A entrega do maquinário adquirido com os R$ 60,5 milhões canalizados pela bancada federal ao governo do Tocantins é uma grande conquista do Estado. Mas a divisão de fundo que existe entre os pró e contra o Palácio Araguaia tira parte do brilho dessa vitória.
A história já começou com briga lá atrás, em 2017, quando se discutia o rodízio das grandes emendas de bancada. A discussão girava em torno da volumosa montanha de recursos apenas para um dos cinco maiores municípios do Estado. Palmas ficou excluída de cara, porque o então prefeito Carlos Amastha (PSB) era inimigo de todo mundo, a quem havia atribuído o nada carinhoso adjetivo de “vagabundos”. Assim, a disputa ficou entre Araguaína, de Ronaldo Dimas (Podemos), e Gurupi, de Laurez Moreira (PSDB).
Sob o clima pré-eleitoral, os grupos se dividiram na época: de um lado o então coordenador, ex-senador Vicentinho Alves (PL), em defesa de Araguaína; e, do outro lado, a senadora Kátia Abreu (Progressistas) e os deputados federais Carlos Gaguim (DEM) e Irajá Abreu (PSD) — hoje senador —, pela causa de Gurupi. Na disputa pelo voto da bancada, Vicentinho levou a vantagem e a bolada de R$ 45 milhões ficou para Araguaína. A conversa era que essa emenda polpuda seria entregue a cada ano a um dos cinco grandes municípios do Estado, num sistema de rodízio, conversa que depois caiu no esquecimento.
Como reação em 2017, Kátia, Irajá e Gaguim se recusaram a assinar as emendas de bancada, que previam essa grana toda para Araguaína, mais outros milhões para aquisição de máquinas para os 139 municípios, além de outros recursos, como para o Hospital do Amor. Os então senador Ataídes Oliveira (PSDB) e deputado Lázaro Botelho (Progressistas) também ensaiaram uma rebelião, mas repensaram e avalizaram, por e-mail, a decisão da maioria.
Num salto no tempo chegamos a 2018, quando Araguaína recebeu seus R$ 45 milhões. Como apregoa o clichê de que a política, como nuvens, muda toda hora, nessa época Dimas já estava rompido com o padrinho da emenda graúda, ex-senador Vicentinho Alves. Noutro voo temporal, pousamos em meados de 2019, quando o dinheiro já havia saído dos cofres da União para o Palácio Araguaia comprar o maquinário.
Mais uma contenda, desta vez envolvendo a licitação das máquinas. Gaguim, então coordenador da bancada, e o governador Mauro Carlesse (MDB) defendiam a redução do número de itens de 53 para 5 como forma de agilizar o processo de aquisição. Kátia, já rompida com o deputado do DEM, dizia que havia um cheiro estranho no ar, se colocou contra a mudança e chegou a ir à Polícia Federal pedir apuração.
Noutro corte do tempo, aterrissamos nos dias atuais em que as máquinas estão sendo entregues, em grande parte, ao que tudo indica, justamente porque o número de itens foi reduzido e o processo licitatório facilitado. De novo, mais brigas. Agora, Kátia e parte da bancada acusam o governo do Tocantins de agir eleitoralmente na entrega do maquinário aos prefeitos.
Fato é que poucas vezes, depois do rompimento da falecida União do Tocantins, tivemos tantos confrontos entre bancada e governo do Estado. No final de vida da ex-UT, em meados dos anos 2000, quando a maioria dos congressistas era aliada do ex-governador Siqueira Campos e contra Marcelo Miranda, houve um grande enfrentamento em torno da autorização do Senado para um empréstimo internacional buscado pelo Estado, vencido pelo Palácio Araguaia, graças à articulação da então deputada federal Kátia Abreu, mesmo tendo contra ela os habilidosos senadores João Ribeiro e Eduardo Siqueira Campos.
Desta vez Kátia está no outro polo, em oposição ao governo do Estado. É um lugar pouco apropriado para uma coordenadora de bancada, que precisa funcionar como mediadora entre Congresso, Palácio Araguaia e Palácio do Planalto. Desde o início estava evidente que essa função não poderia ter ficado com a senadora. Não por falta de capacidade, competência e disposição ao trabalho, que ela tem, e de sobra. Mas justamente pelo fato de não se relacionar tanto com o governo do Estado como com o governo de Jair Bolsonaro.
A escolha de Kátia foi mais um ato de rebeldia dos congressistas para “enquadrar” o governador Mauro Carlesse. Com esse objetivo, relegaram os interesses do Tocantins a um quinto plano. Faltou maturidade para a escolha — repito: em função do posicionamento de Kátia, não de sua competência, já que a senadora é uma das políticas mais capacitadas que o Estado possui.
A queda de braços que agora assistimos entre a bancada anti-governo e pró-governo, claro, já aponta para 2022, o que torna essa disputa ainda mais desnecessária, porque as eleições estaduais estão muito longe e a hora é de trabalho, de robustecer um Estado que já vinha patinando e corre o risco de afundar de vez em meio à crise abissal aberta pela pandemia do novo coronavírus. Nunca a unidade entre bancada, municípios e Estado se fez tão essencial como hoje.
Como dizem os sábios, a vitória tem muitos pais e a derrota é órfã. No caso, a liberação das máquinas aos municípios foi uma grande conquista do Tocantins, mas a briga pela paternidade pode tirar esse brilho e os holofotes se voltarem para mau exemplo que nossos maiores líderes dão à toda a população neste momento.
CT, Palmas, 1º de julho de 2020.