Dois fatos ficaram muito evidentes nesta semana: caiu a ficha do presidente Jair Bolsonaro de que sua popularidade esfarela rapidamente por conta da péssima condução que faz da crise da Covid-19 e, como consequência desse despertar, ele passou a ser tutelado pelo Congresso. Na cabeça de Bolsonaro só existe uma preocupação que o move em todas as ações: a reeleição em 2022.
Foi ela que o fez negar de pés juntos a gravidade da pandemia, tripudiar a ciência, esnobar a vacina (que agora ele diz defender desde criancinha) e boicotar o isolamento social, convocando às ruas seu séquito mais fanatizado — uma espécie de seguidores de Inri Cristo, o homem que se diz a reencarnação de Jesus e que, não por acaso, também é astrólogo, com o guru do presidente, o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho.
Na cabeça de Bolsonaro, por onde o ar flui pelo amplo espaço vazio existente, mesmo com a pandemia, sua reeleição só seria possível se a economia sobrevivesse ao novo coronavírus. A partir desta constatação totalmente equivocada, já que o desastre econômico era inevitável, ergueu seu castelo de cartas no projeto de necropolítica que vem realizando. Basicamente queria que todos fossem às ruas para chegarmos logo à tal imunidade de rebanho, uma loucura que poderia levar à morte muito mais de 1 milhão de brasileiros.
Foi com este objetivo indecente que substituiu dois ministros que, médicos, não abriam mão da ciência e optou por um militar que, general, se comportava como praça, um mero cumpridor de ordem. A primeira missão dada a seu office boy de luxo foi derrubar o número de mortos. Nada científico, era puramente pela fraude ao registro de brasileiros abatidos pela doença. Os principais veículos de comunicação, então, se uniram e formaram o consórcio graças ao qual temos dados confiáveis sobre a pandemia.
Bolsonaro foi se tornando, assim, coadjuvante na condução da crise, deixando o protagonismo, no caso dos dados, para o consórcio de imprensa e, nas ações, para prefeitos e governadores.
Depois o governo cometeu o maior de todos os erros políticos, de uma série sem fim, ao desdenhar da vacina. Esnobou a proposta de 70 milhões de doses da Pfizer para dezembro, alegando que as cláusulas do contrato eram draconianas — as mesmas aceitas por todo o mundo. Quando o governo de São Paulo propôs parceria com o Instituto Butantan, o ministro-praça chegou a anunciar a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, mas foi desautorizado por seu chefe. Bolsonaro, então, foi claríssimo: não compraria a “vachina” e “a vacina do Dória”, numa referência ao governador de São Paulo.
Graças a essa postura medieval, negacionista e estúpida, viu acumular à sua porta uma pilha de cadáveres e suas mãos sujas com o sangue de centenas de milhares de brasileiros.
Com a crise sanitária se aprofundando, nossa egoísta elite passou a chorar a morte de seus parentes e amigos. Então, se tocou de que seu dinheiro não resolveria o problema. Veio a reação dos mais diversos segmentos, que culminou na carta de 1,5 mil economistas e grandes empresários no domingo, 21, e na dura posição do Congresso Nacional, ainda impactado pela morte prematura do senador Major Olímpio (PSL-SP). Foi a gota d’água para que Bolsonaro, definitivamente, se tornasse o que é hoje, a figura mais insignificante para a resolução dessa crise, despido de toda e qualquer autoridade.
Na prática, com muita discrição, nas movimentações desta semana, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), colocaram Bolsonaro sob sua tutela, com dezenas de pedidos de impeachment apontados para o Palácio do Planalto como se fossem poderosos urutus. É o que fez chefe do Executivo Federal passar a falar manso, fazer um pronunciamento à Nação com pose de cordeirinho, defender vacina, usar máscara, chamar um comitê de crise, enfim, tentar se comportar como alguém que está presidente da República e tem o mínimo de civilidade.
Porém, não acredito na mudança de Bolsonaro. Essa versão “paz e amor” não vai longe. Ele teme perder o mandato e ainda ressoa em sua mente as duras palavras de Arthur Lira — “os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais” —, por isso, se engessa e aceita as regras dos tutores. Mas não continuará assim por muito tempo.
Dois sinais já estão dados, ao falar do inútil tratamento precoce após a reunião com os chefes de Poderes, ao chamar para esse convescote apenas os políticos amigos e seus ministros negacionistas, e ao bater o pé contra a participação de governadores não alinhados a ele no comitê de crise.
Como coordenar uma crise nacional dessa envergadura sem a participação de prefeitos — a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), corretamente, já pediu vaga — e dos governadores que não são alinhados ao Palácio do Planalto, mas que comandam Estados estratégicos para a crise, a exemplo de João Dória (PSDB), em São Paulo?
Bolsonaro não muda, então, temos que mudar o presidente, porque a pessoa que está na cadeira é hoje o principal empecilho para que possamos controlar o vírus.
Esse comitê de crise sem prefeitos e governadores não alinhados a Bolsonaro será tão eficaz contra a Covid-19 como a cloroquina, da qual o presidente da República, contra toda a boa ciência, se tornou embaixador.
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Post Scriptum
Sem pé nem cabeça — Em meio a tantas vidas perdidas, com o sistema de saúde em colapso, receber lobistas pró-armas é algo totalmente sem pé nem cabeça. Na verdade, tratar deste tema agora, é de uma falta total de sensibilidade. Uma completa alienação a tudo que está ocorrendo, é desdenhar do desespero e do luto das famílias tocantinenses. Diga-se: postura própria de quem é pró-arma. Lamentável em todos os sentidos.
Críticas à gestão Josi Nunes — Não é fácil suceder uma boa gestão. Sempre alertei isso nesta coluna. Em Gurupi, as críticas à prefeita Josi Nunes (Pros) já começam a fazer eco. Seus aliados dizem que o ex-prefeito Laurez Moreira (PSDB) e o candidato derrotado em novembro, Gutierrez Torquato (PSB), se movem nas sombras para amplificar essa insatisfação. Mas mesmo os aliados admitem que as críticas já ocorrem.
Nada de crise — Apesar disso, o odontólogo Zander Luís negou à coluna que tenha deixado a Secretaria da Saúde de Gurupi, na quarta-feira, 24, por qualquer crise interna no grupo da prefeita. Zander garantiu que foi “uma opção de gestão”. Segundo o ex-secretário, Josi precisava de uma pessoa para assumir o Instituto de Assistência dos Servidores de Gurupi (Ipasgu) e ele se colocou à disposição.
Um descontão — O prefeito de Axixá, Auri-Wulange Ribeiro Jorge (PTB), contou a este colunista que o vereador Herton Ferreira Mascarenhas (PV), preso na noite de terça-feira, 23, suspeito de tentar extorqui-lo, teria enviado uma oferta imperdível. Se Auri-Wulange pagasse em dinheiro, a coisa cairia de R$ 20 mil para R$ 15 mil. Um descontão!
CT, Palmas, 26 de março de 2021.