Desde o início desta pandemia tenho procurado não politizar os remédios que surgem como possibilidade de tratamento da Covid-19. É um absurdo tanto a torcida a favor, sem a palavra final da ciência, quanto a contra medicamentos, por esconder um falso humanismo — a pessoa diz ser a favor da vida, mas vira claque para que a droga testada não funcione contra o novo coronavírus. Minha torcida sempre foi para que qualquer remédio colocado no debate tivesse comprovação eficaz e curasse os doentes.
No entanto, submetidos ao rigor da ciência, os dois principais remédios — Cloroquina e Invermectina — começaram a ser questionados e até descartados para o combate à Covid-19. Em nota no dia 10 de julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que não existem estudos conclusivos que comprovem o uso da Invermectina para o tratamento do novo coronavírus, ainda que “não existem estudos que refutem esse uso”. No entanto, continua a Anvisa, “até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da Covid-19 no Brasil”.
Em relação à Cloroquina, elevada ao sagrado pelo presidente Jair Bolsonaro, no último encontro que teve no domingo, 19, com seus apaixonados militantes, as conclusões da ciência são mais contundentes. Em nota na sexta-feira, 17, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) pede categoricamente que “a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da Covid-19”. Alguma dúvida? Há margem para outra interpretação? Nenhuma. Segundo a SBI lembra na nota, “já havia sido publicados estudos clínicos randomizados com grupo de controle demonstrando que a HCQ [hidroxicloroquina] não traz benefício clínico nem na profilaxia (prevenção), nem em pacientes hospitalizados”. Dúvidas?
Mas tem mais: a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu de forma definitiva retirar a hidroxicloroquina de seus testes realizados em dezenas de hospitais pelo mundo. O produto já havia sido suspenso diante da falta de resultados. Tem mais: os Estados Unidos retiraram a autorização de emergência desse remédio para a Covid-19 devido à falta de eficácia e preocupações com seus riscos.
É uma pena. Minha torcida sempre foi para que esses medicamentos se mostrassem um sucesso, porque significaria vidas salvas. Já perdemos mais de 80 mil brasileiros, dos quais 300 tocantinenses, para essa doença. Assim, se a Cloroquina e a Invermectina se mostrassem eficazes, quantas dessas pessoas poderiam ter sido poupadas. No entanto, não são. A Invermectina não conta com estudos conclusivos e Cloroquina está sendo descartada pela ciência para o tratamento de pacientes em qualquer fase da doença.
Contudo, no Brasil todo e em várias cidades do Tocantins, lamentavelmente, os prefeitos estão usando esses medicamentos como cabos eleitorais pagos com recursos públicos para fazer média com a sua população e compensar a irresponsabilidade da reabertura total do comércio com critérios mínimos, sem nenhum protocolo rígido, sem uma grande estrutura de fiscalização das medidas, o que contribuiu para a explosão da Covid-19 nas últimas semanas. O Tocantins figura na lista dos Estados com alta no número de mortes pelo novo coronavírus desde o início do levantamento do consórcio formado pelos grupos Globo, Folha e Estadão.
O que está ocorrendo, de fato, é uma campanha eleitoral criminosa bancada com recursos do contribuinte com remédios cuja eficácia está descartada pelas maiores autoridades médicas e científicas do País e do mundo. Isso é de uma irresponsabilidade sem tamanho, que absorve um dinheiro que faz falta para compra de EPIs e para equipar leitos hospitalares. Enquanto fazem esse populismo cínico, casos de Covid-19 se expandem geometricamente e tocantinenses morrem.
Claro, tem o apoio de uma massa ignorante, que não sabe sequer o que é ciência. O “mito” disse, o prefeito comprou e distribuiu, então, viva o “mito”, viva o prefeito! No entanto, não é a forma séria de tratar a saúde pública, e quem tem o mínimo de instrução, de leitura, de noção básica de gestão, sabe da irresponsabilidade, da falta de espírito público que está prevalecendo nessas medidas eleitoreiras.
Por isso, é necessário que o Ministério Público, de forma preventiva, aja contra esses abusos com recursos públicos. Não é possível esperar que se esgotem as parcas verbas disponíveis para o combate a uma doença tão grave para depois tomar as medidas cabíveis. Fechar a porta depois do assalto não resolve. Tem que ser agora, e exigir que os gestores administrem essa crise pandêmica de forma séria, não com esse espetáculo circense para conquistar votos.
Não é à toa que o Brasil é exemplo para o mundo de como não conduzir a crise do novo coronavírus. Faltam homens públicos sérios e sobram irresponsáveis.
CT, Palmas, 21 de julho e 2020.