Em agosto de 1992, eu começava minha trajetória no jornalismo em meio ao processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Muito sistemático, preocupado com minha postura profissional, não sabia se deveria ou não aderir à marcha dos caras-pintadas. Foi um colega mais velho de redação quem me deu a chave: não temos o direito de ficar do errado da história. E fui às ruas com o verde e o amarelo no rosto.
Décadas depois, o governo do PT levava o Brasil para um lamaçal muito pior do que apontara na época de Collor e, ainda, conduzia o País para um abismo econômico, que poderia fazer com que perdêssemos a estabilidade conquistada a duras penas com o Plano Real. Não existe imposto mais perverso para o pobre do que a inflação. Era preciso, novamente, ficar do lado certo da história. Por isso, não pensei duas vezes em ir às ruas e, como parte das conquistas do século 21, às redes sociais pela derrubada da então presidente Dilma Rousseff.
[bs-quote quote=”Não existiria figura mais nefasta para estar no comando do Brasil neste momento. Esta é uma realidade para qualquer pessoa de um mínimo de bom senso” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Estamos novamente diante de outra bifurcação da história que nos exige uma tomada de decisão. Um presidente totalmente insensível às dores do povo, provocadas por um vírus que nos devora. A única preocupação de Jair Bolsonaro, diante dos mais de 11 mil mortos, é com as eleições de 2022 e vê a quarentena necessária para impedir o avanço da Covid-19 como um empecilho a esse projeto. Por isso, adotou o negacionismo como estratégia, a ponto de um anúncio institucional da Casa Civil do Palácio do Planalto, nesse domingo, 10, ignorar os óbitos e dar destaque somente aos recuperados.
Diante do triste marco de 10 mil mortos no sábado, 9, quando o Brasil chorava esse número catastrófico, o presidente da República deu de ombros, aventou fazer um churrasco — desistiu depois, diante da repercussão negativa, alegando que era fake — e acabou curtindo o dia andando de jet-ski no Lago Paranoá, o que não deixou de nos remeter a Collor, que, em sua época como inquilino do Palácio do Planalto, também se divertia em meio ao sofrimento do povo com a hiperinflação e suas poupanças confiscadas.
Paralelo ao negacionismo, Bolsonaro fabrica crises institucionais para tentar se impor como absolutista — “eu sou a Constituição”, “quem manda sou seu”, são frases rotineiras que revelam essa vontade insana de concentrar todo o poder — e também para proteger os filhos às voltas com enormes pepinos. Um diante da prática de “rachadinha” quando deputado estadual e que empregava milicianos em seu gabinete e outro chefiando um enorme esquema de fake news para difamar instituições e personalidades. Agora o próprio presidente tem problemas com o Judiciário e a Polícia Federal, já que seu ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro resolveu sair atirando.
Em relação ao mundo, Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo — um místico ignorante, que desonra a tradição da elevada diplomacia brasileira —, colocam o Brasil de joelhos diante dos Estados Unidos, com uma subserviência que nos envergonha. Com a forma como conduz esta pandemia, o presidente apresenta o país à comunidade internacional como incapaz controlar a expansão do vírus, sob risco real de gerar desconfiança nos investidores, que vão querer distância daqui, e rejeição aos nossos produtos pelo mercado global.
Arruma uma crise diplomática totalmente desnecessária, por motivo absurdamente fútil, com nosso principal parceiro comercial, a China, com declarações de dois despreparados, seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, outro maluco, adepto a teorias da conspiração e caça às bruxas a comunistas. Essa molecagem terá um custo enorme ao País nesta pandemia e na saída dela.
Esse é só um esboço do cenário que se desenha da nossa tragédia política, no momento mais difícil atravessado pelo País e pela humanidade. Bolsonaro é muito pequeno para a Presidência, despreparado, autoritário, medieval e sem qualquer empatia com o sofrimento que os brasileiros enfrentam. Não existiria figura mais nefasta para estar no comando do Brasil nesta altura da história. Esta é a realidade para qualquer pessoa com um mínimo de bom senso.
Não acredito que sua vontade de impor um golpe como o de 1964 vai prosperar. Vai quebrar a cara. O contexto histórico é totalmente adverso a esse propósito que ele, de fato, acalenta — ainda que dê dois passos nessa direção e recue um sempre que confrontado pelos formadores de opinião, quando se apressa a negar o que é bem óbvio. O candidato a ditador não tem o apoio da mídia, das Forças Armadas, nem base política para isso. Ao contrário. Se isola cada dia mais.
Sua aprovação popular vem derretendo desde que assumiu a Presidência, restando-lhe cerca de 33% do eleitorado, grupo que se identifica com as ideias autoritárias e destemperadas de seu “mito”. O apoio desses bolsonaristas é resultado de uma ignorância política profunda de um segmento que “saiu do armário” indignado com a roubalheira e incompetência do governo do PT. Esse tipo de ignorante indignado, que analisa o mundo por instintos e não por fatos, sempre existiu, mas neste momento da história humana ganhou voz através das redes sociais, confirmando o que já havia sido alertado pelo grande e saudoso Umberto Eco: “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.
No entanto, existe uma faixa de quase 70% da população que já acordou, consegue enxergar um governo anticiência, que agride os direitos humanos, desconstrói políticas públicas conquistadas após anos de luta, abre reservas ambientais para grileiros, ignora a dor de seu povo, tenta desacreditar os demais Poderes para se impor como autoridade única e busca interferir nas instituições de Estado (não de governo) para proteger os crimes cometidos por ele e pelos filhos.
Bolsonaro precisa ser detido e, neste momento, não me calarei, como “determinou” aos jornalistas semana passada o bufão travestido de ditador. Não tentarei parecer “imparcial”, posando de “violinista do Titanic”. Tenho lado nesta encruzilhada que vivemos.
Como me orientou meu veterano lá no início da minha carreira, há quase 30 anos, não ficarei do lado errado da história. Ou como disse o grande ator Lima Duarte, citando Bertolt Brecht, no brilhante e emocionante texto pelo qual se despediu do não menos talentoso Flávio Migliaccio, cuja insatisfação com os rumos do País o levou ao suicídio há alguns dias: “Os que lavam as mãos, os fazem numa bacia de sangue”.
Não lavarei as minhas. A hora é de combater a indignidade.
CT, Palmas, 11 de maio de 2020.