Quando moleque me divertia demais com as desventuras de Maxwell Smart, o Agente 86. Além das trapalhadas, gostava de ver as inovações tecnológicas para que ele melhor pudesse desempenhar suas difíceis missões. O sapato ou o relógio viravam telefones, numa época em que o termo “celular” só era utilizado nas aulas de biologia.
Os filmes e desenhos animados de ficção científica sempre nos levavam a um mundo impossível. Conversar com outra pessoa a quilômetros de distância vendo-a num monitor era algo totalmente fora da realidade. Mas, para Os Jetsons, isso era normal. Contudo, lá nos anos 1980, numa época em que nem telefones fixos tínhamos em casa — luxo que custava uma fortuna que nossos pais não dispunham —, nos perguntávamos se isso um dia seria possível.
[bs-quote quote=”Os últimos 50 anos foram incríveis do ponto de vista da tecnologia. Boa parte das inovações mostradas nos filmes e desenhos do passado hoje é realidade em nosso dia-a-dia. Há outras conquistas que confortam nossas vidas e que nem mesmo os mais criativos autores de ficção científica puderam prever” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Assim, um enorme avanço tecnológico para nós foi quando a Telesp instalou um orelhão na esquina. Como meus pais sempre foram altamente sociáveis — uma herança genética que me faltou, admito —, ficamos responsáveis por vender as fichas utilizadas nas ligações. Um saco, para mim, o antissocial, estar assistindo TV e toda hora alguém bater na porta.
Os computadores entraram minha vida, como para a maioria dos brasileiros, em meados dos 1980, quando meus pais nos colocaram para fazer um curso de Basic. Meu irmão e eu viajámos 130 quilômetros todo sábado para aprender a programação dessa linguagem que acredito que estava em desuso assim que concluímos os estudos de quatro meses. No entanto, foi importante porque, pela primeira vez, sentamos à frente de um computador que só víamos parecido nos filmes em que a Nasa mandava terráqueos ao espaço sideral. Está bom, não era um equipamento altamente tecnológico como os da agência espacial americana, mas apenas um PC-500, com tela que emitia fósforo verde, que nos faziam chorar após um tempo, como quando se descasca cebola.
Foi nessa época que tiramos a sorte grande. Meu pai ganhou, numa rifa, um PC-200. Era um teclado que ligávamos à TV e podíamos brincar com o Basic. Aprendi fazer programas para cálculo de gasto de combustível, contas de casa e outras coisas simples.
Já na universidade, cursando Economia, trabalhava no escritório de contabilidade de um hipermercado quando um colega me disse que me apresentaria uma tecnologia que permitia que a gente pudesse conversar com pessoas de todo o mundo. Num almoço, me levou ao laboratório de informática da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e fiquei impressionado. A gente digitava num campo estreito, a mensagem caía numa tela geral e alguém respondia. Uns em inglês, outros em francês, espanhol e alemão. Uau! Era o que hoje conhecemos como Internet, que havia saído dos meios militares e ganhava os campos universitários. Nem os melhores filmes de ficção científica dos anos 1980 haviam imaginado isso.
Deixei o curso de Economia para fazer Jornalismo, e peguei a transição das redações da velha máquina de escrever para os computadores. Uma diferença básica era o cigarro. Quando só tínhamos as Remington, podíamos fumar enquanto disparávamos as teclas sobre as ultrapassadas laudas. A primeira redação em que trabalhei ficava num subsolo. Quando se chegava na escada, a gente via a nuvem de fumaça sobrevoando as cabeças.
Os cigarros saíram das redações quando os computadores entraram. Falavam para mim de um tal de World, que me assustava só de ver. Fui me relacionando com ele e em dias já havia me acostumado. Nos tornamos grandes amigos. Depois vieram os softwares próprios para redação de jornal e nossas atualizações entraram no modo automático. Intuitivamente até passamos a nos adaptar a cada inovação tecnológica que chegava.
À maior delas fui apresentado num início de noite de meados dos anos 1990, quando era editor de um jornal no interior de São Paulo. Nilsinho, o técnico que garantia o funcionamento de nossos computadores e impressoras, me chamou à sala dele para mostrar a novidade. Quando entrei na sala, ele pegou um fio azul e colocou na tomada do telefone. No PC, clicou num ícone e o computador começou a cantar como uma dobradiça enferrujada. Aquilo era muito irritante. Então, uma página branca sobressaltou na tela e foi ganhando formas e cores. Nilsinho digitou numa barra e abriu a página do Jornal do Brasil, o primeiro veículo do País a ocupar espaço na rede mundial de computadores. O técnico clicava, as matérias iam abrindo e ele me explicava cada passo. Por fim, me perguntou o que achei.
— É carta de alforria dos jornalistas — foi o que, profeticamente, respondi.
Os últimos 50 anos foram incríveis do ponto de vista da tecnologia. Boa parte das inovações mostradas nos filmes e desenhos do passado hoje é realidade em nosso dia-a-dia. Há outras conquistas que confortam nossas vidas e que nem mesmo os mais criativos autores de ficção científica puderam prever. Claro que, para mim, houve duas frustrações: a máquina do tempo, que nos faria passear no passado e no futuro, e a máquina de desintegrar, pela qual viajaríamos por espaços enormes sem perder horas dentro carros, ônibus e aviões. Mas quem sabe um dia?
O mundo de 2020 nem de longe lembra aqueles velhos 1970 e 1980 que vivi para hoje contar. Só não esperava, nem nos piores pesadelos, que cinquentaria neste domingo, 12, trancafiado em casa, refém de um vírus. Ao contrário das inovações tecnológicas que, mesmo as mais malucas, ainda esperávamos que se tornassem realidade, esse trailer que hoje enreda a humanidade, para nós, há 40 anos, era algo de uma imaginação fértil que só queria nos assustar, mas sem a menor chance de se tornar realidade.
CT, Palmas, 11 de abril de 2020.