque é o custo de anos de irresponsabilidade fiscal.
A austeridade é uma virtude que precisa ser absorvida pelos governantes, mas também pela população, que não deve esperar outro compromisso daqueles que pretendem gerir a máquina pública. Ou é isso, ou estaremos permanentemente discutindo a crise do Estado.
CT, Palmas, 2 de julho de 2020.